Decreto de prisão preventiva em face da gravidade do crime.

No decreto preventiva abaixo faço reflexões acerca de nossas prisões. Faço-o de caso pensado, em face da acusação de que sou defensor da prisão provisória.

Uma leitura deste despacho decerto recolocará a questão em seu devido lugar.

Vamos, pois, ao despacho.

Processo nº 76772006

Ação Penal Pública

Acusado: Israel Aroucha Lima, vulgo “Diabão”

Vítima: Rosivaldo de Jesus Pinheiro

 

Vistos, etc.

 

Cuida-se de pedido de AÇÃO PENAL, que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra ISRAEL AROUCHA LIMA, vulgo “Diabão” por incidência comportamental no artigo 157 § 2º, I e II, do CP.

 

Não bastasse a gravidade da imputação nos autos sub examine, chega-nos, agora, a notícia de que o acusado foi condenado na 5ª Vara Criminal, por incidência comportamental no mesmo artigo 157, a 06(seis) anos e 08(oito) meses de reclusão.

É cediço, em face do exposto, que o acusado não pode permanecer em liberdade, pois que, solto, representa um perigo à ordem pública.

O acusado, com efeito, foi condenado na 5ª Vara Criminal em face de um crime grave e responde a processo nesta vara, também em face de crime grave. Não pode, por isso, voltar a conviver com os seus congêneres.

A ordem pública, importa consignar, reclama a mantença da prisão do acusado. A sociedade, já vergastada em face de sua ação e da ação de outros meliantes de igual matiz, reclama a sua segregação.

O Estado, diante de pessoas com propensão para o ilícito, como, ao que parece, é o caso do acusado, tem que agir como guardião dos interesses coletivos e do próprio indivíduo.

É claro que toda prisão, máxime a provisória, é odienta. É claro que o acusado goza da presunção de inocência. Mas é claro, também, que os dispositivos legais que preconizam a prisão provisória foram recepcionados pela Carta Política em vigor, do que se infere que a decretação da prisão do acusado, sendo ele nocivo à sociedade, não açoita a ordem constitucional.

Os Tribunais, sem exceção, têm decidido nesse sentido, ao proclamarem que os dispositivos que regem a prisão em flagrante, a preventiva, a decorrente de pronúncia ou sentença condenatória recorrível e o recolhimento à prisão para apelar, não foram revogados pelo art. 5º, LVII, da Constituição Federal, permanecendo legítima a adoção de medidas coercitivas contra o réu antes do trânsito da sentença, desde que provisórias, necessárias e de conteúdo cautelar. 

Na mesma senda já decidiu, reiteradas vezes, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, como se colhe na ementa a seguir transcrita, verbis:

“O art. 5º, LVII, da CF, diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória – o que não quer dizer que todo homem é considerado inocente até a prova de sua culpabilidade. Querer dizer que, embora acusado, não pode ser considerado definitivamente culpado e, à evidência, que tal situação não exclui os casos de prisão provisória admitidos expressamente pela Constituição, e contra eles, a prisão em flagrante delito e a preventiva, ambas decretadas pelo juiz e com previsão constitucional” 

 

De relevo que se anote que dos autos assomam, à evidência, os indícios de autoria e a materialidade do crime, do que se pode inferir que esta decisão se faz com absoluta segurança e que não se está levando para o cárcere o acusado, sem a presença dos pressupostos legais. A prisão preventiva que ora se decreta se legitima, pois, porque estão satisfeitos por completo os pressupostos cautelares fumus delicti (prova de existência do crime e indício suficiente de sua autoria) e periculum libertatis (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal) presentes no caput do art. 312/CPP.

 

De boa cepa que se consigne, em adição aos argumentos suso elencados, que a prisão preventiva pode ser decretada para assegurar integridade da vítima ; para proteger as testemunhas de acusação; e em face periculosidade do réu, evidenciada no crime que se lhe imputa a prática.

O acusado, disse-o acima, foi denunciado por crime de roubo duplamente qualificado. Esse mesmo acusado, ademais, foi condenado na 5ª Vara Criminal por crime de igual matiz. Dimana desse quadro que o acusado, em liberdade, representa, sim, uma ameaça iminente à ordem pública, aferível em face da reiteração criminosa e da gravidade dos crimes que cometera.

Não estou entre aqueles que fazem apologia à prisão, máxime a prisão nos moldes da brasileira, onde o detido é submetido a toda sorte de maus-tratos, especialmente o psicológico.

Verdadeiras enxovias as prisões brasileiras, onde o encerrado é tratado desumanamente. Ergástulos fétidos e degradantes as masmorras brasileiras, onde se embrutece o encarcerado. Onde padece o recluso, muito mais do que o concebível, com afrontamento, muitas vezes e a olhos vistos, dos princípios da legalidade, da dignidade da pessoa e da lesividade.

