O mais perigoso dos animais

No dia de ontem, terminei a leitura de 1808, de Laurentino Gomes, livro que trata da fuga de D. João VI de Portugal para o Brasil, depois de ser escorraçado por Napoleão Bonaparte.

Tudo no livro é de fácil e agradável leitura. Mas, como todo bom livro, nele há passagens nauseantes, que tornam a leitura, às vezes, engulhante.

As passagens arrepiantes que contém o livro servem apenas para confirmar o que tenho dito acerca do ser humano: é o animal mais perigoso, traiçoeiro e dissimulado da face da terra. Das traições, das dissimulações, do perigo que representa o homem nenhum de nós pode dizer que está livre. E, convenhamos, se o homem, em condições normais, trai e é perigoso, imagine você o que pode fazer este homem se tem o poder nas mãos, ainda que seja um naco, uma migalha de poder .

Nessa linha de pensar e a propósito do livro de Laurentino Gomes, lembro, estarrecido e perplexo, a passagem em que nos traz à lembrança, em detalhes, as torturas infligidas aos escravos no país sob o domínio do feioso e malcheiroso soberano D. João VI.

O autor, a propósito, enumera três instrumentos que, à época do reinado de D. João VI, eram usados com regularidade para torturar: o chicote, o tronco e os grilhões. A punição mais comum, lembra o autor, é o açoite, nas costas ou nas nádegas, quando o escravo praticava alguma infração.

Havia uma recomendação, à época, no sentido de que as chibatadas não ultrapassassem quarenta por dia, para não mutilar o escravo. Mas há relatos, segundo autor, que davam conta de duzentos, trezentos ou até seiscentos açoites.  Em face da quantidade enorme de chibatadas, as costas ou as nádegas dos escravos ficavam em carne viva. Como não havia antibiótico e o risco de morte por gangrena ou infecção generalizada era grande, banhava-se o escravo com uma mistura de sal, vinagre ou pimenta malagueta, numa tentativa de evitar a infecção das féridas.

Indago, a par do exposto: o homem é ou não é o mais perigoso, violento e dos animais?

Indago, ainda: você pensa que as torturas, nos dias atuais, desapareceram?

Vou mostrar-lhes, depois, que, hodiernamente, alguns homens que detém um fragmento de poder ainda continuam torturando. Não com a mesma intensidade. Mas, de qualquer forma, torturando. E tortura é tortura, seja com chibatada, seja com coronhada de revólver ou chutes da cara.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.