Sentença condenatória. Crime de roubo duplamente qualificado e consumado

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jose.luiz.almeida@globo.com ou jose.luiz.almeida@folha.com.br 

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Os assaltantes não escolhem cor, credo, raça, idade ou posição social. Assaltam o pobre, o preto, o branco, o rico, o alto, o baixo, o bonito, o feio, o desembargador, o juiz, o ministro do Supremo Tribunal Federal, o Ministro da Fazenda, o filho do ministro, o amigo do ministro, o promotor de justiça, o filho do promotor, o delegado, o policial, o defensor público, a criança, o adulto, o velho, o novo, o sadio e o doente. E qualquer um pode sucumbir diante da arma de um assaltante, bastando, para tanto, que se tente frustrar-lhes a expectativa. Nesse contexto deve-se, sim, punir o meliante, exemplarmente, para preservar o pouco de liberdade que ainda nos resta e para desestimular a prática de crimes. Nós, julgadores, não podemos nos aliar à arrogância e ao descaso de nossas elites e governantes, para os quais essas questões só são levadas à ribalta no período eleitoral. 
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Maranhão
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Publico a seguir uma sentença condenatória que, para mim, é emblemática; emblemática porque traduz o dia a dia de uma vara criminal.  O dia a dia de uma vara criminal, para quem não sabe, para quem vive distante do nosso mundo, é o processamento de jovens, muitos da classe média, que assaltam, infernizam a nossa vida, com o único objetivo: conseguir dinheiro para beber e consumir drogas.

No caso sub examine, os acusados, três jovens, sairam num carro de um deles para uma noitada. Em determinado momento, sem dinheiro para prosseguir a farra, sairam em busca de uma vítima.A primeira que encontraram assaltaram. Mas não se limitaram a assaltar. Foram além. Decidiram espancar a vítima, injustificadamente. Depois do assalto, que pouco lhes rendeu, foram presos e, agora, condenados.

O assalto é o flagelo dos nossos dias. E, mais grave ainda –  o que mais causa indignação – , é que 99% dos assaltam são, repito,  praticados por jovens, com o único objetivo: amealhar dinheiro para beber ou consumir drogas.

Aqueles que pensam que os assaltam ocorrem por causa das injustiças sociais, é bom repensar e fazer uma pesquisa nas varas criminais.

Em determinado fragmento, preocupado com os abalos psicológicos infligidos às vítimas, consignei, como o tenho feito iterativamente:

“[…] Os efeitos da violência sobre as vítimas, ao que parece, nunca foram considerados por aqueles que têm o dever de resguardar a ordem pública. Fala-se muito em direitos dos acusados e pouco se pensa na situação das vítimas. Os acusados – que, ao que parece, têm sido a única preocupação dos órgãos persecutórios – empertigados, ufanosos, continuam, depois do crime, levando a mesma vida de sempre: batendo papo na esquina, tomando uma cerveja com os amigos e dançandoao som de uma potente radiola; as vítimas, acabrunhadas, melancólicas, passam a temer a sua própria sombra, evitam sair de casa, deixam de frequentar as rodas de bate-papo, têm pesadelos, perdem a paz e a tranquilidade. Os acusados, depois de colocados em liberdade – ou ainda que presos permaneçam – comparecem às audiências de cabeça erguida, imodestos, petulantes, soberbos; as vítimas, deprimidas, desalentadas, são obrigadas a comparecer às audiências sob disfarce, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, amedrontadas, aterrorizadas, pávidas e receosas. Depois das audiências, os réus deixam o Fórum, sobranceiros, verticais, impávidos, intrépidos; as vítimas, de seu lado, deixam o prédio do Fórum sub-repticiamente, dissimuladamente, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, deprimidas. Pena que esse quadro não seja objeto de preocupação de muitos que, ao que parece, perderam, de vez, a sensibilidade […]

Noutro fragmento, anotei, na mesma senda do que venho dizendo há muitos anos:

[…] Vivemos uma quadra difícil. A violência bate à nossa porta. As vítimas fatais da violência se multiplicam. Ontem foi o vizinho, o conhecido, amanhã pode ser uma pessoa muito mais próxima de nós. Os meliantes estão cada dia mais ousados. Enquanto os meliantes agem com sofreguidão, nós agimos com frouxidão. O Estado está de cócoras diante do criminoso e da criminalidade. Eles nada temem. Eles não respeitam ninguém – nem pai, nem mãe, nem polícia, nem promotor, nem juiz e nem o papa. Essa falta de respeito decorre do fato de eles não acreditarem em nossas instituições. Eles não acreditam na repressão. Tudo para eles é superável. Tudo para eles é irrelevante. A impunidade os estimula a pensar assim. Até a vida do semelhante, se necessário, eles subtraem para a consecução do seu intento. Para eles, tudo é menor, tudo é insignificante. O que lhes importa mesmo é o bem da vítima porque, de posse dele, realizam alguns dos seus desejos mais prementes – o uso de drogas e de álcool. E o que é pior, com o comprazimento, com a complacência de muitos.
Nós todos – juízes, promotores, polícias, etc. – temos que sair da inércia. O promotor de justiça tem que deixar o gabinete e sair à procura de provas. O juiz tem o dever de agir com rigor e sofreguidão. Nós não podemos ficar aguardando que as provas caiam do céu como por encanto. Não podemos, desalentados, desanimados, deixar que os meliantes nos intimidem. Nós não podemos, entorpecidos, estagnados e sonolentos esperar que apenas a parte interessada pela liberdade do acusado traga provas aos autos. Essa letargia, essa paralisia, essa tibieza nos apresentam fracos, anêmicos e covardes diante do meliante e da opinião pública. Em face da nossa aparente (?) frouxidão, da nossa timidez, o meliante se sente mais forte, mais ousado, mais destemido […]