As prisões brasileiras são verdadeiras escolas de reincidência, onde o réu, submetido a toda ordem de humilhação, sai, sim, aviltado, amesquinhado, apequenado e, não raro, pior do que entrou. Por isso não a enalteço. Nem como medida provisória, nem em face de uma sentença condenatória transitada em julgado. Mas é preciso convir que não há outra alternativa.

Tenho, ao longo dos anos, me dedicado, com tenacidade, ao estudo da prisão e suas conseqüências. Conhecendo-a, como conheço, tenho todas as restrições possíveis ao cárcere, máxime decorrente da provisória. Tinha-o, também, Beccaria, Evandro Lins e Silva, Heleno Fragoso e outros tantos de igual estirpe.

Entendo, todavia, que há situações em que a prisão é a única solução, como se nos afigura a hipótese em comento.

Nessa linha de entendimento cabe anotar que a Declaração dos Direitos do Homem , há séculos, já proclamava que “a privação da liberdade, sendo uma pena, não pode preceder a sentença, senão quando a necessidade a requer”.

A mesma Declaração, em outro fragmento, conclui afirmando que “ a aflição da prisão deve ser a necessária para impedir a fuga ou para evitar a ocultação da prova dos delitos”.

Hoje, há um consenso universal de que a prisão só deve ser infligida na medida de sua necessidade, pois que, não se ignora, a prisão não regenera, nem reeduca ninguém. Muito ao contrário, perverte, corrompe, avilta e embrutece. Porque é uma medida dolorosa é que só deve ser buscada, só deve ser utilizada pelo magistrado como ultima ratio.

O jus libertatis é direito sagrado: “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança em sua pessoa”, proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 3.º). Logo, qualquer restrição a essa liberdade é inteiramente excepcional.

Quando a autoridade pública restringe a liberdade de alguém (com a opção pela prisão preventiva, por exemplo), ou permite que tal restrição prossiga (com o manter a prisão em flagrante), o faz porque ela se apresenta como uma necessidade.

A prisão, sabe-se, é uma escola de recidiva e destrói a personalidade do preso. Esse dado da realidade não pode, entrementes, ser levado ao extremo de devolver, ou deixar em sociedade, quem não tem uma convivência pacífica, quem insiste em vilipendiá-la, com pertinácia.

Por essas e outras razões, é que a prisão provisória é, sim, uma medida excepcional, que só deve ser adotada em situações de absoluta necessidade, reitero.

Os Tribunais têm decidido, sempre, no mesmo sentido, como se entrever das ementas a seguir transcritas, litteris:

“A prisão anterior à sentença condenatória é medida de exceção que só deve ser mantida quando evidenciada sua necessidade. Assim, se a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal não correm perigo, não há como negar o benefício da liberdade provisória ao réu preso em flagrante. A gravidade do delito e o clamor público que costuma provocar não são fundamentos suficientes à cautela. Em boa hora foi abolida a obrigatoriedade da prisão preventiva do Código de Processo Penal”

 

No mesmo passo:

 

“A prisão provisória, como cediço, na sistemática do Direito Penal Positivo é medida de extrema exceção. Só se justifica em casos excepcionais, onde a segregação preventiva, embora um mal, seja indispensável. Deve, pois, ser evitada, porque é sempre uma punição antecipada”

 

A prisão é uma exigência amarga, porém imprescindível em determinadas situações, como é o caso sob retina.

 

Até agora, infelizmente, o Estado, diante do crime, não conseguiu alcançar os seus fins sem a aplicação de medidas restritivas da liberdade humana. Pouco mais de dois séculos da instituição da prisão como remédio jurídico, foram suficientes para se constatar sua mais absoluta falência em termos de medidas retributivas e preventivas. Todavia e conquanto se tenha a certeza de sua falência, não há outro remédio que se possa ministrar em situações que tais.

Em bem de ver-se, por isso e ainda assim, que a história da prisão não é a de sua progressiva abolição, como pretendem alguns radicais, mas a de sua reforma. Enquanto a reforma não chega, deve ser o instrumento prisional ser utilizado como ele se apresenta. Daí por que deve o magistrado ser parcimonioso quando da sua aplicação. Condescendência que, sempre, tenho priorizado nas hipóteses em que ela se faça desnecessária.

Com as considerações supra, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA de ISRAEL AROUCHA LIMA, vulgo “Diabão, o fazendo, sobretudo e fundamentalmente, em homenagem à ordem pública, tudo de conformidade com o que estabelecem os artigos 311 e 312 do Digesto de Processo Penal.

Expeça-se o necessário mandado de prisão, em duas vias, uma das quais servirá de nota de culpa.

Oficialize-se a prisão do acusado no local onde se encontra encarcerado.

São Luís, 10 de maio de 2007.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Habeas Corpus n. 147.462-2, Rel. Juiz Carlos Abud, Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais

 RT 658/293.

 STJ, JSTJ 2/263-4

 STJ, RT 691/370

 STF, RT648/347; STJ, JSTJ 8/154

 RT 654/296

 T 531/301

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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