LIBERDADE TEM LIMITE

Os iconoclastas (destruidores de imagens) costumam simplificar, ou seja,
sintetizar, num conceito menor, numa frase, enfim, o que pensam das pessoas que pretendem
destruir a imagem, para, a partir de um rótulo, defini-las e marcá-las com cores vivas e
chamativas, para que todos saibam de quem se trata, segundo a sua torpe e deformada visão,
constatação que se revela ainda mais danosa nas pugnas eleitorais, ambiente no qual o que vale
mesmo é a obtenção de dividendos eleitorais, ainda que a custa da honra das pessoas.

Assim é na vida; assim é, infelizmente, na (má) política.
Para ilustrar, dois exemplos, – um de ontem, e o outro, de hoje – da ação dos
que têm por afã atingir a imagem das pessoas, sempre a partir de sua visão de mundo.
Mário de Andrade, cuja construção literária todos reconhecem, tem sido muito
mais lembrado pela sua não assumida condição de homossexual (?) do que em face de sua
monumental obra.

Muitos querem saber – curiosidade mórbida – de suas preferências sexuais,
como se isso fosse relevante. É uma curiosidade esquizofrênica. Afinal, indagam os
curiosos/perversos: era ou não era homossexual o autor de Macunaíma? Teria sido para não
desvendar esse mistério, que tanta curiosidade desperta, que, por tantos anos, os seus
descendentes proibiram que a sua biografia fosse lançada?

O afã, no caso, é, tão somente – por mais demodé que possa ser a intenção –

atingir o direito da personalidade do renomado escritor.

Finalmente, a biografia de Mário de Andrade saiu. E, para satisfação dos
curiosos, o biógrafo Jason Tércio desvenda o mistério: seria ele, segundo dados antecipados da
biografia em comento, bissexual.

Nessa revelação vem embutida a seguinte pergunta: Qual a importância dessa
informação para a literatura brasileira? Decerto que ninguém sabe responder, mas os curiosos,
ou iconoclastas, finalmente saciarão a sua sede.

Luis Felipe Scolari, alcunhado Felipão, é um técnico vitorioso. Campeão do
mundo pelo Brasil e com trabalho destacado pela sua qualidade, por muitos analistas mundo a
fora. Todavia, é lembrado, sempre, como o técnico que levou o Brasil à sua segunda maior
humilhação em Copas do Mundo.

Os exemplos que cito aqui, à guisa de ilustração, faço-o em face da
inquietação que causa em mim testemunhar, como integrante de uma instância formal de
controle, as tentativas que são feitas – marcadamente potencializadas pelos interesses que
subjazem -, nas campanhas eleitorais, de desqualificar o adversário político, traduzidas, muitas
vezes, em ofensas pessoais, muitas das quais com repercussão em sua honra – objetiva e
subjetiva -, direito da personalidade protegido pela Constituição.

Nesse panorama, que não edifica e que assusta, assisto, estupefato, mas
determinado, abusos da liberdade de expressão, sob o manto da propaganda eleitoral

autorizada, com o fito, tão somente, de atingir o adversário, sem a mais mínima preocupação
com as propostas para o exercício do mandato, as quais, quando apresentadas, diante de um
ambiente de agressões, terminam sendo pulverizadas e desprezadas pelo próprio eleitor.
Diante desse quadro, tenho sido rigoroso no exame das questões submetidas
a meu escrutínio, enquanto integrante da Corte Eleitoral do meu Estado. Nesse afã, não
tergiverso diante de uma agressão em face do uso da palavra para ofensa pessoal, ante a
compreensão de que é preciso, sem tergiversar, coibir os abusos, enfrentar com rigor os
discursos odientos e preconceituosos, criar um caldo de cultura tendente a dissuadir os
transgressores, afinal, liberdade de expressão, direito à informação e liberdade de pensamento,
próprios de um regime democrático, não se confundem com agressões, baixarias ou
achincalhes, sabido que, como tudo na vida, liberdade, seja ela qual for, tem limites, e os limites
estão inseridos na própria Constituição e nas leis que dela dimanam, cabendo as agências de
controle, no âmbito de sua competência, agirem com denodo e determinação, para que não se
incuta na sociedade a danosa sensação de que vale a pena transgredir.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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