Direito concreto

Os excertos abaixo foram capturados no voto que apresentei, em face de uma apelação criminal que adiante  identifico.

“[…]O recorrente, ainda em sede preliminar, alega a existência de nulidade dos laudos periciais carreados aos autos, vez que não demonstram a materialidade delitiva, nem tampouco ligam o apelante ao crime, além do que são ilegíveis, e não possuem um “histórico” à luz do relato da vítima, dos fatos ocorridos.

Do que vejo das fls. 17, 19 e 21, os exames de corpo de delito em questão foram realizados por dois peritos nomeados, os quais, como se vê, são graduados na área médica, com especialidade, inclusive, em medicina legal e obstetrícia.

É de ver-se, portanto, que a prova pericial está em consonância com os parâmetros legais, eis que produzida por profissionais com habilitação técnica e compromissados para o exame, ex vi do art. 159, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal[1].

Desse modo, não entrevejo qualquer vício ou ilegalidade na feitura do laudo durante a fase investigatória, nos termos em que alega o recorrente, de modo que não merece qualquer acolhida a eiva suscitada, sobretudo ao considerar que não houve demonstração de efetivo prejuízo[…]”

A seguir, o voto por inteiro

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 12 de abril de 2012.

Nº Único: 0003482-54.2010.8.10.0000

Apelação Criminal Nº 003482/2010 – Timbiras(MA)

Apelante : Paulo Roberto Lopes de Almeida
Advogado : Bento Maia Ribeiro
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 217-A, do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº

 

Ementa. Penal e processual penal. Estupro de vulnerável. Preliminares de nulidade do feito. Ausência de representação. Inocorrência. Invalidade do Laudo Pericial. Não constatação. Pleito de absolvição. Alegação de fragilidade do acervo probatório. Inviabilidade. Autoria e materialidade suficientemente demonstradas. Vítimas diversas. Continuidade delitiva. Possibilidade. Apelo parcialmente provido.

1. Tratando-se de crime cometido com violência real, a ação penal pública é incondicionada, sendo prescindível, portanto, a representação da parte ofendida.

2. Se o laudo pericial está em consonância com os parâmetros legais, eis que produzida por profissionais com habilitação técnica e compromissados para o exame, não há que se falar em nulidade da referida prova. Inteligência do art. 159, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal.

3. Nos crimes contra a liberdade sexual, praticados, geralmente, em circunstâncias furtivas, a palavra da vítima ganha especial relevo como vetor probante, desde que harmonizada com os demais elementos de prova coligidos nos autos.

4. Considerando que as condutas do apelante se reunem em um único preceito legal – art. 217-A, do Código Penal – ante a condensação dos crimes de atentado violento ao pudor, ainda que haja multiplicidade de vítimas, a atuação delitiva em igualdade de condições e unidade de desígnios caracteriza a sua forma continuada.

5. Apelo conhecido e parcialmente provido, apenas para considerar a forma continuada específica de crimes em substituição ao concurso material.

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Segunda Câmara Criminal, por unanimidade, em rejeitar a preliminar de nulidade, e, contra o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em dar parcial provimento ao recurso interposto, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José Luiz Oliveira de Almeida (Presidente), Raimundo Nonato de Souza e José Bernardo Silva Rodrigues. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Regina Maria da Costa Leite.

São Luís, 12 de abril de 2012.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

PRESIDENTE/RELATOR


Apelação Criminal Nº 003482/2010 – Timbiras(MA)

 

RelatórioO Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de Paulo Roberto Lopes de Almeida, contra sentença oriunda da Vara Única da Comarca de Timbiras, que o condenou por incidência comportamental no art. 217-A, do CPB, à pena de 24 (vinte e quatro) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.

Da inicial acusatória, extraio o seguinte fragmento, in litteris:

“[…]

O incluso inquérito policial sumaria que, no dia 06/06/2008, por volta das três horas e meia, na Rua Irmã Matilde, nesta Cidade, casa de Oziel Monteiro Araújo e Márcia Conceição Silva, as filhas destes, Mayara da Silva Feitosa, oito anos de idade, Nayara da Silva Araújo, um ano e meio, e Nayelle da Silva Araújo, cinco anos, foram violentadas sexualmente, conforme precisam os laudos de exame de corpo de delito de fls. 12/18.