 

A seguir, a sentença, por inteiro.

PROCESSO Nº 21936/2004
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADOS: J.. E OUTROS
VÍTIMA: R. L. R. D.

 

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra J.., vulgo “Cacau”, G.., vulgo “Metal”, e C.., todos qualificados na inicial, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do Código Penal, em face de, no dia 09 de dezembro de 2004, por volta de 01h00 da madrugada, terem assaltado o senhor R. L. DOS R. D., de forma violenta, espancando-o com paus e pedradas, roubando-lhe um aparelho celular Nokia, uma carteira porta cédulas contendo documentos e R$ 8,00 (oito reais)

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante dos acusados (fls.08/12).

Auto de apreensão, apresentação e restituição às fls. 17.

Recebimento da denúncia às fls. 58.

O acusado G.. foi qualificado e interrogado às fls.71/73, J.O.A, às fls.74/76 e C… (fls. 77/79)

Defesa prévia de J.. às fls. 91/92.

Durante a instrução criminal, foram ouvidas as testemunhas L. H. DOS A. DE P. (fls. 127/129), J. S. DE S. (fls. 129/130), R. L. R. D. (fls. 131/132), R. L. DOS R. (fls. 143/144), L. G. DA S. (fls. 229/230) e E. F. (fls. 231/232).

Em alegações finais, o MINISTÉRIO PÚBLICO postulou a condenação dos acusados, nos termos da denúncia (fls.236/248).

A defesa de J..A, de seu lado, pediu a sua absolvição, por absoluta falta de provas, com espeque no inciso VI, do artigo 386, do CPP (fls.251/258).

O acusado G., por seu procurador, pediu a sua absolvição, por entender que a prova amealhada não é suficiente para dar sustentação a um decreto de preceito sancionatório (fls.263/264).

C., a seu tempo e modo, pediu a sua absolvição, por inexistir provas de que tenha auxiliado de qualquer forma na efetivação do delito (fls.266/272).

Relatados. Decido.

01.00. O Estado, por seu órgão oficial, propôs a presente ação penal contra J.., vulgo “Cacau”, G..A, vulgo “Metal”, e C.., todos qualificados na proemial, por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II do Digesto Penal.

02.00. A conduta típica é subtrair, tirar, arrebatar coisa alheia móvel, empregando o agente violência, grave ameaça ou qualquer outro meio para impedir a vítima de resistir.
03.00. O objeto material é a coisa alheia móvel.

03.01. Coisa, para o direito penal, é qualquer substância corpórea, material, ainda que não tangível, suscetível de apreensão e transporte.

04.00. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se traduz na vontade de subtrair, com emprego de violência, grave ameaça ou outro recurso análogo, com a finalidade expressa no tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem (animus furandi ou animus rem sibi habend).

05.00. O crime sob retina se consuma, segundo consagrou a jurisprudência, com a inversão da posse, id. est, quando o agente tem a posse mais ou menos tranquila da res, ainda que por pouco tempo, ou que a res esteja fora da esfera de vigilância da vítima.

06.00. O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, menos o seu proprietário, na medida em que o tipo exige que a coisa seja alheia. O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor, ou até mesmo o detentor. É indiferente, ademais, a natureza da posse.

07.00. Sob essas diretrizes, passo ao exame das provas consolidadas nos autos, para, somente alfim e ao cabo do exame, concluir se os acusados, efetivamente, atentaram, ou não, contra a ordem pública, como pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO com a propositura da presente ação.

08.00. A primeira fase teve início com o auto de prisão em flagrante dos acusados. (fls.08/12)

09.00. Na fase administrativa, o acusado J.. confessou a autoria do crime, dizendo que combinaram praticar o ilícito para abastecer o carro que conduzia e para prosseguirem na bebedeira (fls. 10/11).

10.00. G. também confessou o crime, dizendo que, ao tempo do fato, estava com os demais acusados e de PERIELSON, que teria espancado a vítima (fls.11).

11.00. C., diferente dos demais acusados, negou a autoria do crime, embora admitisse estar, ao tempo do fato, em companhia dos demais acusados e de P. (fls. 12).

12.00. De se destacar, na mesma fase, o depoimento de P. A. que, do mesmo modo, também confessou a autoria do crime, dizendo estar em companhia dos demais acusados (fls. 10)

13.00. Importa realçar que o crime foi praticado estando os acusados no veículo Fiat Premio, do acusado J., vulgo “Cacau”.

