O ideal seria que os indivíduos, ao decidirem-se pelo sacrifício de uma parcela de sua liberdade em favor do Estado – cf. Rousseau -, recebessem desse mesmo Estado, em contrapartida, respostas, prontas e eficazes, para as suas necessidades básicas. Esse mesmo Estado deveria, nessa perspectiva, agir, ademais, com o necessário desvelo, no sentido de punir os que desrespeitam as normas do bom convívio, os que fazem mau uso das verbas públicas, desviadas, sem pejo e sem receio, para atender às suas necessidades privadas, em detrimento dos que, com sacrifício, recolhem os seus impostos e que vivem a depender das ações do Estado.
Infelizmente, o Estado não responde às nossas necessidades. Tudo é carência e infortúnio. Sempre que se precisa do Estado ele falha. Quem pode recorrer aos serviços privados vai se safando como pode. Os carentes, inobstante, carregam uma cruz pesada, que se torna muito mais pesada quando se sabe que, não fossem os desvios dos recursos públicos, muito poderia ser feito em benefício das pessoas mais necessitadas.
A verdade é que, abrindo mão de parcela da nossa liberdade em favor do bem comum – sempre à luz das teorias contratuais – nós, cidadãos de bem, sentimo-nos desamparados e desassistidos pelo Estado; Estado que tem servido, nas suas mais diferentes esferas de poder, apenas para saciar a sede, a ambição desmedida de uns poucos aproveitadores que do poder fazem uso, sem acanhamento e às escâncaras, apenas objetivando a defesa dos seus interesses pessoais, em detrimento de parcela significativa da sociedade, que, descrente, vê o Estado negar-lhes até os serviços primários como educação e saúde, exatamente em face da volúpia com que os malfeitores se apropriam das verbas públicas.
Em reflexões dessa jaez, coloco em destaque, sempre, a dignidade da pessoa humana, como valor-guia de toda e qualquer ação estatal, razão pela qual tenho reafirmado, na esteira de Luis Roberto Barroso, que todo sofrimento inútil e indesejável viola a dignidade da pessoa humana.
Quando assisto – aqui na nossa província, onde os homens públicos parecem ser diferentes dos seus congêneres, pois, como regra, só defendem mesmo os seus interesses – imagens dos hospitais de pronto atendimento, fico com um gostinho de revolta na garganta, por testemunhar, impotente, o vilipêndio, a afronta, o desrespeito à dignidade da pessoa humana, à vista de todos, sem que se vislumbre uma solução, e sem que se entreveja sequer que possam ser punidos os que, no poder, contribuíram para esse quadro repugnante e revoltante.
É preciso repetir, com Kant, o que parece não perceber a nossa elite dirigente, que as coisas têm preço e que os homens têm dignidade.
Guilherme de Souza Nucci, a propósito, ensina que, em face da primazia da dignidade da pessoa humana no âmbito da arquitetura constitucional, ” nada se pode tecer de justo e realisticamente isonômico que passe ao largo da dignidade da pessoa, base sobre a qual todos os direitos e garantias individuais são erguidos e sustentados ( Manual de Direito Penal, Parte Geral e Especial, p.84, 7ª Edição)
O desrespeito à dignidade da pessoa humana é, sim, desde a minha compreensão, uma forma de violência, sabido que violentas não só as ações que agridem a integridade física das pessoas; qualquer ação da qual resulta na violação psíquica do indivíduo é uma forma de violência, que vai além da violência física, porque profana a dignidade da pessoa, da forma mais deletéria, porque atinge a própria alma.
O que nos distingue dos outros animais é que somos racionais, daí que toda ação que nos reduza à condição de objeto é uma ação violenta, do que se infere o equívoco de pensar-se que violenta é somente a ação que agrida a integridade física.