A nossa manifesta inoperância

Na decisão abaixo, mais uma vez, tive que relaxar a prisão dos acusados, em face do excesso de prazo. No despacho a seguir, lamento, mais uma vez, o desaparelhamento do Estado – rectius: Poder Judiciário – para atender às demandas da sociedade.
O que se vê hoje são cadeias cheias, com presos provisórios sendo tratados de forma degradante – e o Poder Judiciário inerte, sem capacidade para julga-los a tempo e hora. Nas cadeias abarrotadas, muitos são os presos que dormem sentados. Tenho sido obrigado, por isso, a eleger os acusados que devam suportar uma prisão provisória. Em face desse quadro só tenho mantido prisão de réus reconhecidamente perigosos ou de réus a quem se imputam a prática de crime violento contra a pessoa. Os outros, colocados em liberdade, dificilmente serão julgados um dia. É a impunidade que se manifesta em todos os seus matizes.
A nossa situação é lastimável. E nada se faz. O setor de transporte do Forum não funciona a contento, inviabilizando o cumprimento de diligências, resultando desse fato a não realização de audiências, daí defluindo o não cumprimento dos prazos processuais, decorrendo disso a inviabilidade de manterem-se os acusados presos por tempo indeterminado, sem que se entregue o provimento judicial. É, pura e simplesmente, a negação da jurisdicão. É, pura e simplesmente, a consgração do caos. Nunca passamos por uma situação tão tormentosa. Alguma coisa precisa ser feita. Confesso que já tenho vergonha das testemunhas que comparecem e que, por nossa deficiência, não são ouvidas. Muitas
O despacho a seguir transcrito tem sido uma constante. Trabalhamos nas varas criminais apenas para conceder LIBERDADE PROVISÓRIA, RELAXAR PRISÕES e prestar informações em face de habeas corpus.
Triste de todos nós se a sociedade se der conta, por exemplo, que o réu que matar hoje só será julgado pelos seus pares um dia se houver uma providência divina. É o caos que se estabeleceu, definitivamente, sem que se tome uma providência. Eu, de minha parte, já oficiei várias vezes à Corregedoria-Geral de Justiça e de lá não recebo nenhuma resposta.
Mas vamos ao despacho, pois que, pese sucinto, resume a nossa situação.


Processo nº 307932006
Ação Penal Pública
Acusado: E. M. J. e J. B. L.
Vítima: Kalina Ribeiro Barros e outras
Vistos, etc.

Cuida-se de pedido de AÇÃO PENAL, que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra E. M. J. e J. B. L., por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do CP.

Os acusados foram presos em flagrante no dia 04 de dezembro de 2006 e até a data atual ainda se encontram presos, sem que se encerre a instrução criminal.
É preciso convir que a prisão dos acusados já se faz ao arrepio da lei. Não há nada mais que justifique a mantença de sua prisão, sem que o Estado entregue o provimento judicial.
O Estado, é preciso que se diga, não se aparelhou para atender à demanda judicial hoje existente.
Os juizes criminais são meros instrumentos para conceder LIBERDADE PROVISÓRIA e RELAXAR prisão, em face do que são muito mal vistos perante a sociedade, que não compreende como é que se mata, rouba, estupra, extorque, para, pouco tempo depois, estar em liberdade.
O caso presente é exemplar e emblemático. Aqui, mais uma vez, mostramos a nossa omissão, as nossas mazelas. Os acusados E. M. J. e J. B. L., conquanto possam ser nocivos à sociedade, terão que ser postos em liberdade, porque, incompetentes, não fomos capazes de julgá-los, em face do crime que, segundo o MINISTÉRIO PÚBLICO, teriam cometido – crime grave, ressalte-se.
A mim, que tenho me dedicado com tanto desvelo no sentido de afastar do nosso convívio que tem convivência malsã e daninha, só me resta mesmo lamentar.
E viva a impunidade! E viva a violência! E viva aos meliantes!
Com essas considerações, RELAXO a prisão dos acusados E. M. J. e J. B. L., porque submetidos a ignominioso constrangimento ilegal.
Expeça-se o necessário alvará de soltura.
Voltem os autos, após, para nele deliberarmos.
São Luís, 04 de maio de 2007

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.