Tenho dito – e vou repetir – que não se faz cortesia com o direito alheio. Não se pode brincar de fazer justiça. Se Ministério Público não foi capaz de provar o que alegou, que, então, suporte o desfecho absolutório. É o mínimo que se espera de o juiz garantista, num sistema da mesma forma garantista. Juiz José Luiz Oliveira de Almeida Titular da 7ª Vara Criminal
Cuida-se de sentença absolutória, em face da inexistência de provas suficientes de que o acusado tenha sido o autor do crime.
Antecipo, a seguir, excertos relevantes da decisão.
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- Não se condena por condenar, não se decide com espeque em suposições, em conjecturas. Condenação exige prova plena, escorreita, induvidosa – do fato e da autoria – na dúvida, em relação a esta ou em relação àquele, tem aplicação, às inteiras, o brocardo in dúbio pro reo.
- O acusado cometeu o crime? Pode ser que sim, pode ser que não.
- Todas as vezes que, ao término do exame das provas, o espírito de quem julga for assaltado por dúvidas, por incerteza, o caminho a ser trilhado é, sempre, o que conduz a absolvição.
- O fato, não se tem dúvidas, ocorreu, efetivamente. Todavia, convenhamos, a prova da autoria não é inquestionável.
- Nem mesmo os policiais que prenderam o acusado – os quais, muitas vezes, são implacáveis nessas questões – foram capazes de afirmar, com convicção, tenha sido o acusado o autor do crime. Melhor dizendo: não tiveram dúvidas de que não tinha sido ele o autor do crime.
Agora, a decisão por inteiro.
Processo nº 69422003
Ação Penal Pública
Acusado: M. O. da C.
Vítima: L. P. A.
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra M. O. da C., brasileiro, solteiro, garçom, filho de A. O. da C. e N. S. de O., residente e domiciliado à Rua São Luis, nº 03, Vila Isabel/Bacanga, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 157, c/c artigo 14, II, ambos do Digesto Penal, em face de, no dia 17 de abril de 2003, por volta das 14h50, ter assaltado, na Rua de Santana, L. P. A., mediante violência, de quem subtraiu um pingente, que estava em um cordão, no seu pescoço.
A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado. (fls.06/08)
Recebimento da denúncia às fls. 28.
O acusado foi qualificado e interrogado ás fls. 31/32.
Defesa prévia às fls. 40.
Durante a instrução criminal foram ouvidas a vítima ( L. P. A.) (fls. 61) e as testemunhas C. A. M. P. (fls.62), A. C. M. F. (fls. 63) e F. de P. B.. (fls.102)
O Ministério Público nada requereu na fase de diligências (fls.112v.), bem assim a defesa. (fls. 125)
Na fase das alegações finais, o Ministério Público pediu a condenação do acusado, nos termos da denúncia.(fls.127/129)
A defesa, de sua parte, pediu a absolvição do acusado, alegando que o mesmo não teve qualquer participação na execução do crime.(fls100/158)
Relatados. Decido.
01. O Estado, por seu órgão oficial, denunciou M. O. C., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157, caput, c/c artigo 14, II, ambos do CP, em face de, no dia 17 de abril de 2003, por volta das 14h30, no centro da cidade, na Rua de Santana, ter tentado subtrair um cordão e um pingente de L. P. A., fato que não se consumou em face da mobilização de populares, que lograram prender o acusado,
02. Com a prática do ato criminoso, o dever de punir do Estado sai de sua abstração hipotética e potencial para buscar existência concreta e efetiva.
02.01. A aparição do delito por obra de um ser humano torna imperativa sua persecução por parte da sociedade, “a fim de ser submetido o delinqüente à pena que tenha sido prevista em lei” (José Frederico Marques, in Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, 1997, fls. 127)
03. A par dos distintos momentos da persecução, passo ao exame do quadro de provas emolduradas nos autos sob retina
16. Pois bem, a primeira fase teve início com a prisão em flagrante do acusado. (fls. 006/08)
17. O acusado confessou a autoria do crime, dizendo que puxou com violência o cordão da vítima, mas que só conseguiu ficar com o pingente. (fls.07)
18. O acusado disse, ademais, que foi preso e espancado por populares e que engoliu o pingente subtraído. (ibidem)
19. A ofendida foi ouvida na mesma sede, tendo confirmado a ocorrência do crime, informando que o autor do fato “avançou no seu pescoço, arrancando-lhe uma corrente de ouro, que do puxou ficou pendurada na sua blusa” (fls. 15)
20. A ofendida aduziu que o autor do fato segurou a sua medalha e saiu em disparada, momento em que passou a gritar dizendo que tinha sido assaltada, daí que alguns transeuntes saíram em perseguição do mesmo, logrando alcançá-lo e prendê-lo. (ibidem)
21. Com esses dados coligidos, encerrou-se a fase preambular da persecução criminal.
22. O Ministério Público, de posse do caderno administrativo, ofertou denúncia contra M. O. C., por incidência comportamental no artigo 157, caput, c/c artigo 14, II, do Digesto Penal.
