O título dessas reflexões tomo emprestado do romance do peruano Daniel Alarcón (Tradução de Rafael Mantovani, Objetiva, 2014), um dos mais envolventes romances que li no ano que se findou, considerado, nos Estados Unidos, um dos melhores de 2014.
O romance, do peruano-ianque antes nominado, é montado como um jogo, num país andino da América do Sul, cuja questão central gira em torno de um grupo de teatro experimental, o Diciembre.
Para construir a narrativa, que se passa na cadeia, mais precisamente no maior presídio do Peru, Lurigancho, o autor passou uns dias no presídio, como jornalista, observando o comportamento dos detentos. E foi exatamente da observação do comportamento dos sentenciados que nasceu o título do livro. É que o autor observou que, à noite, depois do jantar, vários presos eram levados a um pátio, onde passavam a andar em círculos, devido ao diminuto espaço físico.
É possível, sim, à luz dos fatos que inspiraram o autor, refletir, metaforicamente, em face de outras situações que testemunhamos no dia a dia, que nos fazem andar em círculos, sem sair do lugar, sem nenhuma perspectiva.
Viver uma rotina, ir todos os dias aos mesmos lugares, tomar remédios de uso contínuo, fazer as mesmas viagens por ocasião das férias, dormir e fazer refeições no mesmo horário equivalem, sim, para as mentes mais inquietas, andar em círculos.
Valho-me da metáfora para argumentar que, no caso no Poder Judiciário, a sensação que tenho, depois de quase trinta anos de lida, é que estamos vivendo a mesma realidade dos personagens citados pelo autor peruano.
É que, por mais que façamos, por mais que nos dediquemos, por mais que julguemos, temos a sensação de estar agindo como quem enxuga gelo, já que o acervo de processos aguardando julgamento apenas aumenta, deixando na sociedade a triste e perigosa sensação de que não vale a pena recorrer ao Poder Judiciário, o que, em muitos casos, tem estimulado a autodefesa.
Nesse panorama, caminhamos celeremente para os 100 milhões de processos em curso nas mais variadas instâncias, sem a perspectiva de julgamento, a tempo e hora, causando uma grave instabilidade nas relações sociais.
Diante desse quadro, caminhando em círculos, as alternativas são, definitivamente, as vias alternativas de solução dos litígios, que temos implementado no Maranhão, com os Centros de Conciliação, e, agora, a fortiori, com a enorme e alvissareira perspectiva que se abre com o novo Código de Processo Civil, que estabelece que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, e que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados,defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial, que busca valorizar, fortalecer e sistematizar, no âmbito nacional, os mecanismos de autocomposição.
Com o novo CPC, a audiência de conciliação será implementada na fase inicial da ação. Contudo, ainda que ela não seja alcançada nessa fase preambular, o juiz estará autorizado a tentar novamente um acordo durante a instrução do processo. Ademais, há previsão de instalação das câmaras de conciliação nos tribunais, com corpos especializados para essa finalidade. A conciliação, outrossim, também será pré-requisito na análise de pedidos de reintegração de posse que durarem mais de um ano e que envolvam invasões de terras e imóveis
É, definitivamente, uma enorme perspectiva que se abre. Acho que, com as soluções alternativas dos conflitos, inaugurada e implementada a cultura de conciliação, em face da hoje nefasta e sedimentada cultura da litigiosidade, imagino que, logo, logo, deixaremos de andar em círculos, que, já se sabe, não nos tem levado a lugar nenhum.
Excelente texto. Ainda bem que os novos artigos voltaram. E uma leitura tao boa.