A guisa de reflexão

Sou uma pessoa que, inexplicavelmente(?), dedica grande parte do tempo à reflexão. Às vezes, assistindo a um filme ou lendo um livro, me dou conta de que perdi o enredo, de um ou de outro, em face de ter refletido sobre assuntos diversos. Não é por outra razão que, muitas vezes, ao reler um livro ou rever um filme , sou surpreendido com a total ignorância do que “li” e “assisti”.

Nas minhas reflexões mais recorrentes tenho me detido nos temas velhice, morte e condutas desviantes. As reflexões acerca desses temas me fizeram chegar a uma estranha conclusão que, se fosse possível, a levaria a Deus para decidir sobre. Conclui, com efeito, que, se tivesse acesso a Deus, eu faria a seguinte proposta a Ele: todo ser humano, ao nascer, receberia um quantidade “x” de pontos. Depois de amadurecido, depois de ser dotado da capacidade de entender, a cada deslize, a cada crime, a cada conduta desviante, o ser humano ia perdendo uma quantidade “y” de pontos. A cada perda de pontos o ser humano envelhecia um pouco mais e, de conseqüência, se aproximaria mais da morte. É dizer: quanto mais deslizes, quanto mais condutas desviantes, mais o indivíduo se aproximaria da morte. A contrário sensu, aqueles que tivessem boa conduta, não cometesse crimes, honrasse pai e mãe, por exemplo, permaneceriam com a mesma quantidade de pontos: é dizer a velhice e a morte seriam destinadas apenas aos desonestos, aos corruptos, aos assassinos, aos estupradores, etc. Os honestos, os bons filhos, os bons pais, os bons profissionais, viveriam para sempre.
Claro que os pontos só seriam descontados, depois da idade adulta, ou seja, depois que o indivíduo fosse dotado da capacidade de entender o caráter ilícito do fato e comportar-se de acordo com esse entendimento.Por que as minhas reflexões me fizeram chegar a essa estranha conclusão?

Vou tentar explicar.

Tenho assistido, indignado, pessoas de bem, pessoas honradas, serem acometidas de doenças graves, que, às vezes, as levam, inexoravelmente, à morte – muitas vezes sem ter alcançado a maturidade. Tenho constatado, abespinhado, que muitas pessoas que só fazem o mal – que matam, que roubam, que destratam pai e mãe, dentre outros deslizes – envelhecem, usufruem das ilegalidades praticadas, dos bens materiais adquiridos de forma ilícita, como se fossem imunes a qualquer tipo de doença.

Incontáveis vezes já me indignei – e me indigno – com a morte trágica de crianças, de pessoas honradas, de pais de família exemplares, de cidadãos de conduta retilínea. Da mesma forma, tenho assistido o progresso de pessoas malévolas, de caráter duvidoso, as quais, não raro, envelhecem e, às vezes, morrem sem sentir sequer uma dor de dente.

Claro que faço essas colocações apenas como um exercício mental despretensioso. Não pretendo com essas alucinações provocar o sentimento dos religiosos mais empedernidos. O que eu almejo, com essas reflexões, é apenas exteriorizar a minha revolta com o progresso dos malfeitores e a minha indignação quando vejo, sem nada poder fazer, o sofrimento, a dor e a morte de pessoas que só fizeram o bem. O que pretendo com essas reflexões, é dizer que não posso deixar de me revoltar quando constato pessoas de bem, como foi meu sogro, morrerem depois de injustificável e imerecido sofrimento. Noutro giro, não posso deixar de me indignar quando tenho notícia de mais uma falcatrua impune. Da mesma forma me agasta perceber que essas pessoas vivem e sobrevivem para fazer o mal ao semelhante e, ainda assim, parecem ter tido acesso ao elixir da saúde e da juventude

Que tal se a morte indolor fosse destinada apenas às pessoas de bem? Que tal se a morte, antecedida de grande sofrimento, fosse destinada apenas aos malfeitores? É desumano pensar assim? Em face dessa auto-indagação devo refletir mais uma vez.

Claro que as colocações supra são apenas – e nada mais que – uma reflexão. Ninguém tem o direito de questionar o que foi concebido por Deus.

Mas que seria bom se isso ocorresse, ah!, seria sim. Afinal, qual de nós não se regozija ao ver um marginal pagando pelo crime que cometeu? Ou, pensando assim, estou tendo uma alucinação?

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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