Principio essas reflexões com uma obviedade: somos um país dividido,
fruto do ódio/radicalismo que tem permeado as discussões/ações políticas, nos mais diversos ambientes – familiar, inclusive -, a contaminar as relações sociais.
Já tendo vivido muito, testemunhei – como eleitor, como advogado,
professor, promotor de justiça e magistrado – muitas disputas políticas, sobretudo depois da redemocratização; testemunhei, portanto, de tudo um pouco.
Ainda assim, me surpreendo com o que tenho assistido nos dias de
hoje, vendo o radicalismo político tomar conta do debate, tornando-o incivilizado, agressivo e, consequentemente, improdutivo.
O que tenho testemunhado, lamentável dizer, é a disseminação do
ódio, sobretudo nas redes sociais, campo fértil no qual vicejam as incompreensões, as desinteligências e a intolerância.
Chegamos a uma situação de tamanha insensatez que, tenho
constatado, estamos autorizados, nos ambientes familiares – pasmem! – assacar críticas contra os próprios pais que elas ainda assim serão toleradas.
O que não é permitido, triste reconhecer, é dirigir críticas a
determinadas lideranças políticas, ungidas à condição de intocáveis, de semideuses até.
A situação aqui descrita, importa reafirmar, é grave.
O cenário sob os nossos olhos, e dos que ainda guardam alguma lucidez, é constrangedor e preocupante, a exigir detida reflexão.
Como não estou impedido de pensar, fico imaginando que, para que o
nosso país volte à civilidade e à união, só mesmo uma situação de ameaça externa, conquanto ainda tenho dúvidas sofre a sua eficácia, tamanhas as paixões, tamanhas as dissenções, considerando que a radicalização nos levou ao paroxismo, a revelar uma triste realidade: quem assume posição no espectro político se transforma, no mesmo passo, em inimigo de quem está no espectro político oposto, em face da preponderância da máxime do “nós contra eles” que tem norteado o debate político.
Para ilustrar, cito uma passagem da nossa história que, outrora, uniu o
país; penso que ela servirá para justificar a linha de pensamento acima adotada.
Pois bem. Na famigerada Guerra do Paraguai, os brasileiros de cor
branca lutaram ao lado de escravos, negros, mulatos, índios e mestiços; ribeirinhos da Amazônia e sertanejos do Nordeste encontraram-se e se uniram, pela primeira vez, aos gaúchos, catarinenses e paulistas.
A guerra em comento, portanto, produziu um sentimento de unidade
nacional que o Brasil jamais havia testemunhado, mesmo no tempo de sua
independência, cumprindo anotar que até o imperador se deslocou para a frente de batalha, enfrentando o frio e a intempérie numa barraca de campanha.
Essa passagem da história me leva a conclusão de que talvez uma
causa nacional nos unisse, ainda que se admita uma certa dúvida, visto que, no
caso da pandemia de Covid, por exemplo, testemunhei, estupefato, a sociedade
dividida entre os que apostavam na ciência e os negacionistas, para os quais a
vacina só traria malefícios a quem se dispusesse a entregar o braço para a sua
infusão.
O que espero, cá do meu canto, é que, nesse cenário desalentador que
hoje se apresenta, surja uma liderança que tenha o bom senso e pregue a
concórdia, para, no mesmo passo, refutar a beligerância.
Lembro, a propósito do bom senso e do equilíbrio que deveriam
presidir as ações das nossas lideranças, da reação de Benjamim Constant, quando o alfares Joaquim Inácio, radicalizando, propôs o fuzilamento de D. Pedro II, por ocasião das tratativas para a Proclamação da República. Na oportunidade, ante a desabrida proposta de execução do imperador, o militar brasileiro reagiu nos seguintes termos: “O senhor é sanguinário! Ao contrário, devemos rodeá-lo de todas as garantias e considerações, porque é um nosso patrício muito digno”.
Não é essa sensatez, entrementes, que tenho visto nos dias atuais, lamento concluir.
É isso.