No Brasil, todos os dias, são emplacados milhares de carros novos; e os lançamentos se fazem a todo hora, seduzindo o público consumidor.
Nesse cenário, o estimulo ao consumo é uma constante, e não se vê providências no sentido de viabilizar o tráfego de veículos – nem nas cidades e nem nas estradas. Persistindo a situação atual, vai chegar o dia no qual não vamos mais poder sair de carro, pois, logo, logo, nas médias e grandes cidades, ter-se-á que apelar, inicialmente, para o rodízio e, em seguida, para um transporte alternativo.
Vejo se multiplicar, por outro lado, com a mesma volúpia, a reclamar, da mesma forma, providências do Estado Administração, a prática de crimes, com inevitável implementação de prisões, provisórias ou definitivas.
Porque crimes vários são cometidos a toda hora, sobretudo os violentos, nunca se prendeu tanto no Brasil. Chegamos, assim, ao esgotamento do modelo. Mas não é colocando em liberdade perigosos meliantes que se resolve o problema.
A prisão, nos dias atuais, é bem de ver-se, ainda é uma amarga necessidade, por isso é que, goste-se ou não, prende-se muito, para o bem ou para o mal. Os presídios, por isso, estão esgotados, e as centrais de recolhimento provisório chegaram à exaustão.
Nesse panorama, depositam-se os presos nos cárceres, como se fossem artigos de segunda, brutalizando-os, desrespeitando a sua dignidade, emprestando-lhes tratamento desumano e degradante, sob os olhos contemplativos dos que, podendo, nada fazem.
O triste cenário salta aos olhos. Onde cabe um, colocam-se dois, três, quatros, sem as mínimas condições de higiene e saúde. E por aí vamos todos, açoitando, aviltando o ser humano no que ele tem de mais relevante que é a sua dignidade.
Com essas ações (ou inações) danosas, vamos traçando, moldando o perfil do criminoso do futuro, daquele que sairá da cadeia pior do que entrou: revoltado, aviltado, achincalhado, desrespeitado, aniquilado, brutalizado, espezinhado.
.E o Estado, o que esperar dele? Acho que pouco ou quase nada. O Estado, diante dessas e outras tantas questões relevantes, quase sempre se mantém inerte, alegando, em sua defesa, falta de recursos, os mesmos recursos que sobram para a corrupção, para o enriquecimento ilícito.
Nesse cenário, a violência grassa, ao tempo em que impunidade deseduca. E, diante desse quadro, a sociedade, indignada, nos cobra providências, pelo fato de sermos responsáveis pelas agências de controle. E nós temos que fazer a nossa parte, uma vez que o Poder Judiciário, por seus agentes, não pode quedar-se inerte. Não podemos, simplesmente, colocar em liberdade um meliante, ao argumento de que não há vagas nos presídios, pois, afinal, garantismo penal tem limites, e o limite é a proteção da sociedade.
Que o réu será brutalizado pelo Estado quase não se tem dúvidas. Que a prisão provisória deveria ser evitada todos sabemos. Que a prisão é a última ratio da extrema ratio, temos ciência. Mas o que fazer diante da criminalidade crescente, se nos negam os outros instrumentos de controle? Fechar os olhos? Colocar todo mundo em liberdade, a pretexto de dar ao meliante o tratamento digno e humano que ele não dispensa à vitima, em face da omissão do Estado que não constrói presídios? Vamos exaltar a liberdade individual em detrimento da nossa própria liberdade, quase inviabilizada em face da violência que permeia a vida em sociedade?
Ao Estado não é dado o direito de promover arbitrariedades e por isso devemos condenar toda sorte de abuso. Mas disso resulta o xis da questão, já que ele, Estado, não pode dispensar proteção deficiente à sociedade, privilegiando o direito individual de um acusado, em detrimento das pessoas de bem, conquanto nos aflija – e refutamos, com veemência – o tratamento desumano e degradante a ele dispensado.
A verdade é que, nos dias de hoje, com a violência batendo à porta, e a impunidade estimulando a prática de crimes, não se há que falar apenas de proteção negativa contra os abusos estatais. O Estado Democrático de Direito tem que cuidar de todos, deve expender esforços para proteger o cidadão de bem de toda sorte de agressão. E nessa faina, se for necessária a prisão, ela deverá ser implementada.
O Estado deve intervir tanto para evitar os abusos em face de um criminoso, quanto no sentido de combater a criminalidade, visando a proteção da sociedade. E do confronto desses dois interesses, deve optar pelo interesse social, conquanto não deva, sob qualquer pretexto, silenciar em face do desrespeito aos direitos humanos.
Contudo, o dilema persiste. E diante disso,, o juiz deve decidir, pois, se, por um lado, o Estado não pode se valer do ius puniendi para praticar arbitrariedades atentatórias aos princípios basilares da Constituição, por outro, no chamado Estado Democrático de Direito, tem o dever de proteção integral de todos os direitos, disso resultando o conflito que deve ser dirimido, entre o direito à liberdade de um meliante reconhecidamente perigoso e o interesse da sociedade em se ver protegida.
Portanto, assim como não se pode pura e simplesmente fechar as fábricas de veículos e nem proibir a sua venda porque as ruas e as estradas já não os suportam mais, não se deve deixar de prender porque as penitenciárias estão lotadas. Numa e noutra hipótese, espera-se do Estado providências no sentido de minimizar as consequências dos excessos.