Informações em habeas corpus no qual se alega excesso de prazo para conclusão da instrução.

Ofício nº 369/2007-GJD7VC São Luis, 20 de agosto de 2007.

Excelentíssimo senhor

Des.José Joaquim Figueiredo dos Anjos

Relator do hc nº 14173/2007 – São Luis(MA)

Paciente: A. C. P. J.

Advogado: José Ribamar Oliveira Lima

 

I – A RATIO ESSENDI DA IMPETRAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO PROBOTÁRIA. PACIENTE A QUEM, ADEMAIS, SE NEGOU O PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA.

 

A. C. P. J., por intermédio de seu procurador, impetrou a presente ordem de habeas corpus, sob a alegação de que está submetido a constrangimento ilegal, em face de ter sido negado, neste juízo, um pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA e, também, em face do excesso que se verifica para o encerramento da instrução, uma vez que está preso provisoriamente há 175 (cento e setenta e cinco) dias.

 

II – O TEMPO DE PRISÃO DO PACIENTE. A DATA DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. TEMPO DE PRISÃO QUE NÃO SE MOSTRA IRRAZOÁVEL. O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

O subscritor do mandamus alega que o paciente está preso há 175 (cento e setenta e cinco) dias, sem que se encerre a instrução.

Devo, em homenagem à verdade, reparar o equívoco cometido pelo subscritor do writ, compreensível em face da sofreguidão do paciente em se livrar do ergástulo.

Pois bem. A denúncia formulada contra o paciente foi recebida no dia 19 de março do corrente. (fls. 01). A considerar, pois, a data do recebimento da denúncia e a data do manejo do writ, o paciente esta preso, sob a responsabilidade do signatário há exatos 133(cento e trinta e três) dias

Eis a singela operação:

 

12(doze) dias/março + 30(trinta) dias/abril e 31(trinta e um)dias/maio+30(trinta) dias/junho+30(trinta) dias/julho= 133(cento e trinta e três) dias

 

Veja, Excelência, que o tempo de prisão do paciente não é excessivo, mesmo porque, nos dias atuais, todos sabemos, não se adota mais o bolorento, ferrugento, arcaico critério aritmético na contagem do tempo de prisão, para os fins colimados no mandamus.

De se anotar, ademais, que o prazo ferrugento de 81(oitenta e um) dias, criação jurisprudencial, foi concebido com base em um instrumento legal da década de quarenta (CPP), quando a criminalidade era infinitamente menor e menos sofisticada. Deve-se compreender, pois, que, nos dias atuais, a adoção do critério puramente matemático, depõe contra o interesse público.

No caso presente, para completar o equívoco , o subscritor do writ, equivocadamente, considerou o tempo de prisão do paciente desde o dia em foi autuado em flagrante – 16 de fevereiro -, olvidando-se que, com o recebimento da denúncia, segundo torrencial jurisprudência, superado restará o excesso havido em sede administrativa.

Veja, pois, Excelência, que a primeira vertente do mandamus não resiste a qualquer análise, ainda que superficial.

 

III – OS ESFORÇOS DESPENDIDOS PARA CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO A TEMPO E HORA. INSTRUÇÃO QUE NÃO SE COMPLETOU POR MOTIVOS DE ORDEM SUPERIOR, NÃO ATRIBUÍVEL AO JUÍZO.

 

É cediço que haverá, sim, que argumente que há um pequeno excesso, a justificar a concessão do writ, máxime se o examinador da quaestio for daqueles que não têm compromisso com a ordem pública – que, definitivamente, não é o caso de Vossa Excelência.

Antevendo essa possibilidade, devo gizar que o pequeno excesso que há – se se considerar, repito, o fossilizado prazo de 81(oitenta e um) dias – não decorre da incúria deste juízo. Muito ao contrário, aqui se tem realizado todos os esforços no desiderato de concluir a instrução.

Malgrado todos os esforços expendidos, a verdade é que, por razões que escapam à vontade do signatário, a instrução ainda não se ultimou, cumprindo consignar que, agora, está-se na dependência, apenas, da audição das testemunhas do rol da defesa.

A seguir, à guisa de justificação dos esforços despendidos, permita-me detalhar, com fatos e prova documental, a afirmação suso, ou seja, de que instrução só não se encerrou por razões de ordem superior, não atribuíveis, portanto, ao subscritor dessas informações.

Pois bem. Ao receber a denúncia, no dia 19 de março do corrente, designei o dia 17(dezessete) de abril para o interrogatório do acusado.(cf. doc.01).

Vossa Excelência decerto indagará: porque foi designada a audiência para o interrogatório do paciente para quase um mês depois do recebimento da denúncia?

Antevendo esse questionamento, respondo:: por absoluta falta de espaço em nossa agenda, já que nunca há menos de 70 (setenta) réus presos nesta vara, sabido que não concedo LIBERDADE PROVISÓRIA a assaltantes.

