Entendo da maior importância, dentre outros dados, o interrogatório do acusado para que o magistrado decida acerca de um pedido de liberdade provisória. É por isso que, muitas vezes, prefiro decidir só depois de ouvir o acusado, porque entendo que os dados amealhados em sede administrativa não trazem elementos absoltamente confiáveis acerca dos fatos – para o bem e para o mal. Essa cautela tem dado certo até aqui, cumprindo anotar, todavia, para espancar interpretações equivocadas, que quando o direito à liberdade se mostra às inteiras, não há que se esperar pela realização do interrogatório do acusado, porque, aí sim, seria uma arbitrariedade, atitude incompatível com o que se espera – e exige – de um magistrado garantista.
Mas retomemos o tema central deste. Pois bem. Há, claro, os que concordam e os que discordam dessa posição, qual seja, de aguardar a realização do interrogatório, pelo menos, para examinar um pleito liberatório. Os que discordam certamente pensam que o magistrado é um autômato descomprometido e deve decidir ao primeiro impulso, ainda que não disponha de dados confiáveis; esses sobrelevam o interesse pessoal sobre o coletivo. Os que concordam sabem, seguramente, que decidir pela manutenção ou pela liberdade de um acusado não é brincadeira, sobretudo nos dias atuais, onde se vê grassar a violência; violência que não escolhe vítimas, que atinge a todos nós indistintamente. Todos nós, com efeito, podemos, a qualquer momento, ser vitimados pela violência. Todos nós podemos – hoje, agora, amanhã ou a qualquer momento – sucumbir diante da arma de um meliante.
Mas devo prossiguir. Os interrogatórios tomados em sede extrajudicial, via de regra – pelo menos é o que alegam os acusados e é o que tenho constatado ao longo dos anos – vêm impregnados de vícios, os quais podem, se examinados sem critério, fazer protrair no tempo uma prisão provisória ou, lado outro, antecipar a liberdade de um acusado. Na primeira hipótese pode-se prolongar a prisão ante tempus de um acusado sem nenhuma perigosidade e, na segunda vertente, por razões díspares, pode-se, sim, antecipar a liberdade de quem não faz por merecê-la. Pelo sim e pelo não, o melhor caminho mesmo é decidir, correndo todos os riscos, após a realização do interrogatório judicial – pelo menos. A partir do interrogatório judicial, se for realizado com acuidade, com responsabilidade, com dedicação, o juiz pode, sim, fazer uma avaliação do caráter, da perigosidade, da propensão para o ilícito, da sensibilidade, enfim, de determinado acusado – com a possibilidade, sempre presente, de cometer erros, claro. A partir de indagações simples pode-se concluir, dentre outras coisas, se o acusado tem sentimento gregário ou se, ao reverso, prefere o isolamento. Se valoriza a família, a igreja, a escola e outras instituições, ou se, ao contrário, as encara como algo irrelevante para vida em sociedade. Se é reacionário, irrascível, intempestivo, calmo, reflexivo ou comedido. Se alterna momentos de profunda tristeza com momentos de extrema alegria e como costuma agir diante desses dois extremos. Se o crime a si atribuído se constitui em um problema para sua vida ou se o encara como algo desprezível. Se se mostra verdadeiramente arrependido em face do crime que cometeu, ou se encara esse fato com indiferença.
Traçado o perfil psicológico do acusado, ainda que de que forma amadora, vez que o magistrado não tem formação acadêmica para essa avaliação, o juiz pode, com o mínimo de segurança, decidir acerca de sua liberdade provisória, sem desconsiderar, claro, os demais elementos probatórios que compõem o acervo consolidado nos autos.
Importa anotar que quando relevo a importância do interrogatório não estou obscurecendo, por exemplo, a palavra do ofendido – sobretudo nos crimes contra os costumes e nos crimes praticados em lugares ermos – e demais provas. O que pretendo demonstrar com essas reflexões é, tão-somente, que o interrogatório, muitas vezes, pode, sim, formar a convicção do magistrado de que tal e qual acusado, em liberdade, não se constituiu numa ameaça à ordem pública.
