Às vezes me pego indagando como, nos dias atuais, suportar tanta realidade, para usar uma expressão de T.S. Eliot (1888-1965), diante, sobretudo, da violência que se alastra e que faz de todos nós refens de nós mesmos.
A propósito, numa das mais recentes sessões da Câmara Criminal, fizemos, eu e meu diletos colegas, algumas reflexões acerca da violência que grassa na sociedade e em face da nossa situação de impotência diante do crime, que tirou de todos nós a nossa liberdade e o sagrado direito de ir e vir livremente, como, afinal, preconiza a nossa Constituição.
Essas reflexões vieram a propósito de alguns habeas corpus que pretendiam a liberdade de criminosos violentos – latrocidas, assaltantes, estupradores, etc – , os quais alegavam estar submetidos a constrangimento ilegal, em face da demora no encerramento da instrução, padeciam, numa primeira análise, de algum constrangimento ilegal.
Conquanto vislumbrássemos um pequeno elastério na instrução criminal, entendemos, à unanimidade, que não deveríamos conceder liberdade aos acusados, por compreendermos que, diante da realidade que vivenciamos, da periculosidade do paciente, aferida em face do crime em concreto, e, algumas vezes, em face de sua vida predadora em sociedade, se não seria punir essa mesma sociedade em face da aplicação cega da lei, dissociada da realidade.
Optamos pela manutenção das prisões, na certeza de que, agindo assim, prestávamos um tributo à sociedade, ao tempo em que deixamos transparecer ao acusado que, por ser perigoso, teria que suportar as consequências de sua ação, ainda que o fosse pela via excepcional da constrição provisória, autorizada ex vi legis.
Temos entendido, conquanto tenhamos consciência de que não se deve abusar das prisões provisórias, em face mesmo da presunção de inocência, que, diante da criminalidade violenta, não se pode simplesmente fechar os olhos para a situação concreta que ensejou a prisão cautelar do paciente, pois, mesmo que não seja objeto do remédio heroico, o fundamento do decreto prisional é relevante para se aferir se a soltura do réu é temerária.
Por isso, conquanto se discuta, por exemplo, excesso de prazo, não se pode descurar dos motivos que ensejaram a medida extrema. Não se deve, por exemplo, em face de um pequeno excesso, não atribuível à desídia do magistrado, colocar em liberdade um denunciado por crime extremamente grave (latrocínio com resultado morte), o qual, ademais, responde a outros tantos processos por crime violentos..
A gravidade concreta do delito, é preciso não deslembrar, assim como a reiteração criminosa, é motivo, sim, para a manutenção da prisão preventiva do paciente, como forma de garantir a ordem pública e a paz social, mormente quando se aproxima o julgamento da ação penal, ainda que se verifique uma pequena demora no encerramento da instrução.
Reitero, nessa linha de pensamento, que as circunstâncias relacionadas ao lapso temporal devem ser apreciadas em conjunto com as especificidades do caso, concernentes à necessidade de acautelamento do meio social.
As decisões judiciais devem, sim, ser meramente técnicas, mas não somente técnicas, pois que devem, acima de tudo, ser justas justas e eficazes, direcionadas ao fim precípuo do Direito Penal, de forma a garantir a harmonia social, desde que, é claro, não se constate ofensa aos direitos fundamentais do ergastulado.
Forte nessas considerações, entendo que um pequeno retardo para o encerramento da instrução não autoriza, ipso facto, ipse jure, a colocação em liberdade de quem tem uma vida perniciosa e perigosa em sociedade, pois a segregação, nesses casos, é medida que se impõe.
Em face da criminalidade, sobretudo a violenta, reafirmo que, como diz o título dessas reflexões, não está fácil suportar tanta realidade; para suportá-la, é necessário que os agentes do Estado responsáveis pela persecução criminal, não descurando de suas obrigações e de seu compromisso para com as pessoas de bem, tenham a coragem de segregar quem deva ser segregado, não olvidando, nada obstante, que a legitimidade de sua ação não é política, mas constitucional, e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais(Aury Lopes)
Mas é preciso, da mesmo forma, ter coragem de conceder liberdade a quem eventualmente se ache sofrendo constrangimento ilegal, ainda que, com a decisão, seja incompreendido, afinal, com lembra o mesmo Aury Lopes, juiz imparcial e que verdadeiramente desempenha sua função (de garantidor) deve estar acima de qualquer pressão ou manipulação política, afinal, juízes não tem que ser um sujeito representativo, posto que nenhum interesse ou vontade que não seja a tutela dos direitos subjetivos lesados deve condicionar seu juízo.