Sobre magistrados, cães e independência

O tema é recorrente: quando as pessoas se referem ao Poder Judiciário, almejam sempre que ele seja independente, que os juízes não sejam pressionados, e que decidam com imparcialidade. Ontem mesmo, no discurso de posse do ministro Joaquim Barbosa, o tema foi ventilado.

Resta indagar: quem  é que atenta contra a independência dos juízes?

A resposta eu tenho na ponta da língua: Os próprios juízes!

Só não é independente o juiz que não quer, o que opta por ser manietado.

Quem vive de troca de benesses nunca será independente.

O problema, no entanto, é viver sem troca de favores. Isso é próprio dos homens e de suas relações. Nesse sentido, somos todos um pouco iguais.

O nó górdio, no entanto, pode não está só na troca de favores. O grave é assumir compromissos em face deles. Uns assumem; outros, não. Por isso uns são independentes; outros, não.

Por essas e por outras é que é tão difícil ser independente.

O que é salutar nas relações é ter noção dos limites; e muitos não têm essa noção. Ou têm?

O juiz tem que saber até onde ele pode se comprometer, para não perder a sua independência.

Eu, de meu lado, tenho procurado – e tenho conseguido -, sem dificuldades, ser independente. Mas reconheço que é muito difícil, no mundo em que vivemos, deixar de estabelecer relações que possam vir em detrimento da independência funcional.

E por que sou independente?

Porque quero ser independente! Porque ser independente é condição para julgar bem.

Eu só não consigo, porque não é possível, é me libertar do meu inconsciente, afinal, nessa questão somos todos rigorosamente iguais; ninguém consegue se libertar do seu inconsciente.

Todos temos a triste ilusão de que somos senhores absolutos da nossa vontade,  dos nossos desejos e instintos, o que, de rigor, não é verdade.

Cada dia nos conscientizamos mais  que os nossos desejos, os nossos gestos, o que auguramos, o que sentimos, o que lamentamos, o que choramos, o que sofremos, o que sentimos e  o que decidimos é fruto do nosso inconsciente.

A verdade é que nós não conseguimos nos libertar do nosso inconsciente.

O nosso inconsciente domina as nossas ações, daí enganar-se o magistrado que se imagina  neutro, distante, portanto,  da questão a ser apreciada, como se fosse um ser sem história, sem memória e sem desejos.

Por isso, quando julgamos, quando nos relacionamos com as pessoas, quando emitimos certas opiniões, o fazemos em função dos comandos disparados pelo nosso inconsciente.

É equivocado, portanto, pensar que o  ego é quem dá as ordens.

É preciso, todavia, tratando-se de magistrado, distinguir imparcialidade, independência e neutralidade, afinal, neutro nenhum de nós é; e nunca o será.

E por que há os dependentes e parciais?

Porque há os que aceitam ser dependentes e parciais, os que não têm a necessária compreensão da importância de ser independente.

Reafirmo: se  há magistrados que não têm independência e que, por isso, não podem ser imparciais, isso decorre de uma opção deles.

Portanto, clamar por independência dos membros do Poder Judiciário é o mesmo que agir como o cão que, ao invés de atacar quem lhe jogou a pedra, prefere mordê-la, por pura falta de discernimento e consciência.

É preciso, pois, parar com essa bobagem de independência dos magistrados, afinal, reafirmo, só não é independente quem não quer.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Sobre magistrados, cães e independência”

  1. Caro amigo Zé Luis,

    Fiquei muito feliz ao ler esse texto, pois estava me sentindo meia confusa com o discurso do Ministro Joaquim Barbosa e vc conseguiu, como sempre, deixar-me mais tranquila. Explico.
    Sou fã do Joaquim Barbosa, mas ao escutar sua fala, na parte que falou da necessidade do juiz ser independente fiquei confusa, pois parecia um apelo dirigido a terceiros e eu, como vc, penso que é uma opção do magistrado, não algo que está a depender dos demais poderes ou da imprensa, por exemplo.
    Para mim isso é básico, óbvio e deliberado.
    Noutro dia um advogado me perguntou: Doutora a senhora não tem receio de ir para uma vara cível? E eu, candidamente, perguntei sem entender bem: Porque? E ele: é muita pressão, pedidos, interesses e ainda tem o CNJ.E eu ainda mais confusa e perplexa: Doutor, sinceramente não sei o que o senhor está falando, pois na minha carreira como magistrada já julguei muito processo dessa área e nunca senti nada disso. Pressão? Não acredito que ninguém que me conheça possa pensar em usar comigo. Pedidos? Só se estiver nos termos da lei e do meu entendimento. Interesses? Só os das partes, que para elas são legítimos, mas eu não os tenho. Tenho posição, compromisso com a Justiça e só. Posso até errar no ato de julgar – e com certeza já errei muitas vezes -, mas nunca para atender interesses, mas porque sou falível. CNJ? Não temo. Já que parece que o temor desse órgão tem mais a ver com a preocupação em ceder às pressões, aos pedidos e aos interesses. No mais, é seguir em frente, de cabeça erguida, não valorizando coisas outras que não merecem maior valorização, etc, etc.
    Enfim, concordo em gênero, número e grau com vc. Parabéns, mais uma vez.
    Da amiga e admiradora
    Sônia Amaral

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