FAMÍLIA E CONTROLE SOCIAL

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“[…]Todavia, é triste admitir, as instâncias informais – a família, sobretudo – também têm falhado muito. Daí não ser incomum que uma família inteira se envolva com práticas criminosas, razão pela qual é de rigor que assumamos a nossa parcela de responsabilidade frente a muitas transgressões que poderiam ser evitadas, se formássemos cidadãos de bem nos ambientes familiares.
Quando se planeja e executa um assalto nos moldes do praticado recentemente em Bacabal, quando os gestores públicos tomam de assalto o Estado e quando licitações são fraudadas a olhos vistos, no afã de dilapidar o patrimônio público, para ficar apenas nesses poucos exemplos de transgressões, podem ter certeza de que tudo isso é estimulado pela certeza que todos têm de que só excepcionalmente serão alcançados pelas instâncias persecutórias do Estado. Daí a necessidade de que as instâncias informais, com destaque para a família, funcionem como a primeira e mais relevante trincheira de luta contra os desvios de conduta[…]”

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A grande maioria das pessoas não age de forma criminosa; isso é fato. Se não fosse assim, a vida em sociedade seria verdadeiramente uma tragédia.
As razões que levam as pessoas a optarem pelos desvios de conduta são diversas, o que torna impossível, pois, descrevê-las neste pequeno espaço. Contudo, posso dizer que a escola e, principalmente, a família, concorrem, decisivamente para a paz social, atuando ambas, de forma preventiva, como instâncias informais de controle.
É de sabença que, se as instâncias formais e informais de controle social (Poder Judiciário, Policias, Ministério Público, família, escola, igreja, sindicatos etc) funcionam a contento, tem-se, por consequência, índices de criminalidade quase desprezíveis, face à elementar constatação de que a formação moral do cidadão, somada à (quase) certeza da punição, inibem, geralmente, as práticas criminosas.
Portanto, o funcionamento simultâneo e eficaz das instâncias de controle social é tudo o que uma sociedade civilizada almeja, pois, quando pelo menos uma delas não desempenha bem o seu papel (e isso ocorre com frequência), os desvios de conduta recrudescem, tornando a vida em sociedade, por vezes, muito difícil.
No Brasil, admitamos, as instâncias formais de controle – Poder Judiciário, Ministério Público e Polícias – não funcionam como todos desejamos. E quando o fazem, agem de forma seletiva, a favor de uma classe de privilegiados imune às ações persecutórias.
Todavia, é triste admitir, as instâncias informais – a família, sobretudo – também têm falhado muito. Daí não ser incomum que uma família inteira se envolva com práticas criminosas, razão pela qual é de rigor que assumamos a nossa parcela de responsabilidade frente a muitas transgressões que poderiam ser evitadas, se formássemos cidadãos de bem nos ambientes familiares.
Quando se planeja e executa um assalto nos moldes do praticado recentemente em Bacabal, quando os gestores públicos tomam de assalto o Estado e quando licitações são fraudadas a olhos vistos, no afã de dilapidar o patrimônio público, para ficar apenas nesses poucos exemplos de transgressões, podem ter certeza de que tudo isso é estimulado pela certeza que todos têm de que só excepcionalmente serão alcançados pelas instâncias persecutórias do Estado. Daí a necessidade de que as instâncias informais, com destaque para a família, funcionem como a primeira e mais relevante trincheira de luta contra os desvios de conduta.
As pessoas de bem aprendem nas escolas, no ambiente familiar e nas igrejas – para mencionar apenas as mais relevantes instâncias informais de controle -, como devem se comportar. E assimilam, nesses ambientes, as boas lições para sua vida. E assim, não são poucos os que optam por uma vida de retidão, em face desse aprendizado.
Nessa perspectiva, devemos, sim, apostar as nossas fichas na família, como principal e definitiva instância de controle, com capacidade de fazer desestimular a prática de crimes. E digo isso porque é, principalmente, no ambiente familiar, instância primária de socialização, que a criança aprende desde muito cedo as lições que vai levar para a vida, já que o Direito Penal é residual e, por isso, só deve ser chamado a agir quando as demais instâncias de controle falham.
O processo de socialização no ambiente familiar é tão relevante e intenso, que uma criança bem formada é capaz até, de absorver, de se expressar corporalmente a partir do comportamento dos seus pais, disso inferindo-se a relevância, para sua formação, de viver num ambiente familiar digno e reto.
Sem perder de vista a importância da escola e das igrejas, é no ambiente familiar, portanto, que se forma o ser humano, num processo contínuo e permanente de socialização, em vista dos exemplos dados pelos adultos, com a transmissão de formas de comportamentos julgadas corretas pela sociedade.
Ademais, é com esse processo primário de socialização que a criança aprende as boas práticas, ou seja, o que é certo e o que é errado, tendendo, com efeito, a ser um cidadão de bem, se for orientada nesse sentido, o que torna ainda mais relevante a atuação da família no combate preventivo às práticas transgressivas
Se, noutra perspectiva, as lições ministradas aos filhos forem em sentido oposto, o processo de socialização tende a levá-los às condutas desviantes, a exigir, agora do Estado, por suas instâncias de controle, a necessária reação, com a inflição de penas, das quais, sabe-se, não resulta a esperada recuperação, por razões de todos conhecidas.
Se cada um de nós, no ambiente familiar, ministrarmos doses diárias de retidão aos nossos filhos, em pouco tempo, pouco tempo mesmo, teremos formado uma geração de homens de bem, a tornar obsoleta, démodé e desnecessária a ação dos órgãos de persecução.
A propósito do exposto, encerro essas reflexões com uma frase lapidar e definitiva que li numa entrevista ao jornal O Globo, do fantástico cantor e compositor pernambucano Lenine, a propósito dos seus filhos: “Os admiro por serem competentes e éticos, isso me enche de orgulho. Vejo as pessoas perguntando que mundo querem deixar para o filho, mas não sobre o filho que querem deixar para esse mundo. Precisamos criar seres humanos melhores.”
Alguém duvida?

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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