ESTADO DE DIREITO E A NAU DOS INSENSATOS

Diante de uma decisão judicial impactante há um grita natural da sociedade. Nesse cenário, todos nós magistrados, indistintamente, somos tratados como se fôssemos insensíveis, com as costas viradas para o interesse público, perspectiva em razão da qual se pode inferir o quanto é difícil a missão de julgar os atos do semelhante numa sociedade que democratizou, pela internet, a emissão de juízo de valor sobre qualquer tema.

Mas não é bem assim. Logo, é preciso ter muita cautela – e responsabilidade, sobretudo – nessa generalização absurda, que, na minha forma de compreender, até se justifica, aqui e acolá, em face da ação descomprometida de alguns poucos.

Da mesma forma, é imprescindível levar em conta que não somos os seres frios e calculistas que muitos pensam, sem compromisso com o combate à criminalidade, uma vez que ela atinge a todos nós, sem distinção de posição hierárquica.

Ao magistrado, tenho dito, reiteradas vezes, não é dado o direito de fazer cortesia com o direito alheio, ainda que as suas decisões possam ser incompreendidas por parcela significativa da sociedade, sabido que, na maioria das vezes, elas são gestadas em face de um direito individual, em contraposição com o interesse coletivo.

A verdade é que o magistrado não pode deixar de conceder, por exemplo, uma liberdade provisória ou relaxar uma prisão ilegal, temendo uma provável incompreensão de parcela da população, o que não quer dizer que não existam os que prolatem decisões com argumentos marcadamente heterodoxos, a propiciar alguma inquietação.

É de relevo que se diga, no entanto, que não se constrói uma sociedade minimamente justa quando aquele que tem a missão de decidir uma demanda o faça temeroso e acovardado, ante a iminência de uma reação dos jurisdicionados e da imprensa.

Quando um magistrado decide-se pela liberdade de um acusado, em face de uma ilegalidade, está dizendo, no mesmo passo, que qualquer pessoa que se veja em situação similar poderá se socorrer desse mesmo expediente, que é próprio das sociedades civilizadas, que não se confundem, definitivamente, com os estados tirânicos que uns poucos inconsequentes e radicais almejam.

A verdade é que não se pode manter preso, provisória e ilegalmente, quem eventualmente tenha tangenciado as leis do Estado, apenas porque vivenciamos uma verdadeira guerra de informações e contrainformações que viceja numa sociedade marcadamente amargurada pela ação/inação/ falta de compromisso de alguns homens públicos.

Nossa geração testemunhou o desconforto, para dizer o mínimo, de viver num Estado totalitário, onde os fins justificavam os meios e no qual testemunhamos, estupefatos, o abespinhamento de muitas garantias constitucionais que é, ao que parece, o que desejam os mais empedernidos haters que habitam o mundo descontrolado e nefando das redes sociais, que, para o bem e para o mal, têm dado voz e espaço a todos, inclusive aos imbecis  

Dito isso, importa consignar, por oportuno, não podemos, agora, com as instituições funcionando com regularidade, embarcar na nau dos insensatos/radicias, para os quais juiz bom é tão somente o que decide de acordo com os seus interesses.

Da mesma forma, não pode um magistrado, num Estado de Direito, ser acossado, desrespeitado, atacado, às vezes de forma vil e covarde, apenas porque cumpriu a lei, quando, por exemplo, tenha reparado uma prisão ilegal, cumprindo destacar, com ênfase, que aqui não absolvo os togados que, sem compromisso, decidem marginalmente.

O Estado, é de sabença, tem por finalidade a realização do bem comum, que, convém assinalar, jamais será alcançado sem a preservação dos direitos dos cidadãos, sabido que, mesmo quando ele intervém com o jus puniendi, deve, por seus agentes, respeitar o direito dos acusados, por mais grave que tenha sido a transgressão praticada.

Nessa senda, reafirmo que, diante de uma prisão ilegal, o Estado, por seus agentes, não pode se omitir, ainda que o preço seja a incompreensão, o que não quer dizer, repito, que não existam os que, mal-intencionados, concedam liberdade a perigosos meliantes sem atentar para o princípio da proibição da proteção deficiente que, conforme se sabe, autoriza o juiz, em determinadas hipóteses, a sacrificar o direito individual em benefício do coletivo.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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