UM CHAMADO À RACIONALIDADE

Tenho tido dificuldade de conviver com exibições de irracionalidade decorrentes de um radicalismo exacerbado que contamina e cega as pessoas, mesmo as que supúnhamos, no passado, dotadas de algum senso crítico.

A fala irresponsável e mentirosa nunca teve tanta repercussão quanto nos dias presentes; nunca, em tempo algum, foi tão valorizada a desinformação, disso resultando que a fraude da verdade tem repercutido numa dimensão e com consequências estupefacientes, permeando a vida social de uma toxidade jamais sentida.

Dirão alguns, numa visão reducionista, que tudo isso é apenas uma das consequências mais visíveis do nosso atraso, quando, na verdade, digo eu, é resultado de uma crise moral sem precedentes que contamina uma parcela expressiva e barulhenta da sociedade, pois a mentira não se confunde com atraso ou ignorância, mas com falta de caráter de quem a veicula e de quem, no mesmo passo, se encarrega de replicá-la nas redes sociais.

Empatia, solidariedade, altruísmo? Nada disso importa aos extremistas, aos protagonistas das notinhas tendenciosas e mendazes que são veiculadas, pois que o objetivo é mesmo confundir, fazer rebuliço na mente do incauto cidadão, sobretudo o que acredita em mentiras, sobretudo as oficiais, que são as que estão a merecer de todos nós maior repúdio.

A percepção que tenho, nesse quadro desalentador, é que o Estado, por seus órgãos de controle, perdeu a força que antes detinha e impunha; perdeu o rumo, está sem direção. Daí que cada um diz o que quer, veicula o que quer, vale-se das redes sociais, terra de ninguém, para disseminar inverdades, atacar desafetos, destruir reputações, ciente da impunidade.

Não defendo a censura. Ninguém minimamente racional a defende. Mas é chegada a hora, para romper com esse grave quadro de degradação pelo qual passamos, da adoção de providências tendentes a obstar a veiculação de falas e raciocínios insanos.

Nesse sentido, as instâncias de controle devem reagir com eficiência para, sempre que veiculada uma nota irresponsável, retirá-la das redes sociais, sabido que, nos dias presentes, há uma parcela relevante da sociedade que se informa apenas de notinhas de internet , espaço privilegiado de disseminação de inverdades.

A verdade é que uma notícia falsa, máxime a que recebe a chancela de uma liderança política,  pode ter efeitos desastrosos. Não é por outra razão, por exemplo, que nunca se falou e questionou tanto as eleições americanas como no último pleito.

Da mesma forma, em nenhum país do mundo, em tempos de pandemia, se desprezou tanto o uso de máscaras, o distanciamento social e a vacina como no Brasil, em face da postura negacionista de quem deveria agir com o mínimo de racionalidade, postura que levou parcela relevante da sociedade a abominar a própria ciência.

A realidade é que qualquer asneira dita por um líder pode ser um perigo em potencial para a sociedade, a exemplo do que ocorreu recentemente quando um médico, radical negacionista, se recusou a usar máscara para atender uma paciente, seguramente por estar contaminado pela sua própria ignorância.

Está insuportável viver num mundo povoado de radicais, pouco importando se de direita ou de esquerda. É preciso abrir espaço à contemporização, à concórdia, à compreensão, à empatia, às ações altruístas e à racionalidade, num momento tão difícil das nossas vidas.

 É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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