Um pedido juridicamente impossível; um parecer equivocado e descomprometido

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jose.luiz.almeida@globo.com ou jose.luiz.almeida@folha.com.br

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O inquérito policial foi protocolado para o MINISTÉRIO PÚBLICO no dia 11 de fevereiro. (cf. fls.49v.)
A despeito disso, a denúncia – malgrado estivesse preso o então indiciado e em que pese a sua extensa folha penal – só foi ofertada no dia 25 de março do corrente, id est, 42(quarenta e dois) dias depois de protocolado o caderno administrativo para o MINISTÉRIO PÚBLICO.
O mesmo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO que excedeu o prazo, aparentemente sem qualquer razão, reconhece, agora, no parecer lançado em face do pedido sob retina, que o acusado padece de constrangimento ilegal, por excesso de prazo para conclusão da instrução.

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Devo dizer, preliminarmente, que tenha uma relação de absoluta normalidade com os dois promotores com atribuições na 7ª Vara Criminal. Não tenho, portanto, nenhum razão pessoal para desmerece-los. Mas não confundo o público com o privado. A minha amizade com os dois promoteres não me fazem refém de nada.

Qualquer um que se der a trabalho de ler este blog, vai ver que, desde as primeiras postagens, publico despachos nos quais ressalto pontos de divergência com o Ministério Público, com Defendores Público e advogados.  Todavia, ainda assim, tenho relações de absoluta fidalguia com todos esses profissionais.

Desde que postei a primeira matéria neste blog, há três anos, entendi devesse publicar as minhas decisões – sentenças e despachos -, sem receio de desagradar. E o faço na certeza de que não cometo nenhum crime, pois nenhuma decisão aqui publicada foi buscada em processo que estivesse sob o manto do segredo de justiça.

A publicação das minhas decisões, que fique muito claro, não é feita com o objetivo de prejudicar ninguém – nem de atacar quem quer que seja.  O faço, porque entendo que, na condição de servidor público, não tenho segredo – nem eu, nem os promotores de justiça e nem ninguém, daí que vi no meu blog uma oportunidade de divulgar as minhas decisões e as minhas inquietações.

Hoje, passados três anos, com mais de 60.000 (sessenta  mil) acessos, estou convicto de ter amealhado um significativo  e seleto grupo de leitores que se identificam com as minhas posições, razão pela qual não posso retroceder.

Devo dizer que, assim como aponto o omissão do Ministério Público, o faço, também, com as omissões do Poder Judiciário. E não me excluo dessa crítica. Eu sou mais exigente comigo mesmo que com qualquer outra pessoa.

Aquele que se omite, exercendo um múnus público, tem que sofrer as consequencias de sua omissão, ainda que a punição seja apenas moral.

Na decisão que publico a seguir, por exemplo, mais uma vez o representante do Ministério Público (7ª Promotoria), passou mais de 40(quarenta dias) para ofertar a denúncia, conquanto o acusado estivesse preso e houvesse notícia nos autos de ser contumaz infrator.

Na mesma decisão, o mais inusitado: o acusado foi preso em flagrante, mas requereu, por sua procuradora,  a revogação de sua prisão preventiva. E o Ministério Público, mais uma vez desatento, opina pelo indeferimento do pedido, sem se dar conta de que se trata de um pedido juridicamente impossível.

Mais grave ainda. O Ministério Público reconhece que o acusado está sofrendo constrangimento ilegal, em face do tempo de sua prisão, contudo, ainda assim, pugna pela manutenção do ergástulo, por compreender que se trata de pessoa perigosa; perigosidade que não o estimulou a apresentar denúncia no tempo que lhe confere a lei.

Para não prejudicar o acusado, recebi o pleito como se fora um pedido de liberdade provisória, para, alfim, indeferi-lo, em face dos antecedentes do acusado.

Não sou o dono da verdade, razão pela qual, quando publico as minhas decisões, sei que estou correndo o risco de ser contestado. Mas é isso que espero. A partir das divergências, se temos espírito público, todos nós ganhamos.

Vou antecipar, a seguir, alguns trechos da decisão em comento.

Em determinado fragmento da decisão, estupefato com a postura do Ministério Público,  anotei, verbis:

  • Estupefaciente, ainda, é o mesmo representante ministerial, no mesmo parecer, reconhecer o excesso de prazo e, de consequencia, o constrangimento ilegal infligido ao acusado, tendo sido ele próprio o responsável pelo excesso que diz ter ocorrido, em face do tempo em que passou de posse do almanaque extrajudicial, sem se dignar a denunciar ora acusado, como se verá, adiante, com mais vagar.