23. O acusado foi citado, qualificado e interrogado.
24. O acusado, por ocasião do seu interrogatório, negou a autoria do crime, dizendo que foi confundido com o autor do fato, tendo sido, por isso, preso por populares.(fls.31/33)
25. O acusado disse, ademais, que viu quando uma pessoa passou correndo, o provável autor do fato criminoso. (ibidem)
26. Em seguida, foi ouvida a ofendida, a qual, depois de narrar o fato criminoso, disse que não ter certeza de ser o acusado o autor do crime. (fls.61)
27. O acusado, mais adiante, disse que o acusado está muito diferente da pessoa que foi preso, em que pese o formato do rosto e a estatura serem muito parecidas com o do autor do fato. (ibidem)
28. Dando seqüência à instrução, foi ouvida a testemunha C. A. M. P. .(fls. 62)
29. Referida testemunha disse que a pessoa que foi a ele apresentada como autora do fato tinha cabelos grandes, era mais morena do que o acusado e usava barba, “pelo que pode dizer que era muito diferente do acusado aqui presente“. (fls. 62)
30. A testemunha, mais adiante, disse que a única certeza que tinha era a de que “a pessoa que lhe fora apresentada como autora do fato, foi a mesma que conduziu ao Plantão da Beira Mar. (ibidem)
31. Noutro excerto a testemunha disse que “a pessoa conduzida ao Plantão da Beira-mar, foi a mesma pessoa que a vítima reconheceu com autoria do fato”. (ibidem)
32. Mais adiante o depoente disse que o autor do fato ” confessou ter engolindo o pingente da vítima” e que, na Delegacia, “tentou várias vezes vomitar para colocar o pingente para fora“.(ibidem)
33. Em seguida foi o ouvido o PM A. C. M. F., o qual, de seu lado, disse que foi um dos responsáveis pela condução da pessoa que tinha sido presa por populares, acusada da prática de um assalto. (fls.63)
34. A testemunha em comento aduziu que a pessoa que conduziu em nada se parecia com o acusado e que o autor do fato disse ter engolido o pingente da vítima. (ibidem)
35. Encerrando a instrução foi ouvida a testemunha F. de P. B. o qual disse que apenas testemunhou a apresentação do autor do fato, por ocasião de sua apresentação e lavratura do auto de prisão em flagrante.
36. Analisada a prova consolidada nos autos, passo a expender as minhas conclusões.
37. Devo dizer que, em face do titubeio do ofendido e das testemunhas acerca do reconhecimento do acusado como autor do fato, não me sinto seguro para expender uma decisão de preceito sancionatório.
37.01. E quando o espírito do julgador é tomado de dúvidas acerca da autoria e/ou da existência do crime, outro caminho não pode trilhar que não o que o conduza à absolvição do acusado.
38. O acusado, é verdade, confessou o crime em sede extrajudicial. Mas esse mesmo acusado disse que foi obrigado a confessar o crime, o que, sabe-se, não é incomum.
38.01 E, impende consignar, com a devida ênfase, enquanto se persistir, nos porões dos órgãos de segurança, na prática da tortura para alcançar confissão, as tomadas em sede extrajudicial só podem ser aproveitadas se ratificadas em sede judicial.
38.01.01. Jejuno a sede judicial de qualquer prova, mínima que seja, a emprestar conforto à confissão extrajudicial, ela não pode ser buscada para compor o acervo probatório.
38.01.02. E em sede judicial o que se viu foi a dúvida da ofendida quando instada a reconhecer o acusado, bem assim do PM C. A. M. P..
39. Lembro, a guisa de ilustração, que a ofendida, a propósito da autoria, disse, verbis:
“…que tem dúvidas se o acusado foi o autor do fato, pois que está muito diferente da pessoa que fora presa…(fls.61)
40. A testemunha C.A. M.P., de seu lado, disse, verbis:
“…que a pessoa apresentada ao depoente como autora do fato, tinha cabelos grandes, era mais morena de que o acusado e não usava barba, pelo que pode dizer que era muito diferente do acusado aqui presente…(fls.62)
42. A testemunha A. C. M. F., a seu tempo e modo, disse, verbis:
“…que a pessoa que se encontrava detida em nada se parece com o acusado aqui presente…(fls.63)
43. Creio que, diante da vacilação das testemunhas e da ofendida acerca da autoria do crime, não se pode, com efeito, expedir um decreto de preceito condenatório contra o acusado.
44. Há um detalhe que não pode ser deslembrado, ao exame da quaestio: o crime aconteceu em abril de 2003 e a prova testemunhal foi produzida em agosto do mesmo ano, do que se pode inferir que não se pode sequer dizer que, em face do tempo passado, a prova testemunhal esmaeceu.
45. Confesso que não sei o que impede a autoridade policial de formalizar o reconhecimento, ao tempo da prisão do autor do fato.
