No ambiente familiar no qual fui criado, acostumei-me a testemunhar, desde a mais tenra infância, as pessoas serem enaltecidas pela sua decência, pela sua honradez; nesse mesmo ambiente testemunhei, lado outro, críticas acerbas aos que não tinham compromisso com os valores morais.
Dito isso, pondero que, nos dias atuais, como de resto sempre ocorreu, é de rigor a constatação de que a absoluta maioria das pessoas age com decência; não fosse assim a sociedade não sobreviveria.
Mas há um grupo incorrigível de pessoas para o qual a decência, infelizmente, sofreu um lamentável apagão, motivo pelo qual se pode dizer que são incorrigíveis.
Nesse sentido, importa reafirmar que há pessoas (com destaque para as que exercem um múnus público) que não se importam em agir de forma decente, descomprometidas que são com a dignidade e o decoro de suas ações, ainda que desse comportamento possa resultar a sua desmoralização pública.
Esta reafirmação é inquietante, sobretudo nos dias atuais, diante da ação destruidora da Covid-19, porque traduz, a toda evidência, aquilo que já temos constatado em alguns homens públicos – mas não só eles, registre-se – qual seja, a total falta de altruísmo e respeito para com os semelhantes, exatamente quando o ser humano mais precisa de empatia e solidariedade.
Como exemplo mais proeminente, nos dias atuais, dessa lamentável falta de decência de alguns, chama a atenção, por exemplo, as notícias veiculadas na imprensa dando conta de roubalheiras em várias unidades da Federação a propósito da compra de respiradores e equipamentos de proteção individuais, instrumentos de primeira necessidade para o combate à Covid-19.
É dizer, numa situação de emergência, de dor e de sofrimento, quando incontáveis brasileiros perecem diante de uma pandemia devastadora, testemunhamos ações indecentes e oportunistas de seres humanos de segunda categoria, os quais, no afã do lucro fácil, fazem maquinações, não em defesa da vida, mas em desfavor dela, objetivando tirar proveitos pessoais, fazendo-o, por exemplo, em detrimento, literalmente, do ar que falta nos pulmões dos pacientes internados nas UTIs das unidades de saúde.
Diante desse tenebroso cenário, enquanto os pacientes Covid-19 buscam o ar que lhes falta para sobreviverem, assistidos por abnegados agentes de saúde – médicos, enfermeiros, auxiliares –, os canalhas de sempre, sem pudor e sem sentimento, se valem da situação de emergência, com o necessário excepcional relaxamento das medidas de controle, para dela tirarem proveitos materiais.
Ao lado desses espertalhões vejo, ademais, no mesmo ambiente contaminado pela falta de decência e de empatia, os replicadores de notícias falsas, os quais não perdem a oportunidade para, em face de suas paixões políticas e de seus interesses econômicos, veicularem, sem pudor e sem escrúpulos, noticias que em nada contribuem para o enfrentamento da Covid-19, disseminando, com sua ação irresponsável, informações que confrontam as medidas sanitárias e preventivas propostas pelas autoridades públicas responsáveis pelo combate ao coronavirus.
A propósito e para ilustrar, destaco que, segundo pesquisa desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 73,7% das informações e notícias falsas sobre o novo coronavírus circulam pelo aplicativo de mensagens WhatsApp; 10,5% no Instagram e 15,8% no FaceBook, o que revela o perigo de uma notícia fake, considerando-se que a maioria das pessoas tem se valido dessas vias para se “informarem”, cumprindo destacar que 71,4% das notícias falsas veiculadas via WhatsApp citam como fonte exatamente a Fiocruz, por mais estranho que isso possa parecer.
O grave, a propósito das fake news – que, como sabido, são disseminadas, sobretudo, nas redes sociais -, é quando o líder de uma nação faz uso dessas mesmas redes sociais para veicular notícias dissociadas da realidade, como todos testemunhamos recentemente, do que resultou a decisão do Facebook, do Instagram e do Twitter de removerem as mensagens veiculadas pelo presidente da República, por se tratarem de informações com potencial capacidade de causar sérios riscos à população.
Nesses dias de pandemia, o que de menos precisa a sociedade brasileira é de espertalhões, de leis destinadas a protegê-los e da veiculação irresponsável de notícias falsas, cumprindo destacar, para não dizer que não falei de coisas boas, a ação destacada e digna de encômios dos homens/mulheres de bem, os quais, com sua ação, contribuíram – e contribuem – para a construção de uma rede de solidariedade nunca vista dantes em nosso país.
O quadro aqui delineado merece detidas reflexões – e o repúdio veemente, na mesma medida – dos cidadãos de bem, cumprindo lembrar, aqui e agora e a propósito, de uma lição comezinha do saudoso John Kennedy: se você agir sempre com dignidade, talvez não consiga mudar o mundo, mas será, com certeza, um canalha a menos para atormentar a nossa vida.
É isso.