Mais adiante, obtemperei, litteris:

  • De qualquer sorte, tendo o caderno administrativo se perdido nos labirintos da burocracia do MINISTÉRIO PÚBLICO ou tendo sido desprezado numa das gavetas do representante ministerial da 7ª Promotoria da Capital, o certo que o único responsável mesmo pela postergação da instrução criminal é o MINISTÉRIO PÚBLICO.

Noutro fragmento, lamentei:

  • O que se deve lamentar – e o faço constrangido, mas impelido pelo meu espírito público – é que o representante ministerial, responsável pelo excesso, reconhece, candidamente, no seu parecer, estar o acusado submetido a constrangimento ilegal, tendo sido ele, ao que salta aos olhos, o verdadeiro, senão único, responsável pelo excesso.
  • O que se deve lamentar, ademais, que nem mesmo a extensa folha penal do acusado animou o representante ministerial a ofertar a denúncia no prazo que lhe confere a lei.

Acerca do excesso alegado pelo Ministério Público, anotei, verbis:

  • Felizmente, ao que vejo dos autos, o excesso que alega existir o MINISTÉRIO PÚBLICO, decorre de um erro de interpretação, tendo em vista que, a considerar a data do recebimento da denúncia, o acusado está preso, sob a responsabilidade deste juízo, há exatos 43(quarenta e três) dias, disso se podendo inferir que excesso não há, como, de resto, constrangimento também não existe.

 

A seguir, o despacho, integralmente.

PROCESSO Nº 23232009
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADO:FÁBIO MARANHÃO RODRIGUES, VULGO FABICA
VÍTIMA: INCOLUMIDADE PÚBLICA

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra FÁBIO MARANHÃO RODRIGUES, vulgo Fabica, devidamente qualificado nos autos, por incidência comportamental no artigo 14 da Lei 10.826/2003, c/c artigo 329 do CP.

A representante legal do acusado pediu a REVOGAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA que teria sido editado em desfavor do acusado. (fls.02/06)

O MINISTÉRIO PÚBLICO opinou pelo indeferimento. (fls. 27/28)

Vieram-me os autos conclusos para deliberar.

01.00. A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado.(fls.07/10)

02.00. A despeito de ter sido o acusado preso em flagrante, a sua representante legal, equivocadamente, pediu a REVOGAÇÃO DE SUA PRISÃO PREVENTIVA.

03.00. Mais equivocado, ainda, é o parecer do MINISTÉRIO PÚBLICO, no sentido de que fosse indeferido o pleito. (cf. fls. 27/28)

03.01. É dizer: o representante ministerial, ao que parece, não examinou o processo com o devido esmero.

04.00. Estupefaciente, ainda, é o mesmo representante ministerial, no mesmo parecer, reconhecer o excesso de prazo e, de consequencia, o constrangimento ilegal infligido ao acusado, tendo sido ele próprio o responsável pelo excesso que diz ter ocorrido, em face do tempo em que passou de posse do almanaque extrajudicial, sem se dignar a denunciar ora acusado, como se verá, adiante, com mais vagar.

05.00. Examinando os autos principais e o pedido formulado (apenso), constato que há, sim, um DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA em desfavor do acusado; só o que o decreto se refere ao processo nº 17268/2008, e não ao processo sob retina, disso decorrendo o equívoco do pleito formulado e, na mesma balada, do parecer ofertado.( cf. fls. 21 dos autos principais)

06.00. Conclusão do exposto: a postulante se equivocou ao pedir a revogação de um decreto de prisão preventiva que não existe, e o MINISTÉRIO PÚBLICO, mais curioso ainda, embarcou na canoa, opinando pelo indeferimento do pleito.

07.00. Estando o acusado preso em flagrante, permissa vênia, duas alternativas se apresentavam à postulante:
I – o relaxamento da prisão; ou
II – a liberdade provisória.

07.01. Dispondo dessas duas vias, que não se excluem, a defesa optou, equivocadamente, por uma terceira via, inviável juridicamente, muito embora, aos olhos do MINISTÉRIO PÚBLICO, devesse ser examinado e indeferido o pleito.

08.00. Conquanto tenham se equivocado o postulante e o MINISTÉRIO PÚBLICO, entendo deva examinar o pleito, como se pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA fora, para que não seja prejudicado o acusado, em face de uma desatenção da defesa e do próprio representante ministerial.

09.00. Mas antes de examinar o pleito, devo, a guisa de esclarecimento, fazer algumas anotações, em face do que afirmei acima, acerca do excesso de prazo protagonizado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.

10.00. O inquérito policial foi protocolado para o MINISTÉRIO PÚBLICO no dia 11 de fevereiro. (cf. fls.49v.)

10.01. A despeito disso, a denúncia – malgrado estivesse preso o então indiciado e saltando aos olhos a sua extensa folha penal – só foi ofertada no dia 25 de março do corrente, id est, 42(quarenta e dois) dias depois de protocolado o caderno administrativo para o MINISTÉRIO PÚBLICO.

