Relexamento de prisão. Indeferimento.

Processo nº 102312007

Ação Penal Pública

Acusado: J C P, vulgo “Chupa Cabra”

Vítima: Poliana Dias da Silva e outra

Vistos, etc.

 

01. Cuida-se de pedido de Ação Penal, que move o Ministério Público contra J. C.s P., por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do CP.

02. O acusado foi preso e autuado em flagrante, em razão do que permanece segregado. (fls.07/12)

03. O acusado já teve indeferido um de Liberdade Provisória . (fls.88/101)

04. O acusado, agora, postula o relaxamento de sua prisão em flagrante, alegando excesso de prazo para conclusão da instrução. (fls. 137/145)

05. O Ministério Público, instado a se manifestar, opinou pelo deferimento do pleito.(fls. 165/167)

06. Vieram-me os autos conclusos para deliberar

 

07. Anotei acima que o acusado J. C. P., vulgo “Chupa Cabra”, foi denunciado por crime de roubo qualificado, tendo a persecução criminal se iniciado com a prisão em flagrante do acusado.

08. O acusado foi preso em flagrante no dia 1º de maio do corrente e preso continua até a data atual. (fls.07/12)

08.01. A considerar a data do recebimento da denúncia, dia 27 de maio do corrente, o acusado está preso, sob a responsabilidade do signatário, há exatos 109(cento e nove) dias.

08.02 Compreendo que esse tempo de prisão não é irrazoável, razão pela qual entendo que não há constrangimento ilegal e, sem constrangimento ilegal, não estou obrigado a relaxar a prisão do acusado.

09. Incontáveis vezes tenho dito que, nos dias atuais, não se adota mais o critério puramente aritmético para os fins colimados pelo acusado.

09.01. Nos dias de hoje, todos sabemos, o critério é o da razoabilidade. À luz desse critério, não há excesso.

10. No exame dessas questões, releva notar, não se pode perder de vista a grande quantidade de processos a exigir do magistrado dedicação.

10.01 Não se pode, ademais, olvidar que a criminalidade se multiplicou e se sofisticou e o Poder Judiciário, de rigor, não se aparelhou para enfrentar a proliferação de crimes, sobretudo de crimes violentos, como o albergado nos autos sub examine.

10.02 No exame dessas questões ou se flexibiliza o tempo de prisão, ou se adota o critério da razoabilidade, ou se leva em conta das adversidades que enfrentamos, todos os dias, para exercer as nossas atividades, ou, doravante, nenhuma prisão se sustentará.

10.03. No exame dessas questões, não se pode deslembrar, ademais, a gravidade do crime imputado ao acusado.

10.01. Nessa linha de argumentar, compreendo que não se pode colocar em liberdade, sem mais nem menos, assaltantes perigosos, os quais, com a sua ação, já deixam entrever o que são pazes de fazer em liberdade.

11. Com as considerações supra e entendendo, diferente do Ministério Público, que não há excesso para os fins colimados no pleito sob retina, indefiro o pedido de Relaxamento de Prisão formulado por J. C. P., vulgo “Chupa Cabra”.

12. Aguardem os autos em cartório, até a realização da audiência já designada.

Int.

 

São Luis, 13 de setembro de 2007.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Incontáveis vezes tenho reiterado esse entendimento, como se colhe dos excertos abaixo, extraídos dos autos do processo nº 5102007, verbis:

Devo dizer que o legislador não fixou prazo para conclusão da instrução criminal. A definição do prazo em comento é uma criação da jurisprudência. Mesma jurisprudência que, hoje, já não entende a contagem de prazo como mera operação aritmética e que nunca reconheceu o excesso de prazo, quando motivos de força maior conspiram contra a observância dos prazos processuais, ou quando o excesso decorre de fato não atribuível ao juiz condutor do feito.

Nesse contexto, devo registrar que os mesmos Tribunais que calcificaram, no passado, o entendimento de que a instrução criminal deveria estar encerrada em 81(oitenta e um) dias, hoje, numa visão mais atual e consentânea com a nova realidade que se descortina no século vinte e um, já não se fixam mais em prazo estanque, rígido e inexcedível.

Na esteira desse novo entendimento, devo dizer que o que norteia a contagem dos prazos, hoje, para efeito de reconhecimento de estar o paciente submetido, ou não, a constrangimento ilegal, são o princípio da razoabilidade, a complexidade da matéria, o comportamento do julgador e, claro, a contribuição da defesa.