As informações coligidas evidenciam que o criminoso – que se encontrava temporariamente na casa de uma vizinha da família- se aproveitou da ausência dos pais das crianças, que foram pescar para ingressar no imóvel (arrombando para isso a janela) e perpetrar os delitos.

Segundo ele mesmo disse em seu interrogatório, pegou a criança maior (Mayara), arrancou-lhe as vestimentas e, como gritasse, tapou-lhe a boca para, usando ainda de ameaça como meio de manter-lhe o silêncio. Em seguida obrigou a criança a lhe masturbar, colocou o pênis em sua boca e finalmente a a estuprou. Depois de consumar o delito na pessoa de Mayara, apoderou-se da criança de cinco anos (Nayelli) e, abusando sexualmente dela, introduziu o dedo em sua vagina, fazendo o mesmo, em seguida, com Nayara. Esta, aliás, de menos de dois anos, teve o hímem rompido.

[…]”

A denúncia foi instruída com os autos do inquérito policial nº 011/2008 – DPT, notadamente, com os exames periciais de fls. 17, 19 e 21, e a representação criminal de fls. 22.

Recebimento da denúncia, às fls. 55.

O acusado foi regularmente citado (fls. 71), qualificado e interrogado, às fls. 67/68.

No curso da instrução, foram inquiridas as testemunhas Márcia Conceição da Silva (fls. 101/102), Sebastião Cavalcante dos Reis (fls. 103/104), Roseane Alves Pereira (fls. 105) e Agostinho Rodrigues dos Santos (fls. 119), arroladas pelo Ministério Público, além de Jesuslene da Silva dos Santos (fls. 120) e Maria das Graças Silva Melo (fls. 121), estas últimas apresentadas pela defesa.

Em seguida, o réu foi novamente qualificado e interrogado, ocasião em negou a autoria delitiva (fls. 122/123).

Atendendo ao requerimento ministerial de fls. 118, foram ouvidas, ainda, as testemunhas Maria Raimunda Teixeira (fls. 152) e Oziel Monteiro Araújo (fls. 153/154).

Em suas alegações finais, o Ministério Público, com esteio nas provas produzidas nos autos, requereu a condenação do apelante, nos termos da denúncia.

A defesa, nesta mesma fase processual, às fls. 167/175, postulou, preliminarmente, pela nulidade do processo, e, no mérito, a absolvição do apelante, por insuficiência de provas.

Sobreveio a sentença de fls. 180/193, na qual o juízo de base condenou o apelante por incidência comportamental no art. 217-A, do CPB, à pena de 08 (oito) anos de reclusão, para cada vítima, totalizando, portanto, 24 (vinte e quatro) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.

Contra essa decisão, a defesa de Paulo Roberto Lopes de Almeida, interpôs o presente recurso, às fls. 195, cujas razões inclusas às fls. 196/207, reiterando, em essência, os mesmos argumentos já apresentados nas alegações finais.

Em suas contrarrazões recursais às fls. 208/211, o Ministério Público de base manifestou-se pela rejeição das preliminares suscitadas, e, no mérito, seja reformada a decisão para aplicar, na espécie, crime continuado.

A Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra da Procuradora Regina Maria da Costa Leite, opinou, às fls. 221/239, pelo conhecimento e improvimento do apelo, a fim de que seja mantida a sentença, em todos os seus termos.

É o relatório.

Voto O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso de apelação sob análise, dele conheço.

Dos autos se infere que Paulo Roberto Lopes de Almeida foi denunciado pelo Ministério Público Estadual, por incidência comportamental nos arts. 213 e 214, c/c art. 69, todos do Código Penal, em razão de, no dia 06/06/2008, ter violentado, sexualmente, as crianças Mayara da Silva Feitosa, Nayara da Silva Araújo e Nayelle da Silva Araújo, no local onde residiam, aproveitando-se da ausência dos seus responsáveis.

Após analisar o quadro probatório, a MMª. Juíza de Direito da Comarca de Timbiras/MA entendeu devesse condenar o denunciado, pela infração contida no art. 217-A, c/c art. 69, ambos do Código Penal, fixando-lhe, finalmente, uma pena de 24 (vinte e quatro) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado.