Vossa Excelência sabe que, hodiernamente, de cada dez processos distribuídos às varas tipicamente criminais, oito, pelo menos, tratam de ROUBO QUALIFICADO, o que, a fortiori, torna inviável se cumprir os prazos processuais no mofento prazo de 81(oitenta e um) dias.

Cediço, à luz do exposto, que, com tantos réus presos, a nossa agenda está estrangulada, do que tem resultado prejuízo às instruções dos processos cujos acusados estão em liberdade e, também, demora para conclusão da instrução dos processos cujos acusados presos.

Mas devo ir adiante justificando os esforços realizados para ultimar a instrução do processo a que responde o paciente neste juízo.

O interrogatório designado para o dia 17 de abril se realizou.(doc. 02).

Oferecida a defesa prévia no dia 23 de abril (doc.03), vieram-me os autos conclusos no dia 27 do mesmo mês, certo que, no mesmo dia, designei data (14 de maio) para audição das testemunhas do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO. (doc.04).

Até aqui, Excelência, nenhum obstáculo e nada de excesso, pese o esgarçamento de nossa agenda de audiências. Até aqui, Excelência, nada de incúria, nada de descaso do juízo – nada de constrangimento ilegal, de conseqüência.

Prossigo analisando a tramitação do processo, para que Vossa Excelência conclua, alfim da análise, que, se excesso há, este não pode ser imputado ao signatário, daí decorrendo que, desde meu olhar, não há constrangimento ilegal a ser reparado. Se excesso há, ele decorre das particularidades do processo sob retina e das nossas péssimas condições de trabalho – fato de domínio público – e da sobrecarga de trabalho.

Pois bem. No dia designado para o início da audição das testemunhas do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO, foi inquirida apenas a testemunha LEULIANO MARTINS RABELO, vez que as demais testemunhas não foram intimadas. (docs. 05, 06 e 07).

A seguir, uma digressão.

Vossa Excelência, que até recentemente atuou na primeira instância, sabe que os oficiais de justiça, em face da falta de transportes para realização de diligências, têm que se submeter a uma infame rota, que não os permite retorna ao local da diligência, para, mais uma vez, tentar intimar as testemunhas, disso resultando, não raro, que as diligências não se completem. Disso resultando, demais, atraso para conclusão da instrução.

Retomo, agora, ao tema central dessas informações.

À vista fácil Vossa Excelência pode ver que, se todas as testemunhas do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO não foram inquiridas com brevidade, na primeira data designada para esse fim, nenhuma responsabilidade pelo atraso tem a autoridade apontada coatora, in casu o subscritor dessas informações.

Devo seguir adiante, sem temer pela exaustão.

Pois bem. Voltando os autos conclusos no dia seguinte, ou seja, dia 15 de maio, mais uma vez designei data para audição das testemunhas do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO, mais precisamente o dia 1º de junho.(doc. 08).

A audiência designada para o dia 1º de junho não se realizou, no entanto, em face da não localização da advogada do paciente, Dra. DEYDRA MELO MOREIRA, como se vê da certidão que segue junto. (doc. 09).

Observe que, no mesmo dia designado para o ato, deliberei designando o dia 15 de junho para realização do ato adiado. (doc. 10) – tudo celeremente, tudo muito rápido, sem enganação, sem desperdício de tempo, que é, afinal, o que se espera de um magistrado.

No dia 15 de junho, no entanto., foi ouvida apenas a testemunha OLIVAL AZEVEDO DOS SANTOS (doc. 11), uma vez que a vítima MÁRCIO RODRIGUES DE MAIA VIANA, pese intimada, deixou de comparecer, porque estava hospitalizada. (doc. 12).

Veja, Excelência, que, até aqui, motivos de ordem superior contribuíram, conspiraram para a tardança na ultimação da instrução. Até aqui, nada de incúria, nada de desleixo, nada de omissão – só perseverança, boa vontade e sofreguidão.

Vou mais adiante.

Conseqüência do exposto, ou seja, da não audição da vítima que estava hospitalizada, designei o dia 12 de julho para conclusão da oitiva das testemunhas do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO. (doc. 13).

Observe, Excelência, que a data escolhida foi a mesma já utilizada para instrução do processo nº 34972003, que foi sacrificado, para que se pudesse dar celeridade ao feito. (cf. doc. 13, in fine)

Antes da audiência designada para o dia 12 de julho, a defesa postulou a realização de EXAME DE INSANIDADE MENTAL do paciente, expediente que objetivava subtrai-lo do alcance da persecução criminal. (doc. 14). Vislumbrando que se tratava de uma chicana, o que fiz? Simplesmente indeferi, fundamentadamente, o pedido de instauração do incidente e um pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA antes formulado (doc. 15).

Percebe-se, pelo exposto, que, até aqui, nada de relaxação, nada de enganação que é o que, afinal, se espera de um agente público.

Vou prosseguir.

No dia 12 de julho, estando o signatário de férias, o magistrado que respondia pela 7ª Vara Criminal, Dr. FRANCISCO RONALDO MACIEL OLIVEIRA, ouviu a vítima MÁRCIO RODRIGUES DE MAIA VIANA (doc. 16).