Leia-se, com proveito, as decisões abaixo, verbis:

No mesmo caminho é a decisão que preleciona que “o lapso temporal de 81 dias é uma criação jurisprudencial para estabelecer um referencial à permanência do réu preso, durante a instrução criminal, correspondente à soma dos prazos segundo o Código de Processo Penal, de sorte que, uma vez ultrapassado, está caracterizada a coação ilegal”, sendo certo que tal entendimento admite exceções, a exemplo da instrução atrasada por motivo de força maior, “como a dificuldade da Secretaria da Segurança Pública em apresentar o réu para a audiência de interrogatório, complexidade dos atos processuais, com precata de provas em outra Comarca ou, mesmo, o grande volume de feitos em andamento na Vara ou Comarca presidida pela Autoridade coatora” ( Habeas Corpus nº 381.420/8 – Sumaré – 11ª Câmara – Relator: Luís Soares de Mello – 2/4/2001 – V.U. (Voto nº 6.624)

Não discrepam, outrossim, as decisões que, reiteradamente, têm afirmado que a contagem dos prazos não se faz pela simples soma aritmética, mas, sim, com juízo de razoabilidade” pois que, “é admissível eventual excesso de prazo na instrução criminal se a demora não pode ser imputada ao Juízo”, mesmo porque “o prazo de 81 dias não é matemático, fatal ou peremptório, sendo mera criação jurisprudencial que pode ser dilatada, em face dos acontecimentos de cada caso” Habeas Corpus nº 380.068/4 – Itanhaém – 15ª Câmara – Relator: Décio Barretti – 15/3/2001 – V.U. (Voto nº 4.844).

 Refletindo acerca da gravidade do crime, a justificar a mantença da prisão dos acusados, já ponderei, verbis:

“Os efeitos da violência sobre as vítimas, ao que parece, nunca foram considerados por aqueles que têm o dever de resguardar a ordem pública. Fala-se muito em direitos dos acusados e pouco se pensa na situação das vítimas. Os acusados – que, ao que parece, têm sido a única preocupação dos órgãos persecutórios – empertigados, ufanosos, continuam, depois do crime, levando a mesma vida de sempre: batendo papo na esquina, tomando uma cerveja com os amigos e dançando reggae ao som de uma potente radiola; as vítimas, acabrunhadas, melancólicas, passam a temer a sua própria sombra, evitam sair de casa, deixam de freqüentar as rodas de bate-papo, têm pesadelos, perdem a paz e a tranqüilidade . Os acusados, depois de colocados em liberdade – ou ainda que presos permaneçam – comparecem às audiências de cabeça erguida, imodestos, petulantes, soberbos; as vítimas, deprimidas, desalentadas, são obrigadas a comparecer às audiências sob disfarce, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, amedrontadas, aterrorizadas, pávidas e receiosas. Depois das audiências, os réus deixam o Fórum, sobranceiros, verticais, impávidos, intrépidos; as vítimas, de seu lado, deixam o prédio do Fórum sub-repticiamente, dissimuladamente, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, deprimidas. Pena que esse quadro não seja objeto de preocupação de muitos que, ao que parece, perderam, de vez, a sensibilidade”

Em outra oportunidade ponderei:

“É ressabido que cada um reage de uma forma diante de uma situação de perigo. Algumas pessoas mantém a calma; outras, reagem. As que reagem são exatamente aquelas podem sucumbir diante da arma de um assaltante. Durante uma situação de violência, uma pessoa pode se manter fria e sob controle, outra pode entrar em desespero e pânico. Dois modos diferentes, pessoais, de lidar com a mesma situação de estresse intenso. Diante de um roubador a vítima, para não morrer, tem que se manter calma e fria, ainda que essa não seja a sua natureza. Triste daquela que, sem poder controlar o seu impulso, reage. Essa tem fortíssimas possibilidades de fenecer, de ter a sua vida (seu mais valioso bem), subtraída por um assaltante. E muitas foram as que, por isso, morreram. Os criminosos, muito provavelmente, estão à solta, para, mais uma vez, roubar e, se preciso, matar. É que a sensação de impunidade é uma fortíssima aliada da criminalidade; e a quase certeza da impunidade estimula a prática de crimes”

Sobre a intrepidez do roubador, expendi as seguintes reflexões:

O roubador, armado, fragiliza a vítima, a miniminiza enquanto cidadã, vilipendia o seu sagrado direito de ir e vir que se lhe assegura a Constituição. O roubador, de arma em punho, não mede as conseqüências e, se preciso, mata a vítima para alcançar o seu desiderato. O roubador, na rua, de arma em punho, não é o “santo” que se posta à frente de um juiz na sala de audiência. Ao reverso, é um homem destituído de todo e qualquer sentimento em relação ao semelhante. A vítima, para ele, é apenas um obstáculo que se coloca entre ele e a res furtiva e que precisa ser superado a qualquer custo, ainda que esse custo seja a sua morte (dela, vítima). O roubador, diante de uma vítima indefesa, se torna um monstro, um aberração capaz de qualquer coisa para tornar a sua ação vitoriosa, ainda que para isso tenha que trucidar a vítima e quem mais se interpuser à sua frente.”

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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