Irresignado, o sentenciado, por meio do seu procurador, apelou da decisão, com fulcro, em essência, no seguinte:

I – preliminarmente, que o processo é nulo, vez que não consta dos autos “a devida representação da parte ofendida ou seus representantes legais”;

II – preliminarmente, ainda, alega que as provas periciais carreadas aos autos são inválidas, tendo em vista que são ilegíveis, não possuem histórico, e não estabelecem nexo causal entre o apelante e os crimes que lhe são imputados;

III – no mérito, que as provas são insuficientes a amparar um édito condenatório; e

IV – finalmente, que a magistrada sentenciante, ao dosar a reprimenda, fez retroagir lei posterior ao fato atribuído ao recorrente, e “analisou os atos de um único crime como de concurso formal e somou erradamente por três, considerando as vítimas”, quando, em verdade, ao reconhecer a procedência do pedido inicial, deveria ter considerado o cometimento apenas do crime de estupro, estatuído no revogado art. 213, do Código Penal, cuja pena mínima seria de 06 (seis) anos, e não de 08 (oito) anos, tal como aplicado.

Requer, à luz desses argumentos, seja dado provimento ao recurso, para, acolhidas as preliminares arguidas, anular os autos do processo-crime, ou, no mérito, a reforma da sentença, a fim de que seja declarada a sua absolvição, ou, ainda, “que a lei retroaja para beneficiar o réu reconhecendo tratar-se de crime continuado e com pena mínima de 6 (seis) anos de reclusão” (sic), ou, finalmente, “que seja reconhecido por esta Corte que a menor NAELLY DA SILVA ARAÚJO, não foi vítima de estupro, conforme constatado nos autos” (sic).

1. Preliminar de nulidade: da ausência de representação

A primeira questão preliminar suscitada pelo recorrente, diz respeito ao fato de que, no seu entender, não se constata, do bojo dos autos, representação das ofendidas ou dos seus representantes legais, peça essencial para a deflagração da ação penal, “considerando tratar-se de crime de ação privada, conforme se insere da legislação processual em vigor” (sic – fls. 197).

Do compulsar dos autos, tenho como descabida tal pretensão. A uma, porque, tratando-se de crime cometido com violência real, é lição comezinha que a ação penal pública é incondicionada, de modo que prescinde de representação da parte ofendida. Nesse sentido, a súmula 608, da Excelsa Corte:

No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

Ademais disso, ainda que assim não fosse, é de ver-se que, às fls. 22, consta a aludida representação criminal, formulada pela mãe e tia das ofendidas, na qual indica o apelante como agressor destas.

Assim sendo, não há que se falar em nulidade do feito, como pretende o recorrente, pela ausência de representação das ofendidas ou dos seus responsáveis, razão pela qual rejeito a preliminar em exame.

2. Preliminar de nulidade: invalidade dos laudos periciais

O recorrente, ainda em sede preliminar, alega a existência de nulidade dos laudos periciais carreados aos autos, vez que não demonstram a materialidade delitiva, nem tampouco ligam o apelante ao crime, além do que são ilegíveis, e não possuem um “histórico” à luz do relato da vítima, dos fatos ocorridos.

Do que vejo das fls. 17, 19 e 21, os exames de corpo de delito em questão foram realizados por dois peritos nomeados, os quais, como se vê, são graduados na área médica, com especialidade, inclusive, em medicina legal e obstetrícia.

É de ver-se, portanto, que a prova pericial está em consonância com os parâmetros legais, eis que produzida por profissionais com habilitação técnica e compromissados para o exame, ex vi do art. 159, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal[1].

Desse modo, não entrevejo qualquer vício ou ilegalidade na feitura do laudo durante a fase investigatória, nos termos em que alega o recorrente, de modo que não merece qualquer acolhida a eiva suscitada, sobretudo ao considerar que não houve demonstração de efetivo prejuízo.

A esse respeito, merece destaque o parecer ministerial de segundo grau, o qual, às fls. 228/229, asseverou:

“[…]

No que diz respeito à segunda preliminar de nulidade, referente exames de corpo de delito e de conjunção carnal, reputa não merecer acolhimento, tendo em vista que restou plenamente demonstrada a validade dos mesmos, eis que estão assinados por 02 (dois) peritos oficiais e capacitados para tal, quais sejam, os Médicos DR. CLÁUDIO FERREIRA PAZ e DR. HUMBERTO CARLOS VALE FEITOSA, que procederam os exames periciais nas vítimas MAYRA DA SILVA FEITOSA (08 anos), NAYELLE SILVA ARAÚJO (05 anos) e NAYARA DA SILVA ARAÚJO (01 ano), conforme documentos de fls. 17, 19 e 21, que são plenamente legíveis e hábeis de comprovar a materialidade delitiva.

