As lições de Sofia

No meu mundo e de minha mulher havia dois filhos maiores e uma menor; esta, a filha menor,é Bela de Oliveira Almeida, de vulgo “Belinha”. “Belinha” tem dois aninhos, mas já é independente. Come sozinha, bebe sozinha e, até, toma banho sozinha. Nós é que, cuidadosos, muitas vezes ministramos o seu banho. Mas nem precisa. Ela sabe se virar sozinha. Estranho, concordo, uma filha independente aos dois anos de idade. Mas ela é, sim, independente. Não é exagero dizer, até, que tem a sua personalidade definida; não precisa de retoques, portanto.

 

Bela, a“Belinha”, é bela mesmo. Bela, não, belíssima. Linda, convencida, fria, impassível e distante, na maioria das vezes; assim é a adorada Bela. Bela é exuberantemente branca, no que difere, surpreendentemente, dos pais e dos irmãos. Bela parece, muitas vezes, querer distância dos pais e dos irmãos. Ela é excêntrica mesma. Egocêntrica, melhor dizendo. Bem que poderia ser mais unida conosco, mais carinhosa, mais receptiva, menos na dela e mais na nossa. Afinal, a família deve ser unida. Mas não o é e nada mais podemos fazer. Ela tem a personalidade forte e definida, como anotei acima.Aos dois anos, reafirmo, Bela já tinha a personalidade formada. Não muda mais, sabemos disso.

Com as características acima elencadas, “Belinha” tinha – e tem – tudo para ser desprezada. Mas não o é, no entanto. Ao primeiro aceno dela todos caímos aos seus pés. Ela é magnetizante, envolvente, apaixonante – e lindíssima, acima de tudo. Nós a amamos com todos os seus defeitos, afinal o amor de pai e mãe é incondicional.

No final de semana de sete de setembro, ganhamos Sofia de Oliveira Almeida. Diferente, em tudo, de Bela. Chegou magra – quase esquálida -, doente, pelada. E, perdoe-me dizer isso de uma filha, feia à primeira vista.

Quem tem filhos sabe como é difícil tê-los com belezas diametralmente opostas. Essa disparidade, esse detalhe, parecia conspirar contra Sofia. O filho lindo todos querem ter no colo; o feio, muitas vezes, não recebe nenhum aceno, a não ser, claro, dos pais. Todos sabemos disso, muito embora ninguém o admita. Mas o amor de pai e mãe não tem limites certo que, por isso, amamos as duas filhas, ou melhor, os quatro filhos, incondicionalmente.

Belinha veio ao mundo dentro de uma programação, como, aliás, já tinha se dado com os nossos dois filhos que vieram ao mundo antes. Sofia veio ao mundo em condições adversas e não foi programada. Quando ela entrou em nossa vida, desamparada e doente, cuidamos de levá-la ao médico, atualizamos a sua carteira de vacina, cuidamos de sua diarréia, de sua pele, de seu pelo. Hoje ela está bem de saúde. Mas não é bela como Bela. É da natureza dela ser feia exteriormente. Nisso não podemos interferir.

Sofia e Bela, curiosamente, apesar de serem irmãs, não se entendem, não se bicam, não se tocam. São personalidades antípodas. Mas Sofia busca aproximação. Todavia não encontra receptividade em “Belinha”. Ela, “Belinha”, às vezes, parece, até, arrogante. “Belinha” criou uma barreira quase intransponível entre ela e sua irmã. Mas Sofia parece não se abalar com essa situação. Usufrui de todo o conforto que lhe proporcionamos, sem a mais mínima cerimônia. Por ser muito desprendida, galvaniza, às vezes, a ira de Bela e a atenção de todos nós. Para gostar de Sofia e colocá-la no colo, basta dela se aproximar. Ela é doce, carinhosa, derretida. Ela se doa por inteiro nas suas relações com a família.

