Há alguns anos, quando ainda não se falava em fake news, dos efeitos
deletérios e da força de sua veiculação nas redes sociais, escrevi uma crônica com reflexões sobre a mentira, a partir da minha inquietação com as inverdades contadas por testemunhas nos processos criminais.
Eu disse, na oportunidade, que “[…] nada é mais nefasto para as relações
que travamos, seja em casa, seja no trabalho, do que não acreditar no interlocutor […]”. E prossegui, expondo minha inquietação: “[…] é desalentador ouvir uma história e não poder confiar naquele que a conta, assim como é desanimador constatar que, dependendo do interlocutor, não é possível acreditar na desculpa apresentada […]”.
E, mais adiante, amenizei: “[…] decerto que, algumas vezes, é preciso
apresentar uma desculpa, tergiversar aqui e acolá, no afã de preservar uma relação ou de evitar um aborrecimento. Mas isso não pode ser a regra, pois mentir deve ser sempre uma excepcionalidade […]”, para noutro excerto, concluir: “[…] a regra, em face da qual não se pode fazer concessões, é a verdade […]”
Pois bem. É lamentável constatar: de lá para cá nada mudou. Aliás, piorou.
E muito! Nunca se mentiu tanto, com efeitos nefastos para o conjunto da sociedade, cujo exemplo mais cintilante foi a invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 08 de janeiro, fruto das mentiras veiculadas, à exaustão e sem pudor, sobre as urnas eletrônicas, para deslegitimar o processo eleitoral.
É impressionante a aceitação que a mentira e o mentiroso encontram nas
bolhas que se formaram na sociedade em face, sobretudo – sendo essa a face mais perigosa do cenário -, da polarização política que testemunhamos, onde o ódio encontra campo fértil para irradiar seus efeitos.
É surpreendedora a constatação de que há pessoas que se alimentam de
mentiras, vivem de mentiras, não se acanham em veicular mentiras, sem escrúpulos, sem medir as consequências das inverdades que propagam, a considerar que a sua difusão contamina uma massa ignara, estúpida e ensandecida de fanáticos, para os quais a verdade é apenas um detalhe.
Nunca, em tempo algum, as inverdades foram tão galanteadas pelos
radicais/extremistas – de todos os espectros políticos, devo registrar -, os quais, conquanto minoria, fazem barulho e criam instabilidades sociais de efeitos devastadores para o conjunto da sociedade.
Há, sim, nos dias atuais, uma horda fanatizada que se alimenta de mentiras,
vive das mentiras que professam e de algumas fantasias nas quais elas se assentam. Nessa faina, as concebem e as disseminam sem constrangimento, dando a sua contribuição para a situação conflituosa que se verifica, até nos ambientes familiares, outrora civilizados e harmoniosos.
Diante desse quadro desolador, a constatação mais inquietante é que há
pessoas, que outrora supúnhamos com capacidade de discernimento, com alguma sensatez e equilíbrio, que se revelaram perigosas para o convívio social, na medida em que agem sem peias e sem controle, sem medir as consequências de sua ação.
A disseminação de fake news por um incauto, por um ignorante, é até
perdoável, conquanto reprovável. Mas é inconcebível e causa inquietação a disseminação de notícias falsas por quem tem discernimento e acesso às informações verazes, máxime se o agente difusor das verdades falseadas tem o poder de influenciar pessoas, em face de sua liderança.
O grave em face do exposto é que não se vislumbra, a curto prazo, uma
solução para esse grave problema, daí a relevância da atuação, sem tréguas, dos órgãos de controle, ante a consideração de que a mentira, o achincalhe, as agressões verbais e as imputações criminosas – numa visão mais ampla do espectro dessas reflexões -, sobretudo no ambiente das redes sociais, que deu voz e espaço aos bem e mal-intencionados, não estão albergadas pela liberdade de expressão, a considerar que a liberdade de expressão que contempla a nossa Carta Magna não pode servir de estímulo à prática de crimes, muitos dos
quais voltados ao abespinhamento dos direitos da personalidade, que goza de igual proteção constitucional.
É isso.