Ainda em questão de preliminares, não merece guarida a alegação de que a não realização do exame pericial de vestígios de material biológico e genético nas roupas das vítimas e do acusado trouxe prejuízos à defesa, pois a ausência de tal perícia não resultou em qualquer prejuízo real e manifesto. […]”

No caso em análise, portanto, não há que se falar em invalidade da prova pericial, de modo que é incabível a preliminar suscitada.

3. Absolvição por insuficiência de provas

Superada a liminar, passamos ao pleito absolutório, o qual, desde logo adianto, entendo ser inviável, como passarei a expor.

Nesse panorama, tenho que a materialidade delitiva restou devidamente comprovada, à luz dos exames de corpo de delito de fls. 17, 19 e 21, os quais atestam a violência sexual praticada contra as crianças Nayelle da Silva Araújo, de cinco anos de idade, Nayara da Silva Araújo, de um ano e meio, e Mayra da Silva Feitosa, com oito anos de idade, manuscrito nos seguintes termos, respectivamente:

I – “[…] presença de ferida contusa com 2 cm perianal, edema e equimose anal, hímem íntegro, secreção serossanguilolenta no ânus […]”;

II – “[…] presença ferida contusa grave na região vaginal com lesão himenal às 6:00 horas, lesão dos músculos, mucosa vaginal e perianal com grande quantidade de sangue, encaminhada para cirurgia. […]”; e

III – “[…] presença de ferida contusa na vagina com áreas de equimose, lesão de pequenos e grandes lábios vulvar direita, lesão himenal, lesão dos músculos vaginais, equimose anal, encaminhada para cirurgia […]”.

Quanto à autoria, compreendo que esta também encontra respaldo nas provas produzidas nos autos, em especial nos depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação, que, conquanto não tenham presenciado a agressão sofrida, fornecem elementos que levam à conclusão de ser o apelante o autor dos delitos.

Cediço que, nos crimes contra a liberdade sexual, a definição da autoria delitiva é tarefa de difícil desenvolvimento, tendo em mira que a conduta delituosa, geralmente, é praticada em circunstâncias furtivas e às escondidas.

Pois bem.

Nesse contexto, importa destacar o depoimento da mãe e tia das vítimas, que, ao confirmar as declarações prestadas em sede administrativa, asseverou: (fls. 101/102).

“[…] que é mãe de Nayele (cinco anos) e Nayara (um ano e meio) e é tia de Mayra (oito) anos; que o companheiro da depoente sai de casa para pescar por volta das doze horas do dia anterior, tendo retornado à residência por volta das três horas, do dia 06/06/08, em visível estado de embriaguez alcoólica, passando então a iniciar uma discussão ente ele e depoente, que motivou a acordar as crianças; que naquela madrugada, depois da discussão o companheiro da depoente, Oziel Monteiro Araújo saiu novamente de casa, depois de empurrar a depoente, razão pela qual a depoente saiu de casa à sua procura, ficando as três crianças sozinhas; […] que depoente passou aproximadamente dez minutos fora de casa à procura do companheiro, porém quando retornou observou que a janela de casa estava arrombada e as crianças acordadas, sendo que Nayele informou à depoente que um homem havia entrado na casa; que a depoente não acreditou, porque essa filha costumava brincar dessa maneira; logo em seguida a Nayele disse para a depoente “Olha aí mãe o que ele fez”, tendo então a depoente observado intenso sangramento que descia da vagina aos pés dessa criança; que as três crianças estava chorando nesse momento; que a depoente ficou abalada emocionalmente, parecia que havia desabado, que suas pernas não estavam no chão; […] que uma das crianças, a mais nova, estava deitada na cama, chorando, sem forças; que as crianças contaram com detalhes a ação criminosa, informando que o homem que entrou na casa estava usando uma boneta, escondendo parcialmente o rosto, e usava camisa verde ou branca, em face das contradições das crianças; a depoente soube também que o homem revirou a cômoda de roupas a procura de dinheiro; que o agressor se dirigiu primeiramente à Mayra (oito anos de idade) a colocou de cabeça para baixo e introduziu o pênis em seu ânus, na vagina e na boca; em seguida o mesmo agressor se dirigiu a Nayele (cinco anos), colocou a mão em sua boca para que não gritasse, a ameaçou com um facão e introduziu seu pênis no ânus dela; que o agressor ainda se dirigiu à criança Nayara (um ano e seis meses) e introduziu seus dois dedos em sua vagina; que o agressor após esses atos violentos saiu da casa das vítimas; […] que a depoente se recorda que ao se dirigir para a casa da sogra de motocicleta, avistou um rapaz moreno, com boneta, no meio do mato, que se escondeu, próximo ao quintal do Sr. Conhecido como Toiota; que foi a única pessoa que a depoente viu naquele percurso; que a depoente não conhecia o acusado Paulo, mas já o tinha visto pelas ruas; que na Delegacia em Codó a depoente reconheceu Paulo como sendo o mesmo homem escondido naquela madrugada; […] que Paulo, naquela madrugada, estava passando uns dias na casa de dona Raimunda, aproximadamente cem metros distantes da casa da depoente; que Paulo se encontrava nessa casa quando foi levado para ser entregue aos policiais; […] (sic)

