Chamo a atenção, de logo, para o seu direito – ainda que o exercício desse direito seja uma excentricidade perigosa – de, querendo, se expor à contaminação pelo coronavírus; decisão que, de rigor, não há como ser controlada, conquanto seja razoável, em face dos riscos decorrentes da Covid-19, evitar, na medida do possível, expor-se à contaminação.
Na mesma toada digo, no entanto, que você não tem o direito de, conscientemente, expor outras pessoas à contaminação, porque dessa ação voluntária e consciente pode resultar, sim, consequências legais/morais.
Dito isso, digo, agora, ingressando no tema que trago à reflexão, que, nas situações adversas e extremadas, o homem se revela – para o bem ou para o mal.
Lembro-me, à guisa de ilustração, de um filme a que assisti recentemente, intitulado “Até o último homem”, de Mel Gibson. É um drama biográfico, de nacionalidade Australiana/americana, disponível nos melhores serviços de streaming de vídeos.
Nele, o protagonista, um médico do exército americano, durante a Segunda Guerra Mundial, se recusa a pegar em arma para matar pessoas, pelo que é incompreendido e, até, desrespeitado.
Todavia, durante a Batalha de Okinawa, na ala médica, ele, superando todas as adversidades, salva 75 homens, a reafirmar o que eu disse no início, ou seja, que, diante das adversidades, o homem se supera, para o bem ou para o mal.
Em relação à pandemia que vivenciamos nos dias presentes, há, da mesma forma e com a mesma intensidade do exemplo ilustrativo acima narrado, profissionais de saúde superando as adversidades para salvar vidas; superação para o bem, portanto.
Mas há, noutro giro, diante da mesma tragédia dos dias presentes, os que se revelam para o mal, com destaque, nessa perspectiva, para os que não se colocam no lugar do próximo, destituídos de sentimentos básicos que devem permear as relações entre as pessoas.
Falo, nessa senda, dos que afrontam o novo coronavírus e se expõem à infecção como um desafio, sem medir as consequências que decorrem da possibilidade de expor outras pessoas à contaminação, inclusive de sua própria família, esquecidos que, em termos difíceis, exige-se sacrifício compartilhado (Thiago Bronzatto, filósofo americano).
Um dia desses, acreditem, assisti, no YouTube, um cidadão dizendo não estar nem aí para o coronavírus, e que era preciso enfrentá-lo como homem, repetindo o que ouviu de uma determinada liderança política.
No mesmo YouTube, vi um grupo de jovens, todos aparentemente saudáveis, num iate portentoso, num ambiente animado – e ao que tudo indica, regado a muito álcool -, em plena pandemia, trocando beijos e carícias, e, pasmem, debochando do sars-cov-2.
Diante de comportamentos dessa natureza, reafirmo o que eu disse no início deste artigo: o cidadão (?), ainda que isso flerte com a irracionalidade, tem o direito de se expor à Covid-19, mas não pode nem deve expor outras pessoas à contaminação.
As cenas dantescas descritas acima revoltam, mas a mim não surpreendem, pois apenas reafirmam a minha constatação: há pessoas que se superam na capacidade de fazer o mal, como há, da mesma forma, as que se superam pela capacidade de fazer o bem.
No cenário devastado pela Covid-19, não são poucos os que, embora podendo não o fazer, se expõem ao novo coronavírus, quase como um capricho, como um desafio, até mesmo para dar vazão aos seus sentimentos mais egoísticos.
E, o que é mais grave no quadro acima delineado, é que não são poucos os que o fazem por birra (acredite!), por alinhamento político, ideologizando o novo coronavírus, apontado, nesse afã, como consequência de uma ação de esquerdistas.
A que ponto chegamos?!
É preciso ter presente que, diante de um inimigo tão poderoso e devastador, todos devem assumir padrões de comportamento adequados. E é bom que esqueçam – se é que é possível aos radicais – que não há coronavírus de direita ou de esquerda, na medida em que, seja qual for a ideologia do seu portador, a Covid-19 pode levar à morte.
Lembro, agora, que, se é verdade que todos nós temos o direito constitucional de ir e vir – argumento dos negacionistas para descumprirem o isolamento social –, não é menos verdadeiro que nenhum direito é absoluto. Ademais, temos que ter respeito pelo próximo, sobretudo por aqueles que, racional e responsavelmente, têm-se mantido isolados, não porque queiram, mas pelo fato de ser necessário fazê-lo, para preservarem tanto a si quanto ao próximo e aos seus entes queridos.
Repito, já temendo pela exaustão, as pessoas, diante do inusitado, costumam se superar, para o bem e para o mal; os exemplos citados acima e o mais que tenho testemunhado todos os dias reafirmam essa verdade elementar.
A propósito dos dias que vivemos e do comportamento insano dos que, mesmo podendo, não deixam de se expor ao novo coronavírus, lembro, inspirado no poeta popular, que “ninguém destrói essa guerra plantando brisa e colhendo vendaval”, música/tema (do saudoso Moraes Moreira) da novela Roque Santeiro, que a minha geração conhece muito bem.
É isso.