Observe do documento que segue junto, Excelência, (doc. 17), que, mais uma vez, não foi localizada a testemunha OLIENE SANTOS ANDRADE, razão pela qual, no mesmo dia 12 de julho, o Dr. FRANCISCO RONALDO MACIEL designou o dia 09 de agosto, para oitiva da última testemunha do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO, junto com todas as testemunhas do rol da defesa.(doc.18).

No dia 09 de agosto, no entanto, só foi ouvida a vítima OLIENE DOS SANTOS ANDRADE, em vista de que, neste dia, as audiências que foram designadas, em face da complexidade dos processos, se prolongaram no tempo, inviabilizando a oitiva das testemunhas do rol da defesa. Nesse mesmo dia, nada obstante, foi designado o dia 31 de agosto para audição das testemunhas do rol da defesa. (doc. 19)

 

IV – A AUDIÇÃO DE TODAS AS TESTEMUNHAS DO ROL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INSTRUÇÃO QUE, AGORA, SÓ DEPENDE DA LOCALIZAÇÃO DAS TESTEMUNHAS DO ROL DA DEFESA.

 

Veja, Excelência, que todos os esforços foram feitos no sentido de concluir a instrução a tempo e hora. Veja, Excelência, ademais, que, tivéssemos melhores condições de trabalho, a instrução há muita teria sido ultimada. Veja, Excelência, outrossim, que o processo sob retina tem recebido deste juízo, como de praxe, as atenções que merece, resultando do exposto que, se atraso há para o encerramento da instrução, ele não decorre de incúria ou inércia da autoridade apontada coatora. Veja, Excelência, finalmente, que, se a instrução não está encerrada, deve-se apenas e tão-somente a razões de ordem superior.

 

V – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO PACIENTE. A INCIDÊNCIA PENAL. CRIME DE NATUREZA GRAVE. O VILIPÊNDIO À ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE QUE AS INSTÃNCIAS FORMAIS DE CONTROLE SOCIAL SE FAÇAM PRESENTES. O PERIGO DA VINGANÇA PRIVADA

 

Não bastassem as justificativas acima expostas, a desautorizar a concessão do mandamus, permissa vênia, não se pode perder de vista que ao paciente o MINISTÉRIO PÚBLICO imputa a prática do crime de ROUBO DUPLAMENTE QUALIFICADO, seguramente um dos crimes mais repugnantes do elenco de tipos penais do nosso ordenamento jurídico.(doc. 20)

Observe da prefacial, Excelência, que o paciente – em companhia de outros indivíduos – assaltou o Bar Paradise, na Av. Litorânea, usando cartucheira e facas, com o que deixou evidenciada toda a sua perigosidade.

Em face do crime imputado ao paciente foi que indeferi o seu pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA.

O indeferimento do pleito do paciente se arrimou, fundamentalmente, na gravidade do crime a ele atribuído e na necessidade conseqüente de se preservar a ordem pública.

 

VI- O TEMPO DE PRISÃO DO PACIENTE. O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. TEMPO DE PRISÃO QUE NÃO O SUBMETE A CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

 

Vossa Excelência sabe, todos sabemos, que, no exame dessas questões, tem-se que levar em conta as peculiaridades de cada caso.

O processo a que responde o paciente, Excelência, guarda certa complexidade, tendo em vista que foi um assalto que vitimou várias pessoas, as quais teriam que ser ouvidas, para que se fixasse bem a continuidade delitiva.

Cediço, em face do exposto, que se se tratasse de uma única ação criminosa, poderia o MINISTÉRIO PÚBLICO até desistir de determinados depoimentos.

Nessa linha de argumentação, ter-se-á que convir, data vênia, que não há excesso e que, não havendo excesso, não há constrangimento ilegal e sem constrangimento ilegal, não deve o paciente ser colocado em liberdade, em face do risco que representa para coletividade.

Vossa Excelência haverá de convir que, em matéria de excesso de prazo, o que importa é atentar ao princípio da razoabilidade, não devendo o intérprete prender-se a meros exercícios de cálculo de prazos para cada ato ou de sua somatória, como se um autômato amoral fosse o juiz, compelido a devolver às ruas facínoras nefandos assim que alcançado um termo artificial elevado ao status de regra suprema, com desprezo e indiferença à necessidade de se resguardar a ordem pública.

Devo ressaltar, à guisa de reforço, que, no cálculo dos 81 dias não estão incluídos os prazos necessários para a prática de atos tais como recebimento da denúncia, prolação de despachos ordinatórios, realização do interrogatório, remessa do inquérito policial a juízo, distribuição, autuação, registro, além de outras providências burocráticas que devem ser tomadas antes que o Ministério Público tenha vista dos autos do procedimento inquisitorial.

No exame dessas questões, nunca perco de vista, Excelência, que a duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana. Tivesse vislumbrado excesso, a considerar o princípio da razoabilidade, de há muito teria colocado o paciente em liberdade, por entender que não é papel de juiz garantista submeter qualquer acusado à tirania do Estado.

 

Atenciosamente,

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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