Ofício de um juiz indignado

Peço ao leitor especial atenção para os termos do ofício que encaminhei, hoje, ao Delegado Carvalho, no qual reclamo, indignado, o tratamento que foi dispensado ao acusado DANIEL LIMA SOARES.

Infelizmente, no Maranhão e no Brasil, os agentes públicos veem os acusados como cidadãos de terceira categoria, que não fazem por merecer, na ótica deles, um tratamento digno.
Entendo de formo diametralmente oposta. Desde o meu olhar o custodiado deve merecer do Estado tratamento condizente com a sua condição de ergastulado.
Não aceito e nunca aceitei que se tratem acusados como cidadãos de segunda categoria.
Quem um crime comete deve receber a correspondente sanção penal. Nada mais que isso. Tudo o mais que não for previsto legalmente é excesso.
Vamos aos termos do ofício.
ESTADO DO MARANHÃO
PODER JUDICIÁRIO
FORUM DA COMARCA DE SÃO LUIS
JUIZO DA 7ª VARA CRIMINAL

 

Ofício nº 437 /2006-GJD7VC São Luís, 20 de novembro de 2006

 

ILMº SENHOR
DOUTOR ANTONIO CARVALHO ALVES
SUPERINTENDÊNCIA DE POLÍCIA DA CAPITAL
NESTA 


Nesta vara tramita uma ação penal contra DANIEL LIMA SOARES, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, II, do CP.

O acusado foi requisitado para audiência de inquirição de testemunhas – e aqui foi apresentando –, no dia 16 do corrente, às 15:00 horas.
O acusado, quando penetrou na sala das audiências, nos deixou a todos indignados; e a mim especialmente, que tenho por norma tratar com respeito todos os acusados, ainda que seja o mais temível e ignóbil dos meliantes.
Tenho afirmado e reafirmado que os acusados, sob a custódia do Estado, têm que ser tratados como gente, com respeito, com dignidade, ainda que aos olhos da sociedade não faço por merecer.
A indignação que me tomou de assalto – a mim e a tantas quantos estavam presentes na sala de audiências – foi ter visto o acusado banhado – literalmente, banhado – de suor, como se tivesse sido alvo de um jato de água. A roupa do acusado, senhor Delegado, de tão encharcada, parecia de saído, naquele momento, de uma lavanderia. O cabelo do acusado, da mesma forma, se mostrava como que tivesse deixado o banho naquele instante.
Ao vê-lo naquela situação, fiquei indignado, e indignado – mas educadamente – , indaguei do agente policial porque o acusado estava ensopado daquele jeito, ao que me respondeu que era suor, pois na gaiola da viatura não tinha ar condicionado.
Olha, senhor Delegado, eu tenho vinte anos de militância na área criminal – quer como juiz, quer como promotor de justiça -, recebendo, quase todos os dias, pela manhã e pela tarde, acusados presos para audiências. Nunca, em tempo algum, assisti a uma cena tão repugnante.
Na minha avaliação – sem provas, mas por experiência – colocaram o acusado muito cedo na gaiola da viatura, quiçá ainda pela manhã, e saíram para realizar outras tarefas, para, só depois, trazê-lo à sala de audiências. Só esse fato justifica as condições em que ele me foi apresentado. A outra hipótese é que esteja o acusado com algum distúrbio que o faço destilar água daquela forma.
Devo dizer que o tratamento que foi dispensado ao acusado em comento é desumano – a menos que se me provem que estava ele acometido de alguma patologia desconhecida que o fizesse suar daquela forma. Causa-me revolta assistir esse tipo de conduta dos agentes do Estado. Nós não somos pagos para isso! A sociedade não espera de nós esse tipo de comportamento! Se o acusado estava acometido de algum mal que o fizesse suar daquela forma, ainda assim não restará minimizado o descaso com que foi tratado, pois que, nessa hipótese, deveria ter sido submetido a tratamento médico.
Não bastasse os acusados receberem, nas celas das delegacias – fétidas e repugnantes – , tratamento desumano, sem o mais elementar conforto, vejo, agora, tratados, sob meus olhos, como uma excrescência humana.
Esse quadro, de tão repugnante, não pode mais se repetir.
Tenho procurado, ao longo da minha vida profissional, me relacionar, cortes e educadamente, com todos os agentes do serviço de segurança. Mas, acredite, vou agir com rigor, sem parcimônia, se caso semelhante se repetir.
Todos que trabalham nesta vara – e os agentes policiais podem confirmar o que digo – são tratados com o maior respeito. Não admito que se trate mal o pior dos meliantes. É por que isso que, devo reafirmar, não vou mais suportar esse tipo de “tortura” que se infligiu ao acusado DANIEL LIMA SOARES – nem a ele nem a ninguém.
Com as colocações supra, fico no aguardo de que tais fatos não se repitam.
O réu, só porque responde a processo-crime, não deixou de ser gente. Eu exijo, até onde vai a minha competência, que todos os acusados sejam tratados com respeito e decência.
Vou encaminhar cópia deste ofício aos representantes do Ministério Público com atribuição junto a esta vara, no aguardo de que alguma providência seja adotada – pelo menos para esclarecer o que aconteceu com o acusado DANIEL LIMA SOARES.
Cordialmente, 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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