O segredo que escraviza

Os que descobriram o segredo do pensamento positivo se encarregaram de disseminá-lo. Aos poucos, por conta da publicação da importante constatação, todos se deram conta dos efeitos benéficos de se pensar positivamente. Esse é o tipo de segredo que deve mesmo ser propagado. Muitas pessoas que pensam – ou pensaram – positivamente conseguiram realizar seus desejos mais profundos. Há notícias, até, de pessoas que foram curadas de determinadas doenças pensando na cura positivamente. Nada mais correto e solidário, pois, que esse segredo fosse disseminado.

Nos dias atuais estão em evidência um livro e um filme que cuidam do segredo como tema de fundo. O filme (The Secret) foi lançado em 26 de março de 2006 e se baseia em descobertas da física quântica. O livro, com o mesmo título, está entre os mais vendidos há várias semanas. Resulta do exposto que o segredo do qual cuidam o livro e o filme são, obviamente, para ser compartilhados, para ser disseminado, enfim, em face dos seus benefícios.

O segredo de que cuidarei nessas reflexões é diametralmente oposto. É para ser guardado sob sete chaves, pois que, publicado, passado adiante, escraviza, fragiliza, faz mal à saúde e à honra do dono do segredo. Reporto-me ao segredo da bandalha, do mal proceder, da vileza, da ignomínia.

A propósito do tema em comento, desejo anotar, a guisa de introdução, que, não sendo filósofo, fui instado a refletir sobre a filosofia de Shopenhauer, ao tempo em que lia o romance de Irvin D. Yalom, intitulado A CURA DE SHOPENHAUER. Várias foram as citações feitas pelo autor, da lavra do ilustrado filósofo, ao longo do romance, as quais, como sói ocorrer, me fizeram meditar. Uma das máximas de Shopenhauer citadas no romance em comento e que me fez devanear foi exatamente sobre o segredo, tema desses articulados. Shopenhauer, afirmou, nesse sentido: “Se não conto o meu segredo, ele é meu prisioneiro. Se o deixo escapar, sou prisioneiro dele”. Essa afirmação me levou a refletir sobre uma máxima popular segundo a qual “se o dono do segredo não foi capaz de guardá-lo, eu, que são sou o seu proprietário, não tenho a obrigação de guardá-lo.

Convenhamos, há muita sabedoria nessas máximas – a popular e a de Shoupenhauer. Do que tenho vivido e testemunhado, é a mais cristalina verdade que o segredo compartido escraviza – claro que estou me reportando ao segredo da bandalha, da depravação, da ignomínia.

Tenho dito e repetido que quem age, na sua vida pessoal e profissional, sub-repticiamente, sob subterfúgios, à calada da noite, fazendo negociações escusas, vendendo a consciência, é escravo do segredo que compartilhou. Esse segredo, porque compartido, o escraviza. Algum um dia, inevitavelmente, inapelavelmente, o que era para ser segredo emergirá. Nesse dia – vou muito além da conclusão de Shopenhauer -, o dono do segredo compartilhado não será apenas prisioneiro dele, mas poderá, dependendo de sua gravidade, ser, até, desmoralizado. Um segredo (vil) compartilhado, não se tem dúvidas, mais dia, menos dias, virá à tona, trazendo consigo as conseqüências que lhe são próprias. Nesse dia, o dono do segredo, já sem domínio do mesmo, pagará um preço alto pelo que fez, pelo que segredou, pela vileza que praticou, que comungou, que compartiu. Nesse dia, não adianta chorar sobre o caldo entornado. E não adianta espernear, pois, ainda que não sofra nenhuma conseqüência de ordem legal, estará desmoralizado para sempre. Os exemplos, nesse sentido, estão aí, à vista de todos.

Diante dessas constatações, há que se afirmar é bom não ter segredo compartido. Na esteira desse entendimento, é relevante não se ter segredo a compartilhar. Claro que me refiro ao segredo que escraviza, do tipo que a consciência e a sociedade recriminam, repugnam. Quem tem segredo a ser desvendado – ou já desvendado – não é mais dono de si, do seu destino, da sua vontade, da sua honra. Quem tem segredo compartido, dependendo do segredo, perdeu a sua autonomia. É um dependente moral, na mesma proporção de quem é dependente de álcool ou de drogas, sem poder, contudo, se a estes comparados, por óbvias razões.

Diante dessas evidências, é muito bom não ter segredos a partilhar – ou partilhados – com ninguém. Nem com a própria família. O bom mesmo, tenha a mais absoluta convicção, é viver sem ter nada a esconder. Não faz bem a alma viver sub-repticiamente, furtivamente. Compreendo que o homem público tem o dever de ser transparente e de agir sempre com retidão. Nesse contexto, seguramente o homem público não corre perigo de ser escravizado, em face de um segredo compartilhado.

Tenho dito, reiteradas vezes, que aquele que, por levar uma vida de fachada, dúbia, multifacetada, esvaecida e dissimulada, tem sempre muitos segredos guardados – e muitos deles compartidos, claro – não é dono de sua vontade, não sabe e não pode ser verdadeiro. A verdade dele é o engodo, a patranha, a fantasia. O escravo do segredo compartilhado tem que viver de dissimulação, de enganação. O escravo do segredo dividido com outrem não é mais dono de suas ações. Está acorrentado, não tem mobilidade. Vive de fachada. Não tem voz ativa. Não pode falar alto. Vive cabisbaixo, soturno, taciturno, melancólico e mal-humorado. O dono do segredo compartido viverá, dependendo do segredo, sob – e sobre – o fio da navalha. Viverá, para todo o sempre, escravizado, manietado pelo segredo que foi obrigado a comungar. Por isso, é muito bom não ter segredos a co-participar com ninguém. É muito bom não ser manietado, não ter grilhões a subjugar a consciência.

É muito bom ser livre. Livre para agir e dizer o que se pensa – com responsabilidade, claro.

O homem público em geral – e o magistrado, em particular – , não pode ter segredos compartilhado com ninguém. O magistrado tem que ser livre para decidir. Tem que ser livre para pensar, para analisar e para decidir. O magistrado sem essas características pode ser tudo, menos magistrado. É um arremedo de magistrado. O magistrado manietado, amarrado pelos segredos que partilhou, pelos favores que recebeu, pelos favores que foi obrigado a fazer, não tem independência. É um magistrado caricatural, é uma imitação ridícula de um juiz. Os afagos, os agrados, os mimos que se recebe, muitas vezes sem a verdadeira percepção do que se esconde em seu entorno, muitas vezes sem maldade, podem, sim, nos escravizar. É preciso, pois, muito cuidado.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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