Disse, em outra oportunidade, em face da acusação de que sou excessivamente rigoroso com criminosos violentos, aos quais tenho negado LIBERDADE PROVISÓRIA, que nunca fiz apologia da prisão, máxime a provisória.
Em 2004, ao prestar informações em face do habeas corpus 24.499, impetrado pelo advogado JOSÉ COSTA FERREIRA, em favor de J.C.F, expendi as seguintes considerações, com as quais reafirmo a minha posição acerca da prisão ante tempus, verbis:
Sou dos tais que não faz apologia à prisão, máxime a prisão nos moldes da brasileira, onde o detido é submetido a toda sorte de maus-trados, especialmente o psicológico. Verdadeiras enxovias as prisões brasileiras, onde o encerrado é tratado desumanamente. Ergástulos fétidos e degradantes as masmorras brasileiras, onde se embrutece o encarcerado. Onde padece o recluso, muito mais do que o concebível, com afrontamento, muitas vezes e a olhos vistos, dos princípios da legalidade, da dignidade da pessoa e da lesividade.
As prisões brasileiras são verdadeiras escolas de reincidência, onde o réu, submetido a toda ordem de humilhação, sai, sim, aviltado, amesquinhado, apequenado e, não raro, pior do que entrou.
Tenho, ao longo dos anos, me dedicado, com tenacidade, ao estudo da prisão e suas conseqüências. Conhecendo-a, como conheço, tenho todas as restrições possíveis ao cárcere, máxime decorrente da provisória. Tinha-o, também, Beccaria, Evandro Lins e Silva, Heleno Fragoso e outros tantos de igual estirpe.
Entendo, todavia, que há situações em que a prisão é a única solução, como se nos afigura a hipótese em comento.
Nessa linha de entendimento cabe referir que a Declaração dos Direitos do Homem , há séculos, já proclamava que “a privação da liberdade, sendo uma pena, não pode preceder a sentença, senão quando a necessidade a requer”.
A mesma Declaração, em outro fragmento, conclui afirmando que “ a aflição da prisão deve ser a necessária para impedir a fuga ou para evitar a ocultação da prova dos delitos”.
Hoje, há um consenso universal de que a prisão só deve ser infligida na medida de sua necessidade, pois que, não se ignora, a prisão não regenera, nem reeduca ninguém. Muito ao contrário, perverte, corrompe, avilta e embrutece.
Porque é uma medida dolorosa é que só deve ser buscada, só deve ser utilizada pelo magistrado como ultima ratio.
“O jus libertatis é direito sagrado: “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança em sua pessoa”, proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 3.º). Logo, qualquer restrição a essa liberdade é inteiramente excepcional.
Quando a autoridade pública restringe a liberdade de alguém (com a opção pela prisão preventiva, por exemplo), ou permite que tal restrição prossiga (com o manter a prisão em flagrante), o faz porque ela se apresenta como uma necessidade.
A prisão, sabe-se, é uma escola de recidiva e destrói a personalidade do preso. Esse dado da realidade não pode, entrementes, ser levado ao extremo de devolver à sociedade, quem não tem uma convivência pacífica, quem insiste em vilipendiá-la, com pertinácia.
Por essas e outras razões, é que a prisão provisória é, sim, uma medida excepcional, que só deve ser adotada em situações de absoluta necessidade, reitero.
Os Tribunais têm decidido, sempre, no mesmo sentido, como se entrever das ementas a seguir transcritas, litteris:
“A prisão anterior à sentença condenatória é medida de exceção que só deve ser mantida quando evidenciada sua necessidade. Assim, se a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal não correm perigo, não há como negar o benefício da liberdade provisória ao réu preso em flagrante. A gravidade do delito e o clamor público que costuma provocar não são fundamentos suficientes à cautela. Em boa hora foi abolida a obrigatoriedade da prisão preventiva do Código de Processo Penal” (RT 654/296).
No mesmo passo:
“A prisão provisória, como cediço, na sistemática do Direito Penal Positivo é medida de extrema exceção. Só se justifica em casos excepcionais, onde a segregação preventiva, embora um mal, seja indispensável. Deve, pois, ser evitada, porque é sempre uma punição antecipada” (RT 531/301).
A prisão é uma exigência amarga, porém imprescindível em determinadas situações, como se verificou em relação ao paciente.
Até agora, infelizmente, o Estado, diante do crime, não conseguiu alcançar os seus fins sem a aplicação de medidas restritivas da liberdade humana. Pouco mais de dois séculos da instituição da prisão como remédio jurídico, foram suficientes para se constatar sua mais absoluta falência em termos de medidas retributivas e preventivas. Todavia e conquanto se tenha a certeza de sua falência, não há outro remédio que se possa ministrar em situações que tais.
Em bem de ver-se, por isso e ainda assim, que a história da prisão não é a de sua progressiva abolição, como pretendem alguns radicais, mas a de sua reforma. Enquanto a reforma não chega, deve ser o instrumento prisional ser utilizado como ele se apresenta. Daí por que deve o magistrado ser parcimonioso quando da sua aplicação. Condescendência que, sempre, tenho priorizado nas hipóteses em que ela se faça desnecessária.
Além das prisões decorrentes das condenações irrecorríveis, as prisões antecipadas, provisórias, cautelares ou prévias, como são chamadas, predominantemente, a prisão em flagrante, a prisão preventiva, a prisão temporária, a prisão decorrente de decisão de pronúncia e a prisão de sentença penal condenatória passível de recurso, continuam se justificando como imperativo social. Um mal necessário. Essas restrições antecipadas, provisórias, cautelares (carcer ad custodiam) ou prévias da liberdade individual devem circunscrever-se, rigidamente, ao modelo jurídico-constitucional e atender a seus fins, sob pena dessa opressão contingente e temporária não se justificar.