Uma das páginas mais negras da nossa história, sem dúvidas, foi a escravidão. Não é possível visitar a literatura acerca do tema sem ser tomado de uma certa revolta. Sempre que incursiono sobre a matéria fico a imaginar o quanto o homem é mau e o que ele é capaz de fazer para obter ganhos, ainda que seja em troca do sangue e da dor do semelhante.
Para que se tenha a dimensão do magnitude da escravidão, os manuais registram que, “no porão dos navios negreiros que por mais de trezentos anos cruzaram o Atlântico, desde a costa oeste da África até a costa nordeste do Brasil, mais de três milhões de africanos fizeram uma viagem sem volta cujos horrores geraram fortunas fabulosoas, ergueram impérios familiares e construiram uma nação”(Eduardo Bueno).
Anoto que os escravos a bordo dos navios negreiros eram considerados uma carga como outra qualquer. Consta, nesse sentido, que, no dia 06 de setembro de 1781, o navio inglês Zong, de Liverpool, saiu da África rumo à Jamaica com excesso de escravos a bordo. Em 29 de novembro, no meio do Atlântico, sessenta negros já haviam morrido, por doenças, falta de água e comida. Acorrentados aos pares, perna direito com perna esquerda e mão direito com mão esquerda, cada escravo tinha menos espaço do que um homem dentro de um caixão ( F.O. Shyllon). Temendo perder toda carga, ante de chegar ao destino, o capitão Luke Collingwood decidiu jogar ao mar todos os escravos doentes ou desnutridos(Laurentino).
Para punir os escravos transgressores, três instrumentos eram usados com regularidade: o chicote, o tronco e os grilhões. A quantidade de de chibatadas era tão absurda que deixava as costas ou as nádegas do escravo em carne viva. Numa época em não havia antibióticos, o risco de morte por gangrena ou infecção generalizada era grande. Por isso, banhava-se o escravo com uma mistura de sal, vinagre ou pimenta malagueta, numa tentativa de evitar infecções (Laurentino).
Cena testemunhada pelo cônsul inglês, James Henderson:
“O cavaleiro obteve autorização para que um de seus escravos figitivos fosse punido com duzentas cheibatadas. Depois que o seu nome foi chamado várias vezes, o escravo apareceu na porta da prisão, onde os negros ficam confinados de forma promíscua. Uma corda foi colocada ao redor do seu pescoço, enquanto ele era levado para junto de um grande poste erguido no meio da praça, ao redor do qual seus braços e pernas foram atados. Uma corda imobilizava seu corpo de tal maneira que tornava qualquer movimento corporal impossível. O carrasco, um negro degredado, começou a trabalhar de forma quase mecânica e a cada golpes, que parecia arrancar um pedaço de carne do escravo, ele assoviava de uma forma particular. As chibatadas foram repetidas sempre no mesmo lugar e o negro suportou as primeiras cem de forma determinada. Ao receber a primeira e a segunda chibatada, ele gritou ‘Jesus’, mas em seguida pende sua cabeça contra um dos lados do poste, sem dizer uma única sílada ou pedir clemência” (Laurentino).
Esses episódios, apanhados ao acaso da literatura pertinente, nos dá uma dimensão do sofrimento infligido ao homem (escravo) pelo próprio homem(o senhor ou interposta pessoa).
É preciso, de quando em quando, revistar a história, para que não repitamos hoje os erros do passado.