(sem destaques no original)

O genitor de duas das vítimas, e tio de uma delas, Oziel Monteiro Araújo, em juízo (fls. 153/154)), corrobora os fatos narrados acima, de cujo depoimento trago à lume os seguintes excertos, verbis:

“[…] que por volta de três horas da manhã quando chegou em casa sua mulher informou que tinham estuprado suas filhas; que quando chegou em casa viu suas filhas sangrando; que um estranho lhe falou que tinha visto Paulo Roberto nas redondezas; que foi até a casa onde Paulo Roberto estava e o chamou, tendo este atendido de pronto; que Paulo Roberto estava acordado e atendeu logo; que logo que chegou perguntou a Paulo Roberto onde ele estava e o mesmo disse que tinha acabado de chegar do trabalho; que perguntou para Paulo Roberto a respeito de suas roupas e o mesmo disse que tinha chegado com aquelas roupas que estava vestindo; que em seguida perguntou para a dona da casa se era verdade, tendo a mesma respondido a mesma que não, pois as roupas que ele tinha usado estavam no banheiro e que Paulo Roberto tinha lavado as mesmas, pois estavam molhadas; […] que a minha filha de cinco anos me disse “que quem fez aquilo com ela foi Paulo Roberto”; que o declarante disse ainda que a sobrinha de oito anos disse que reconhece o autor do fato; […] que a dona da casa Sra. Raimunda falou ao declarante que Paulo Roberto havia chegado minutos antes e passado direto para o banheiro; […]” (sic)

(sem destaques no original)

Interessa destacar, ainda, os depoimentos de Sebastião Cavalcante dos Reis (fls. 103/104), e Roseana Alves Pereira (fls. 105), tendo em vista os detalhes dos crimes, que, segundo estes, foram fornecidos pelo próprio apelante. Confira-se, respectivamente:

“[…] que ainda na delegacia desta cidadã, por volta das oito horas da manhã o depoente durante conversa com o acusado, ouviu quando mesmo confessou a autoria do crime, relatando seus detalhes; segundo resultados do acusado o mesmo percebeu que os pais das crianças tinha saído de casa, durante a madrugada, e não se dirigiu à casa das vítimas, entrou arrombando a janela e constatando que as mesmas estavam sozinhas iniciou as violências praticadas; que a primeira criança violentada sexualmente foi a mais velha, de oito anos de idade, tendo levado a mesma para a sala, tapou-lhe a boca para que não gritasse e em seguida introduzindo-lhe o pênis na vagina; que  o depoente não ouviu o acusado declarar que tivesse ameaçado essa criança com um facão; que em seguida o acusado foi buscar a segunda criança, de cinco anos de idade, sendo que nessa o acusado introduziu o próprio dedo na vagina dela; que o acusado declarou para o depoente que nada fez contra a terceira criança, de um ano e meio de idade; que essa confissão foi atingida sem qualquer coação ou lesão à integridade física do acusado; que o depoente ainda procedeu a uma revista no corpo do acusado, com o propósito de encontrar vestígios do crime, constatando então que a cueca dele encontrava-se molhada e suja de sangue; […] (sic)

(sem destaques no original)

Roseane Alves Pereira:

“[…] que por volta das três e trinta a depoente se encontrava em casa quando foi acordada pelo fritos de uma mulher que se identificou como sendo de Márcia, bastante nervosa pedindo socorro, pois as suas filhas e uma sobrinha tinham sido estupradas; que a depoente viu então que as três crianças apresentavam sangramento, sendo que a Nayara pingava sangue da vagina; […] que a depoente viu pela televisão a confissão feita por Paulo, durante a qual detalhou a prática criminosa, relatando que ouviu o momento da discussão do casal de cima de um pé de caju, viu quando os mesmos saíram de casa deixando as crianças sozinhas e chorando, se dirigiu para aquela casa e quando viu as crianças deu vontade de praticar os crimes sexuais; que a depoente nunca ouviu qualquer comentário na vizinhança de que outra pessoa tivesse praticado esses crimes. […]” (sic)

(sem negrito no original)

O apelante, em que pese tenha confessado a autoria do crime – com riqueza de detalhes – durante a fase administrativa, a negou em juízo (fls. 122/123).

As testemunhas de defesa, por sua vez, limitam-se a atestar a boa índole do apelante, não trazendo esclarecimentos relevantes para o desate da controvérsia.

Com bases nessas premissas, é possível concluir o seguinte:

I – que, no dia do fato delituoso, durante o repouso noturno, as ofendidas estavam em sua residência, imóvel vizinho ao que se hospedava o apelante;

II – que as vítimas, crianças com idade entre um ano e meio e oito anos, estavam sozinhas, visto que seus responsáveis haviam saído;

III – que as ofendidas foram sexualmente abusadas por um homem que adentrou o recinto, arrombando a janela, aproveitando-se das circunstâncias acima, das quais tinha conhecimento;

IV – que o apelante foi o único homem visto nas proximidades do local do crime, logo após o seu cometimento; e

V – que o apelante, ao confessar a autoria do crime à autoridade policial, forneceu detalhes acerca dos fatos criminosos.

O que se observa, portanto, a par dos relatos acima transcritos, todos, a meu ver, prestados de forma clara e coerente, com sutis diferenças quanto aos acontecimentos circundantes (irrelevantes) do fato criminoso, levam à conclusão de que o apelante é, sim, o autor dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, praticados contra as crianças Mayra, Nayara e Nayelle.

In casu, portanto, a análise das provas coligidas conduz-me, inarredavelmente, à autoria delitiva atribuída ao apelante, sobretudo porque as provas orais encontram conforto nas irrefutáveis conclusões do laudo pericial.

Enfim, desde minha compreensão, o acervo probatório coligido nos autos demonstra, quantum satis, a ocorrência dos crimes e sua autoria, sendo despicienda qualquer outra prova para esse fim, o que torna inviável o pleito absolutório.

4. Da dosimetria da pena

No que pertine à resposta penal fixada em sentença, hei por bem fazer algumas ponderações.

A reprimenda, do que se constata do édito condenatório, foi fixada em 08 (oito) anos de reclusão, patamar mínimo previsto no atual art. 213, do Código Penal, que, em razão do número de vítimas – três –, foi triplicado, alcançando o quantum de 24 (vinte e quatro) anos de reclusão.

Os crimes praticados – estupro e atentado violento ao pudor – contra as três vítimas, fazem incidir, considerada a época em que ocorreram, dois preceitos legais, na redação anterior à vigência da Lei nº 12.015/09[2].

Atualmente, é sabido que a configuração do crime de estupro reúne em sua previsão típica, tanto a conjunção carnal propriamente dita, como os atos libidinosos diversos. Significa que:

A configuração do tipo estupro de vulnerável prescinde da elementar violência de fato ou presumida, bastando que o agente mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de catorze anos, como se vê da redação do art. 217-A, nos termos da Lei n.º 12.015/2009.[3]

É dizer, em termos claros: a caracterização do crime de estupro – isto é ressabido desde a reforma operada no CPB, pela Lei nº 12.015/2009 -, independe da efetiva penetração do pênis na vagina, podendo se caracterizar, até mesmo, através de atos concupiscentes que sequer deixam vestígios.

A redação do preceito já nos fornece, claramente, tais elementares típicas:

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

De forma esclarecedora, preleciona, com precisão, Cezar Roberto Bitencourt[4]:

A segunda conduta tipificada consiste em o agente (homem ou mulher) praticar outro ato libidinoso com menor de quatorze anos (sexo masculino ou feminino), indistintamente. Nessa hipótese, o sujeito ativo pratica (executa, realiza, exercita) com a vítima (masculina ou feminina), incapaz de consentir, na ótica estrita do texto legal, ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Essa modalidade de conduta, a exemplo da primeira (ter conjunção carnal), admite, homem com homem e mulher com mulher, sem nenhuma dificuldade lingüístico-dogmática. Em outros termos, a mulher pode ser sujeito ativo do crime de estupro de vulnerável, tendo como vítima menor, tanto do sexo masculino quanto feminino.

Nesse passo, infligir ao apelante apenas a novel legislação (art. 217 – A, do Codex Penal), pelas condutas praticadas contra as três vítimas, que anteriormente se desdobravam em dois dispositivos legais, com penas distintas, é, inegavelmente, situação mais favorável.

Por essa razão, agiu com acerto a magistrada de primeiro grau ao fazer retroagir, na espécie, a atual tipificação que abrange todas as condutas praticadas pelo apelante em apenas um dispositivo legal, ainda que a pena mínima prevista neste seja superior.

Noutra banda, dissinto da juíza sentenciante no que diz respeito ao cúmulo material aplicado. Explico.

É que, conforme já dito, foi aplicada uma sanção básica de 08 (oito) anos de reclusão, que, multiplicada pelo número de vítimas (total de três), resultou em 24 (vinte e quatro) anos de reclusão, ou seja, incidiu, na hipótese, concurso material de crimes, nos termos do art. 69, do Código Penal.

Contudo, a meu juízo, o caso em apreço amolda-se, com mais adequação, ao crime continuado, tendo em vista prática de várias condutas da mesma espécie – estupros e atos libidinosos –, em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, pelo apelante contra as vítimas, conforme ficou assentado linhas acima.

Certo é que, como também restou dito supra, com a nova epígrafe do delito em exame, passou-se a tipificar num mesmo tipo penal, tanto a ação de constranger qualquer pessoa – homem ou mulher – a ter conjunção carnal, quanto praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Ora, a multiplicidade de condutas perpetradas pelo recorrente deve, de rigor, repercutir na dosimetria da pena, entretanto, a meu ver, na modalidade de continuidade delitiva, e não concurso material.

Por óbvio que, em se tratando de crime doloso, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça, e consideradas as circunstâncias judiciais, em parte, desfavoráveis ao réu, tal qual sopesou a sentença de primeiro grau, a pena poderá ser aumentada até o triplo, consoante prevê o parágrafo único do art. 71, da Lei Material Penal[5].

Trata-se, em verdade, do que a doutrina denomina crime continuado específico, consistente na possibilidade de apenação mais severa quando presentes as condições acima especificadas, tal qual no caso em exame.

Nesses termos, considerando a pluralidade de vítimas, em número de três, bem como a quantidade de condutas perpetradas contra as mesmas durante a prática delitiva, compreendo que é possível o aumento máximo previsto na hipótese, qual seja, o triplo, de modo que a pena deverá permanecer em 24 (vinte e quatro) anos de reclusão.

Deve ser mantido o regime inicial fechado para o cumprimento da pena, a teor do que dispõe do art. 33, § 2º, a, do Codex Penal.

Ao lume dessas considerações, conheço do presente recurso de apelação, para, divergindo do parecer ministerial, dar-lhe parcial provimento, apenas para considerar tratar-se de hipótese de crime continuado específico, com aumento tríplice da pena-base, mantendo-se a sentença nos demais termos nela fixados.

É como voto.

Sala das Sessões da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 12 de abril de 2012.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


[1] Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.

§ 1o  Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

§ 2o  Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.

[2] Art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Parágrafo único – Se a ofendida é menor de catorze anos:

Pena – reclusão de quatro a dez anos.

Art. 214 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

[3] EDcl no AgRg no Ag 706.012/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 22/03/2010.

[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 6. ed. Saraiva, 2011, p. 939.

[5] Art. 71 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Parágrafo único – Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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