Ninguém suporta pessoas agressivas

Clarice Lispector dizia que “até cortar os próprios defeitos é perigoso”, para, mais adiante, arrematar advertindo que, afinal, “nunca se sabe qual é o defeito que sustenta o nosso edifício interno”.
Quanto a mim, reconheço, sem que seja preciso que me lembrem, que tenho vários, incontáveis defeitos, o que ocorre em face da minha condição de ser humano. Admitindo os muitos defeitos que tenho, impende anotar que, como eles já são muitos, sinto-me agastado, muitas vezes, quando acrescentam mais algum defeito que julgo não ser “merecedor”.
Admitindo, reconhecendo, com humildade, os meus defeitos, posso dizer que procurei – e consegui -, ao longo da jornada da minha vida, expungir, desgarrar de mim a maioria deles, sem que eles me fizessem falta, levando-me a concluir que nenhum deles dava sustentação ao meu edifício interno, para usar a expressão cunhada por Clarice Lispector.
Depois que consegui me livrar de alguns defeitos da minha personalidade, visando a uma melhor convivência com o semelhante, e estando, hoje, mais afável e menos acre, concluo que todos eles eram demasiados e desnecessários, tanto que vivo melhor sem a companhia deles, admitindo, nos dias presentes, que muitos foram forjados para impressionar a mim mesmo, para passar a impressão de que sou forte ou, noutra linha de pensar, para não expor as minhas fragilidades.
Assim expostas essas linhas introdutórias, devo dizer, em face do tema que escolhi para essa crônica, que não gosto de agressão, seja ela verbal ou, muito menos, física. É dizer: não estão entre os meus defeitos as agressões verbais e o tratamento descortês. Afinal, tenho convicção de que ninguém suporta pessoas agressivas.
A experiência de vida, a maturidade, os cabelos encanecidos e a prudência levaram-me a entender que podemos conseguir muito mais quando agimos com equilíbrio, compreensão, sensatez e prudência. Logo, não dá para viver a vida gastando energia com o revide, com a desforra, com provocações. Por isso, quando sou agredido, deixo que o tempo se encarregue de cicatrizar as feridas, convindo anotar, entrementes, que tudo tem limite, e o meu limite vai até onde a agressão não fira a minha honra e a minha dignidade. Mas, ainda assim, diante de uma quadra fática dessa natureza, não me deixo levar pelo impulso, evito ser o protagonista da discussão; conto até dez, até cem se for preciso; deixo o tempo passar, para, só depois, tomar uma decisão.
É verdade que nem sempre fui assim. Já fui do tipo que não levava desaforo para casa. E – vejam que absurdo! – até me ufanava disso, sem que eu soubesse em que me fiava, porque nunca fui de briga física, sempre fui do tipo franzino, do tipo fácil de ser jogado à lona com um murro de lenço.
Sempre dei especial importância às palavras, tanto que, nos dias presentes – mais maduro, menos impulsivo e mais contido -, advirto os desavisados para o poder das palavras, sobretudo em face da polissemia dos termos que permitem a extração de vários sentidos, muitos dos quais, se descontextualizados, podem se constituir numa incitação ao litígio.
No passado, nas oportunidades em que me senti ofendido, sempre reagi. Nunca deixei barato. Quando não reagia, ficava ruminando, esperando a hora do revide, ou procurando criar uma situação que me permitisse revidar.
Eu era mesmo do tipo insolente, criador de caso, mal humorado, circunspecto, o que me faz lembrar o protagonista do romance Notas de Subsolo, de Fiódor Mikhalovich Dostoiévski, que tinha prazer de dizer que era mau e rude, que vivia doente de raiva, que não se tratava só de raiva, admitindo ser um funcionário público, do tipo cruel grosseiro; do tipo que, convenhamos, ainda existe por aí.
Atualmente, tenho persistido na direção correta, na minha vida pessoal e profissional. Ao lado disso, já há algum tempo, introduzi em mim o sentimento de que o melhor mesmo é o tratamento cortês, a concórdia, a paz entre colegas, pois que, diferente do personagem de Dostoiévski, não me sinto no direito de ser agressivo apenas porque imagino navegar pelo mundo da retidão, pois, afinal, ser reto, probo, educado, responsável, sobretudo quando se trata de um homem público, não é favor, e nem autoriza ninguém a ser deselegante e mal educado.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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