11.00. O mesmo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO que excedeu o prazo, aparentemente sem qualquer razão, reconhece, agora, no parecer lançado em face do pedido sob retina, que o acusado padece de constrangimento ilegal, por excesso de prazo para conclusão da instrução.

12.00. Ante a constatação supra, ou seja, de que a denúncia foi ofertada a destempo, compreendo ser necessário, urgentemente, saber se o inquérito policial se perdeu nos labirintos da burocracia do MINISTÉRIO PÚBLICO ou se, ao invés, o representante ministerial que denunciou o acusado foi negligente e, por isso mesmo, responsável pelo excesso de prazo que diz estar consolidado.

13.00. De qualquer sorte, tendo o caderno administrativo se perdido nos labirintos da burocracia do MINISTÉRIO PÚBLICO ou tendo sido desprezado numa das gavetas do representante ministerial da 7ª Promotoria da Capital, o certo que o único responsável mesmo pela postergação da instrução criminal é o MINISTÉRIO PÚBLICO.

14.00. O acusado, disse-o acima, foi preso em flagrante, por incidência comportamental no artigo 14 do ESTATUTO DO DESARMAMENTO.

15.00. Inobstante o crime que se imputa a prática ao acusado não seja de especial gravidade, compreendo que a manutenção de sua prisão se mostra necessária, tendo em vista tratar-se de contumaz infrator.

15.01. O acusado, com efeito, tem uma folha penal invejável, convindo anotar que há contra o mesmo até titulo executivo judicial, i.e., decisão judicial transitada em julgado.

15.01.01. Nesse sentido cumpre consignar que o acusado responde aos processos-crime nºs 195441999, 53682000, 103562004, 15022008, 20082008, e 84872009.

16.00. É cediço, pois, que o acusado, com essa extensa folha penal, não faz por merecer a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, que, sabe-se, pressupõe a inexistência dos motivos que autorizam o carcer ante tempus.

17.00. O que se deve lamentar – e o faço constrangido, mas impelido pelo meu espírito público – é que o representante ministerial, responsável pelo excesso, reconhece, candidamente, no seu parecer, estar o acusado submetido a constrangimento ilegal, tendo sido ele, ao que salta aos olhos, o verdadeiro, senão único, responsável pelo excesso.

18.00. O que se deve lamentar, ademais, que nem mesmo a extensa folha penal do acusado animou o representante ministerial a ofertar a denúncia no prazo que lhe confere a lei.

19.00. Felizmente, ao que vejo dos autos, o excesso que alega existir o MINISTÉRIO PÚBLICO, decorre de um erro de interpretação, tendo em vista que, a considerar a data do recebimento da denúncia, o acusado está preso, sob a responsabilidade deste juízo, há exatos 43(quarenta e três) dias, disso se podendo inferir que excesso não há, como, de resto, constrangimento também não existe.

20.00. À vista dos antecedentes do acusado, reafirmo, em face de tudo que acima expus, que o mesmo não faz por merecer a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, pois que tem convivência perigosa em sociedade e é contumaz infrator, contra o qual existem, até, títulos executivos judiciais.

21.00. Da mesma forma, não deve ser colocado em liberdade o acusado, tendo em vista que excesso de prazo não há, a considerar, claro, a data do recebimento da denúncia.

22.00. Com as considerações supra, INDEFIRO o pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA sob retina, para, de conseqüência, manter a prisão em flagrante do acusado, revigorada, agora, em face desta decisão, porque o acusado, em liberdade, pode, sim, com muita probabilidade, voltar a agredir a ordem pública.

23.00. Deste despacho dê-se ciência ao MINISTÉRIO PÚBLICO e defesa.

24.00. Acostar cópia desta decisão aos autos principais.

São Luis, 13 de maio de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Um pedido juridicamente impossível; um parecer equivocado e descomprometido”

  1. Execelente blog, quiçá todos os juízes atuassem dessa forma pedagógica.

  2. Como dedicado e estudioso do Direito Penal, sempre procuro nas suas decisões buscar uma melhor opinião sobre os julgamentos diversas espécies de delitos. Acredito fielmente que as publicações das suas “decisões e inquietações”, enquanto servidor público demonstra a responsabilidade que o Senhor tem com o seu trabalho.Demais, deixam inconcusso e cristalinamente transparecer que não têm o objetivo de “prejudicar ninguém – nem de atacar quem quer que seja”. Continue com a suas publicações. Retroceder jamais. Finalizo ressaltando, que me identifico com as suas posições, bem como sou um dos leitores assíduo de suas publicações.

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