Nós passamos a vida construindo frases que, com o tempo, funcionam como verdadeiros axiomas, para, a partir delas, incutir nos outros, e em nós mesmos, falsas convicções, dizendo, naturalmente, coisas nas quais não acreditamos/aceitamos, do tipo “falem mal, mas falem de mim”.
A verdade é que, nas nossas relações, persistimos acreditando em frases feitas – “os últimos serão os primeiros” -, que costumam ser proferidas com aparente convicção, mas que não passam de sopro, como ocorre, por exemplo, quando praticamos um desatino, fazemos um malfeito, mas, para dissimular, dizemos estar com a “consciência tranquila”, mesmo que ela esteja em turbulência.
Apesar do oportunismo escrachado das frases feitas, ditas ao sabor das circunstâncias, nós as proferimos com insistência, como uma espécie de falácia argumentativa, conquanto não traduzam a realidade, nem tampouco o que sentimos.
Feitas as digressões necessárias, digo, agora, que me decidi por essas reflexões depois de ter ouvido, incontáveis vezes, de pessoas de bem, diante das vantagens auferidas pelos espertalhões, que “o importante é colocar a cabeça no travesseiro e dormir”, na doce ilusão de que os que praticam desatinos passem noites insones.
A verdade é que se engana quem acredita que os protagonistas de condutas desviantes – os que recebem propinas ou que mercadejam decisões judiciais, por exemplo – percam o sono em razão dessas ações, pois que, é de rigor admitir, eles não têm consciência moral e, por falta desta, colocam a cabeça no travesseiro e dormem.
O que precisa ser dito é que quem perde o sono, quem coloca o rosto no travesseiro e não dorme mesmo, são os que, sendo honestos e sem oportunidades, deitam-se com a mente em pandemônio ante a certeza de que sobreviver nas próximas vinte e quatro horas será mais um grande desafio, inclusas as dificuldades para alimentar a família.
Importa dizer, ademais, que quem coloca a cabeça no travesseiro e não dorme mesmo é quem não tem emprego e não tem perspectiva de futuro, ao tempo em que assiste, impotente, o enriquecimento ilícito de alguns oportunistas, para os quais o que importa mesmo é seu bem-estar e para os quais solidariedade, retidão e empatia são apenas palavras a serem verbalizadas ao sabor das circunstâncias.
Nessa linha de pensar, digo, agora, como verdade incontestável, que é uma insensatez imaginar corruptos perdendo o sono em face dos seus desatinos e que pensar de modo diverso é o mesmo que assumir estar vivendo num mundo de ilusão, bastando, para essa constatação, olhar em volta e ver o mundo de ostentação em que vivem os transgressores, para os quais o centro do universo é o seu próprio umbigo.
A verdade é que quem vive de deslizes morais não perde uma noite de sono, sobretudo porque tem certeza da impunidade, fruto da leniência das instâncias persecutórias, cujas ações são destinadas a uma parcela específica da sociedade, exatamente aquela marginalizada para a qual são negadas as vias de acesso ao consumo do mínimo para sobreviver com dignidade.
O certo é que, apesar dos desvios morais, os malfeitores colocam a cabeça no travesseiro, deitam e dormem como se vivessem uma vida de retidão, usufruindo, sem pudor, do produto de suas ações impudicas, cientes de que nunca serão alcançados pelas instâncias de controle e que, se algum dia o forem por descuido, serão beneficiários de uma interpretação benfazeja da lei.
É isso.