Na obra O Complexo de Portnoy, de Philip Hoth, o personagem central da trama, Alexander Portnoy, além dos seus próprios conflitos, era obrigado a conviver com posições díspares e controvertidas dos próprios pais que, decerto, exerceram sobre ele uma forte inquietação moral. Assim é que, enquanto a sua mãe adotava a honestidade como prática de vida, o pai aconselhava-o a não ser burro como ele, advertindo-o para que não cassasse por beleza e nem por amor, mas por dinheiro.
É cediço que lições dessa natureza não se veem apenas nas obras ficcionais, já que essa criação distorcida tem-se verificado, infelizmente, em muitos ambientes familiares, razão pela qual os filhos, dependendo das posições dos pais em torno das questões morais, podem viver verdadeiros conflitos, que permearão toda a sua vida, com reflexos, quem sabe, na criação dos seus próprios filhos, resultando, inapelavelmente, na consolidação de uma geração com gravíssimos defeitos morais.
Todavia, não são muitos os pais que aconselham os filhos com tanta franqueza, como registrado na obra ficcional aqui mencionada, a casarem por dinheiro, abdicando do amor ou colocando-o em segundo plano; amor que, a juízo dos crédulos, como eu, deve permear a vida de um casal e, por consequência, da família que resultar da convivência.
Mas, decerto, há muitos e muitos pais que, com sua ação, com o seu modo de vida, com os seus (maus) exemplos, entremostram, deixam claro aos filhos que, nesse mundo, assim como na obra mencionada, o que vale mesmo é o dinheiro, e que por ele, e em face dele, tudo é permitido, tudo pode ser feito, pouco lhes importando os valores morais. Daí que, como todos testemunhamos, muitas são as relações marcadas pela brevidade, muitas são as famílias desfeitas, os lares sob escombros, exatamente porque não foram concebidos à luz do amor, mas das conquistas materiais que os tornam um ambiente pernicioso, onde prepondera o jogo de interesses, o afã de alcançar bens materiais, sejam quais forem os meios empregados.
Disso tudo resulta, não tenho dúvidas, a inviabilidade de as relações se prolongarem no tempo, sabido que, numa família, numa convivência entre duas pessoas, só o amor é capaz de fazê-las duradouras, quiçá eternas, até que a morte se encarregue de fazê-las fenecer, pois não se constrói uma família na base de ações perniciosas e volúveis, com esteio na perspectiva deletéria de que é preciso acumular as conquistas materiais sejam quais forem os meios, sejam quais forem as consequências.
A verdade é que, conquanto não sejam muitos os que aconselham tão diretamente os filhos, para que se conduzam pelo caminho condenável da relação conjugal por puro interesse material, há aqueles que, com sua ação, com o seu exemplo, com a sua prática de vida, deixam patente que, na busca frenética e incessante de bens materiais, conforme dito acima, vale qualquer coisa, mesmo que seja casar sem amor, por conveniência, por interesse, pouco importando as coisas do coração, as consequências de uma relação que se estabeleça em vista dos interesses mundanos.
Fico me perguntando, diante dessa realidade, e em face da magnífica obra ficcional a que me reportei acima, qual a família, na verdadeira acepção do termo, que se consolidará, definitivamente, que não seja com as suas bases fincadas no amor, no respeito e nos bons exemplos?
Não acredito, definitivamente, numa família construída à luz dos maus exemplos, na qual os cônjuges, ao invés do amor, apostam na esperteza, na perspectiva de levar vantagem a qualquer custo, à luz de práticas condenáveis, dos interesses escusos, cujo fator preponderante seja o interesse pecuniário, ou mesmo o poder, relegado o amor a segundo plano.
Admito que sou, sim, do tipo careta, do tipo démodé, pois, apesar dos exemplos, apesar de todas as dificuldades pelas quais passei e que, por vezes, passo na vida, ainda acredito no amor, no respeito e na consideração pela pessoa com quem divido as minhas inquietações, os meus sofrimentos, as minhas alegrias e tristezas.
Eu não ministro aos meus filhos ensinamentos outros que não sejam concebidos à luz do amor, do respeito e da consideração, os quais são, disso tenho certeza, a base de uma união duradoura e da construção de uma família.
Aquele que orienta os filhos a formarem uma família à luz de interesses menores e que não sejam em face do amor, orienta a construção de um castelo de areia, que será levado com o vento, que não resistirá à primeira intempérie.
Da mesma forma que não se orienta um filho a formar uma família com esteio no interesse econômico, não se pode, ademais, dar maus exemplos a eles, estimular a má conduta, emprestar aquiescência aos deslizes.
Não se constrói uma sociedade minimamente decente, ministrando conselhos daninhos aos filhos, ensinando-os, enfim, os meios para levar vantagem, em detrimento do semelhante e dos valores morais. Tenho proclamado, com ênfase e repetidamente, que não vale tudo, por exemplo, para ascender. Não vale tudo para vencer. Tudo neste mundo deve ter limite. O limite é a ética, a honra, o pudor.
Quero sonhar, sim. Quero que meus filhos sonhem, também. Eu os quero vencedores. Todavia, não os estimulo a vencer de qualquer jeito, sob os escombros de sua dignidade. A casa de pai deve, sim, ser a escola de filho. Mas deve ser uma boa escola. Uma escola decente, que o conduza pelos caminhos da honradez, da dignidade e da decência, diversa da escola de Marcelo Odebrecht, por exemplo, que, ao que se infere de suas próprias palavras, estimula na sua família a cumplicidade para realização do malfeito, ao admitir que prefere punir uma filha que denuncie o malfeito que a autora do deslize.
Os desejos do homem, a sua ambição, a sua volúpia pelo poder e pelos bens materiais não podem ser de tal monta que o levem à degradação moral, a ponto de sublimar o malfeito, como se os fins justificassem os meios.
Só para ilustrar, lembro que Sócrates, tido por muitos como o mais sábio dos homens, entendia que se encontrava mais próximo dos deuses quando menos desejava. Por isso, se orgulhava de viver uma vida modesta, sem ambição; e ambição, definitivamente, na minha concepção – e de muitos, importa dizer – tem limites.
A família é parte unitária do plexo de instituições que compõe a sociedade e a meu ver a mais importante. Componente essencial para a junção de duas pessoas para a constituição de um núcleo familiar perfeito, o amor, como disse o Papa Francisco, dar valor e beleza a toda atividade humana. E a família, que tem no seu cerne o amor, entrega à sociedade seus filhos criados com base na ética, respeito ao próximo e honradez, é capaz de modificar e influenciar positivamente a sociedade em que vivemos. O que precisamos é de AMOR. Sem AMOR nada feito. Sem AMOR tudo é imperfeito. E viva o AMOR.
Parabéns pelo belo texto.