Ainda recentemente, a roborar os argumentos aqui esgrimidos, decidi-me, depois de um interrogatório, pela liberdade de um réu acusado de crime de roubo, decisão que surpreende, uma vez que, todos sabem, não costumo conceder, como regra, liberdade provisória a quem pratica crimes violentos contra a pessoa. Todavia, mesmo cuidando-se de crime praticado com violência, conclui – correndo o risco de estar equivocado, claro – que o acusado podia responder ao processo em liberdade, porque, desde meu olhar, não se trata de uma pessoa perigosa.
A propósito, transcrevo, a seguir, excertos da decisão em comento.
Processo nº 215342007
Ação Penal Pública
Acusado: W.B. A., vulgo “Olhão”
Vítima: Roseane Pinheiro Barros
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra W. B. A., vulgo “Olhão”, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, II, do CP.
A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado.(fls.06/20)
A defensoria pública pediu o relaxamento da prisão do acusado ou a sua liberdade provisória.(fls.40/44)
O pleito foi indeferido em decisão circunstanciada acostada aos autos.
O pleito, agora, após o interrogatório do acusado, foi reiterado.
Vieram-me os autos conclusos para decidir.
Depois da realização do interrogatório do acusado, pude entrever que ele, apesar do crime que lhe imputa a prática o Ministério Público , pode, sim, responder ao processo em liberdade.
O acusado, ao que inferi do seu depoimento, não me pareceu ser um homem perigoso, justificar a manutenção de sua prisão provispória.
O crime é grave? É. O acusado merece ser punido exemplarmente? Merece, desde que, claro, reste provada a sua culpabilidade.
Malgrado o exposto, entendo que deva, sim, beneficiar o acusado com sua liberdade provisória, porque, repito, a mim não me pareceu ser perigoso, nem me ocorre que da sua liberdade possa resultar prejuízo à instrução criminal.
Todos sabem que não concedo, de regra, liberdade provisória a quem se imputa a autoria de crime praticado com violência ou ameaça de violência contra a pessoa. Todavia, sempre tenho sublinhado, cada caso deve ser examinado a partir de suas peculiaridades.
Examinado o processo, a partir de suas particularidades, sobretudo no que se refere à pessoa do acusado, entendo que deva, sim, a ele facultar responder ao processo em liberdade, porque de sua liberdade, repito, não entrevejo que decorrera prejuízo à ordem pública, à instrução criminal e à aplicação da lei penal.
Sobreleva anotar que, ao examinar o primeiro pleito, o acusado sequer tinha sido interrogado. Não dispunha o processo, pois, de outros elementos que não os amealhados em sede administrativa. Agora, com o interrogatório do acusado, é diferente. Agora posso ver que, ao que parece, não se trata de pessoa perigosa. Repito: ao que parece. Posso, ou não, estar equivocado.
Com as considerações supra, concedo ao acusado W. B. A., vulgo “Olhão”, Liberdade Provisória, para que, solto, aguarde o seu processamento e julgamentos, tudo de conformidade com o que estabelece o parágrafo único do artigo 310, do Digesto de Processo Penal.
Tome-se-lhe o compromisso.
Expeça-se o necessário alvará de soltura.
Int.
São Luís, 26 de novembro de 2007
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Tive o prazer e a satisfação de assistir na 7ª Vara o interrogatório do acusado em questão. A oportunidade me fez refletir quão difícil é ser magistrado.
No caso específico o acusado tinha acabado de completar a maioridade penal e afirmou que o seu maior sonho era ter seu pai de volta em sua casa. E a sua maior alegria era estar ao lado da mãe.
Poderia ser que tudo que o réu tivesse dito fosse mentira, mas a experiencia e a liberdade de convencimento do julgador são essenciais para proferir uma decisão como essa que acredito, com meus limitados conhecimentos, ter sido a melhor para a sociedade.