Sofia chegou quando menos esperávamos, disse-o acima. Imaginávamos que Bela, ou “Belinha”, como a chamamos carinhosamente, seria a nossa última filha. Enganamo-nos. Sofia chegou como um contraponto à beleza, à elegância e à aparente frieza de “Belinha”. Chegou como um contraponto à arrogância e sisudez de “Belinha. Sofia é só humildade. A humildade de Sofia a torna elegante e bela; às vezes mais bela e elegante que Belinha.

O leitor deve estar se perguntando: como pode dois seres, filhos dos mesmos país, ser tão diferentes entre si?

Vou tentar explicar. As duas, “Belinha” e Sofia, são dois bichanos de raças diametralmente opostas. Não são filhos legítimos; foram adotadas. “Belinha” é persa e Sofia , vira-lata. “Belinha” e Sofia são duas gatas maravilhosas que adotamos e as quais dispensamos parcela significativa do nosso tempo e do nosso amor. Elas fazem parte de nossa família.

Depois de um dia de trabalho, convivendo com o mais complexo dos animais que há sobre a terra– o homem –é com elas que recarregamos as nossas baterias para enfrentar o mundo exterior. Nelas, diferente dos homens, não há maldade. Não são maliciosas, não são perniciosas e não assimilam maus exemplos.

Belinha entrou em nossa vida há dois anos, por decisão de toda família; Sofia, no dia 07 de setembro, à revelia dos pais. Ela foi adotada pelos meus filhos quando estávamos viajando. Sofia foi adotada por eles exatamente por ser vira-lata e estar abandonada e muito doente. É claro que, muito doente e feia, só pessoas de coração magnânimo fariam o que fizeram meus filhos. Quase ninguém queria adotar Sofia. Meus filhos o fizeram – e não precisaram sequer nos consultar. Elas sabem que, na nossa família, para fazer o bem, não precisa pedir licença. Eles tem passe livre para dar e assimilar bons exemplos.

Nos dias atuais, com a chegada de Sofia, “Belinha” está, mais do que nunca, na dela; Sofia, está em todas, com todos, na de todos e em todo lugar, esbanjando saúde de simpatia.

“Belinha” continua linda, reservada e altiva. Sofia se entrega por inteiro em suas relações com a sua família. Sofia jamais será bela exteriormente, contudo, como os irmãos que a adotaram, é bela no seu interior.

De “Belinha”, por ser bela, é fácil gostar – e logo à primeira vista. É como qualquer mulher bela. A vontade que se sente é de beijá-la, abraçá-la e fazer mimos – e, até, colocar no colo. Todo mundo quer tirar uma casquinha de “Belinha”. Mas belinha não aceita ninguém, ou melhor, só quando está de bom humor.

De Sofia, ao reverso, por ser feia exteriormente, tenda ser rejeitada. Não são muitos os que, de início, querem colocá-la no colo. O ser humano é assim mesmo. O ser humano é muito previsível. O ser humano é, definitivamente, maniqueísta. Costuma discriminar o feio e sublimar o belo e exuberante, pouco importando com o que há no seu interior. E o faz à primeira vista, a priori, para, só depois, dar-se conta do equívoco que cometeu.

Com Sofia aconteceu o que costuma acontecer em nossas relações com congêneres. Julgamos primeiro, para, só depois, nos dar conta do erro de prejulgar.

Sofia, ao que parece você veio ao mundo para reafirmar que não se deve julgar as pessoas e as coisa pelas aparências, à primeira vista, no primeiro momento.

Sofia, com sua beleza interior, com o seu charme, com a sua humildade, com sua disposição para boa convivência, com sua alegria, com o seu jeito faceiro de ser, nos ministrou mais uma lição e reafirmou o apótema: quem amo o feito, bonito lhe parece.

Agradeço-te, Sofia, por ter, em silêncio, nos dado mais uma lição de vida. Lição que tivemos iterativamente, mas que não absorvemos. O ser humano é mesmo teimoso. Não aprende nunca.

Obrigado,”professora” Sofia.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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