45.01. Tivesse procedido a autoridade com o devido zelo, o vacilo das testemunhas não teria o condão de arrefecer a autoria.
46. A verdade, agora, é que, de posse de provas frágeis, insubsistentes, não posso condenar.
47. Tenho dito – e vou repetir – que não se faz cortesia com o direito alheio. Não se pode brincar de fazer justiça. Se Ministério Público não foi capaz de provar o que alegou, que, então, suporte o desfecho absolutório. É o mínimo que se espera de o juiz garantista, num sistema da mesma forma garantista.
48. Não se condena por condenar, não se decide com espeque em suposições, em conjecturas. Condenação exige prova plena, escorreita, induvidosa – do fato e da autoria – na dúvida, em relação a esta ou em relação àquele, tem aplicação, às inteiras, o brocardo in dúbio pro reo.
49. O acusado cometeu o crime? Pode ser que sim, pode ser que não.
50. Todas as vezes que, ao término do exame das provas, o espírito de quem julgador for assaltado por dúvidas, por incerteza, o caminho a ser trilhado é, sempre, o que conduz a absolvição.
51. O fato, não se tem dúvidas, ocorreu, efetivamente. Todavia, convenhamos, a prova da autoria não é inquestionável.
50. Nem mesmo os policiais que prenderam o acusado – os quais, muitas vezes, são implacáveis nessas questões – foram capazes de afirmar, com convicção, tenha sido o acusado o autor do crime. Melhor dizendo: não tiveram dúvidas de que não tinha sido ele o autor do crime.
51. Prova, conceitualmente, ” é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias“. ( Norberto Avena, Processo Penal esquematizado, Editora Método, p. 372, 2009)
52. A par desse elementar conceito de provas, posso afirmar que os elementos produzidos nos autos, não foram suficientes para formar a minha convicção de que o acusado tenha sido o autor do crime.
53. A produção de provas se faz para a formação do convencimento do magistrado quanto à afirmação das partes em juízo.
53.01. Nesse sentido, posso afirmar que a afirmação do Ministério Público de que o acusado foi o autor do ilícito sob retina, alfim do exame da prova produzida, não me convence, daí o desfecho absolutório, inapelavelmente.
54. “Provar“, ensina Mirabete, ” é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato…”.( Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 18 ed. Atlas, p. 249.2007)
55. A luz desse conceito, devo reafirmar, a par da prova que foi produzida, que não alcancei formar a minha convicção de que o acusado tenha sido o autor do ilícito narrado na denúncia.
56. Convém sublinhar que, segundo o artigo 155, caput, do CPP, com redação dada pela Lei 11.690/2008, o “juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas“.
57. Da dicção do artigo suso transcrito se pode concluir, sem que seja necessário maior esforço interpretativo, que a convicção do juiz não pode decorrer apenas do exame da prova produzida em sede extrajudicial.
57.01. A prova extrajudicial tem, sim, valor probante. Todavia não pode ser examinada solitariamente, sob pena de se fazer tabula rasa do princípio do devido processo legal e seus corolários – ampla defesa e contraditório.
58. No processo sub examine só foram produzidas provas acerca da autoria, convém reafirmar, em sede extrajudicial. Na sede judicial, sede das franquias constitucionais, o processo jejuno, insipiente de provas acerca da autoria do crime.
59. Há um outro dado que não pode ser deslembrado, ao exame de questões desse jaez, que as decisões judiciais, por imperativo constitucional ( artigo 93, IX, da CF), têm que ser motivadas.
60. Da mesma forma, segundo o artigo 381, III, do Digesto de Processo Penal, a sentença deve conter “a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão“.
61. De se perquirir, à luz do exposto: como fundamentar, como motivar um édito condenatório, sem que existam provas nos autos acerca da autoria do crime?
62. “A prova da alegação“, estabelece o artigo 155, caput, 1ª parte, do CPP, com redação determinada pela Lei 11.690/2008, “incumbirá a quem a fizer(…)”
63. O Ministério Público, é bem de ver-se, ao apontar a autoria do crime para o acusado, tinha a obrigação de provar o que alegou. Não o fazendo, como efetivamente não o fez, não pode, agora, pretender a condenação do acusado.
64. O Ministério Público, in casu sub examine, descumpriu uma obrigação que tinha, derivada da lei. Deve, agora, suportar as consequencias de sua inação.
65. Tudo de essencial posto e analisado, julgo improcedente a denúncia, para, consequentemente,
Absolver o acusado M. O. da C., brasileiro, solteiro, garçon, filho de A. O. da C. e N. S. de O., residente e domiciliado á Rua São Luis, nº 03, Vila Isabel/Itaqui-Bacanga, o fazendo com espeque no inciso VII, do artigo 386, do Digesto de Processo Penal.
66. P.R.I.
67. Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se, com a baixa em nossos registros.
São Luis, 17 de março de 2009.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal