IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

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“[…]Logo, é fundamental, para tipificação do ilícito, que haja dolo e que a vítima empreste o seu dissenso.
Se assim não for, ou seja, se a parte ofendida não emprestar o seu dissenso e se o autor do fato não o fizer conscientemente, com a finalidade, portanto, de satisfazer a sua lascívia ou de outrem, crime de importunação sexual não haverá, pois o consentimento da ofendida ou inexistência de dolo afastam a própria adequação típica do ato praticado.
É preciso, pois, compreender, e faço questão de reiterar, em face dos tempos de intolerância que estamos vivendo, que, havendo consentimento e sem que o autor do fato tenha agido com a intenção de importunar sexualmente a vítima, não se há de falar em contrariedade ou ofensa à liberdade sexual da pessoa[…]”

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Por já ter vivido muito, posso dizer que já vi de tudo um pouco. Portanto, é natural que eu não me surpreenda mais com certas notícias, com certas atitudes, pois, afinal, tenho dito, do homem pode-se esperar qualquer coisa.
Conhecendo, com alguma profundidade, a alma humana, fruto da minha experiência como filho, pai, irmão, avô, advogado, promotor de justiça e magistrado, eu sempre afirmei que, de todos os animais que há sobre a terra, o menos confiável, o mais surpreendente, o mais traiçoeiro, o mais dissimulado é o homem, que por isso mesmo é, para mim, o mais perigoso.
Pois bem, quando eu supunha que nada mais seria capaz de me surpreender em face das ações do homem, eis que a imprensa, no ano passado, noticiou que um determinado indivíduo ejaculou no pescoço de uma passageira de transporte coletivo, de cuja atitude resultou enorme alarido. E eu, que pensava não mais me surpreender com o homem, mais uma vez fui surpreendido por ele.
Como profissional do direito, cuidei de examinar onde se enquadrava, no Direito Penal, a ação libidinosa do referido indivíduo, nitidamente voltada à satisfação da lascívia própria.
Contudo, não encontrei no ordenamento jurídico um enquadramento típico para essa ação degradante e aviltosa; grave atentado à dignidade sexual da vítima, vilipendiada e humilhada por uma conduta repugnante.
Depois desse episódio, ficamos todos sabendo que esse tipo de importunação sexual não era um caso isolado, e que várias mulheres, nos transportes coletivos, já teriam experimentado desconforto dessa natureza, quase sempre caladas, temerosas da reação do seu algoz ou até mesmo para não serem submetidas a constrangimento público.
As vítimas desses abusos, de regra mulheres – mas pode também ser o homem -, como sói ocorrer, ficam impotentes diante do inusitado porque não sabem como se defender, visto que, muitas vezes, por uma ou outra razão, ainda são acusadas de serem responsáveis pela importunação, como se fosse possível justificar esse tipo de conduta condenando a vítima e não o ofensor.
Diante das noticiais em torno do tema, busquei, embalde, no sistema jurídico nacional, como disse acima, o enquadramento típico para esse tipo de ação, sem, no entanto, encontrá-lo com a necessária precisão e com a preconização de pena proporcional ao gravame.
Essa busca inquietante por uma adequação típica finalmente acabou com a promulgação da Lei 13.718/2018, que altera o Código Penal, para inserir o artigo 215-A, que tipifica o crime de importunação sexual, redigido nos seguintes termos:
“Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
A pena cominada para o ato é de reclusão de 1 (um) a 5(cinco) anos, se não constituir crime mais grave.
A providência do legislador ordinário preenche, assim, uma grave lacuna em nosso sistema penal, entregando aos órgãos de controle uma legislação que, se não for capaz de coibir a prática deletéria da importunação sexual, decerto possibilitará que, doravante, o executor de tão degradante afronta à dignidade sexual da mulher seja punido exemplarmente, desde que as vítimas se predisponham a denunciá-los.
Todavia, é preciso alguma cautela ante uma ação que só aparentemente se constitui crime de importunação sexual.
Vou explicar.
O crime em comento tipifica como conduta delituosa qualquer ato de libidinagem e não apenas o já clássico caso da ejaculação.
Nesse sentido, é também considerado crime de importunação sexual o chamado “encoxamento”, que é uma das práticas mais corriqueiras nos transportes coletivos, ou mesmo quando alguém, sem que a vítima perceba, apalpe as suas regiões pudendas (nádegas, seios, pernas, genitália etc).
Mas, atenção!
Não é qualquer contato físico que pode tipificar o crime de importunação sexual, pois que é preciso que o autor do fato o faça dolosamente, de forma consciente, isto é, com a vontade deliberada de satisfazer à sua lascívia ou de outrem.
Noutro giro, é necessário, ademais, para tipificação do crime em comento, que a vítima não empreste a sua aquiescência, o seu consentimento.
Logo, é fundamental, para tipificação do ilícito, que haja dolo e que avítima empreste o seu dissenso.
Se assim não for, ou seja, se a parte ofendida não emprestar o seu dissenso e se o autor do fato não o fizer conscientemente, com a finalidade, portanto, de satisfazer a sua lascívia ou de outrem, crime de importunação sexual não haverá, pois o consentimento da ofendida ou inexistência de dolo afastam a própria adequação típica do ato praticado.
É preciso, pois, compreender, e faço questão de reiterar, em face dos tempos de intolerância que estamos vivendo, que, havendo consentimento e sem que o autor do fato tenha agido com a intenção de importunar sexualmente a vítima, não se há de falar em contrariedade ou ofensa à liberdade sexual da pessoa.
O só fato, com efeito, de uma pessoa estar próxima da outra, como ocorre com frequência nos coletivos, não configura, por si só, o crime de importunação sexual, se faltar ao pretenso criminoso, como efetivamente ocorre na absoluta maioria das vezes, a vontade consciente de importunar sexualmente a vítima.
Ressalte-se, pois, que não é qualquer evento, qualquer situação, qualquer contato físico num determinado ambiente, especialmente nos coletivos, que tipifica o crime de importunação sexual.
Faço a advertência para que as pessoas não saiam por aí denunciando o crime de importunação sexual em face de situações que somente na aparência se configuram crimes, sob pena de, também por isso, se contribuir para transformar a vida em sociedade cada dia mais insuportável.
É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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