14.00. Na mesma fase, foram apreendidos vários bens em poder dos acusados, dentre os quais um aparelho celular e a bolsa da vítima (fls. 17).

15.00. Foi apreendido, ademais, o veículo Fiat Premio, do acusado J.., vulgo “Cacau”, instrumento utilizado na prática do crime (ibidem).

16.00. Finalmente, deve-se destacar, na sede preambular da persecutio criminis, o depoimento do ofendido, que narrou o crime e identificou os seus autores, in casu, os acusados J., vulgo “Cacau”, C. e G., vulgo “Metal” – além, claro, do menor P. (fls.10).

17.00. O ofendido declarou que era o acusado G.quem estava armado com um revólver, com o qual ameaçou disparar nele, ofendido (ibidem).

18.00. Com esses e outros dados igualmente relevantes, encerrou-se a fase administrativa da persecução criminal.

19.00. O MINISTÉRIO PÚBLICO, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial (informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra J., G. e C., imputando a eles o malferimento do preceito primário ( preceptum iuris) do artigo 157 do Digesto Penal, com as qualificadoras decorrentes do emprego de arma e concurso de pessoas, por terem assaltado R. L. R. D., fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.

20.00. Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emergem, dentre outras, o interrogatório dos acusados (audiatur et altera pars).

21.00. O acusado G. disse, às fls. 71/73, dentre outras coisas:

I – que não é verdadeira a imputação que lhe é feita;
II – que, no dia do fato, estava em companhia dos demais acusados e do menor Perielson;
III – que estavam num veículo conduzido pelo acusado J. do C. T. S..
IV – que a vítima era conhecida de P.;
V – que avistaram a vítima;
VI – que P. pediu que parassem o carro;
VII – que, subitamente, percebeu que P. e a vítima estavam se atracando no chão;
VIII – que todos desceram do carro e a vítima tentou fugir;
IX – que nesse momento P. jogou uma pedra na vítima;
X – que a vítima, ao correr, deixou cair um celular;
XI – que o menor se apoderou do celular;
XII – que só ficou sabendo que o menor se apoderou da carteira da vítima na delegacia; e
XIII – que pensaram que a vítima era amiga do menor.

22.00. Lembro, à guisa de esclarecimento, que o depoimento do acusado G. nesta sede, discrepa, no essencial, do depoimento que prestou na sede periférica da persecução criminal, portanto, logo após a prática do crime.

22.01. Naquela oportunidade, admitiu ter participado do assalto, praticando atos de execução, do qual também teriam concorrido C. e P., permanecendo no interior do veículo apenas J. (cf. fls.11).

23.00. Lembro, ademais que, segundo P.E, em seu depoimento tomado em sede extrajudicial, quem teve a idéia do assalto foi “Cacau” e que, logo após a prática do crime, gastaram com cervejas o dinheiro do ofendido (fls.10).

24.00. Vou prosseguir analisando as provas judiciais.

25.00. Em seguida, foi ouvido o acusado J., que, às fls. 74/75, asseverou:

I – que não é verdadeira a imputação feita a ele;
II – que, com os demais acusados e P., no dia do fato, foram para Choperia Marcelo e lá, com exceção de P., tomaram cinco cervejas e rumaram para a casa de Grasiano, no São Bernardo, pois o carro estava com problema;
III – que, depois, avistaram o ofendido, e Perielson pediu para que parasse o carro;
IV – que conhecia a vítima de vista;
V – que P. tinha uma rixa com o ofendido;
VI – que P. e a vítima começaram a brigar;
VII – que pediu a todos que descessem do carro para separar a briga;
VIII – que a vítima, com medo, empreendeu fuga e foi atingido por uma pedrada nas costas, lançada por Perielson;
IX – que o menor mostrou que tinha se apoderado do celular e da carteira porta cédula da vítima;
X – que não denunciou o fato à polícia, porque o delegado poderia não entender.

26.00. Anoto que o depoimento discrepa da confissão do acusado em sede extrajudicial, bem assim dos demais depoimentos, inclusive o prestado por P.

27.00. Finalmente, foi ouvido o acusado G., às fls. 77/79, que negou a autoria do crime, a exemplo dos demais acusados.

28.00. Observo que o depoimento do acusado, por um erro da Secretaria, não está completo.

28.01. De tal fato, no entanto, não resultará a ele qualquer prejuízo, visto que, como os demais acusados, limitou-se a negar a autoria do crime, daí que o seu depoimento, conquanto incompleto, não lhe influenciará na verdade substancial.

28.01.01. E tanto é verdade, que a defesa em nenhum momento fez qualquer referência a essa questão.

29.00. Sobreleva consignar que o acusado G., em sede inquisitória, confessou a autoria do crime, dizendo, dentre outras coisas, às fls. 11:

I – que estavam todos no carro de “Cacau”;
II – que, no São Bernardo, com exceção de “Cacau”, todos desceram do carro e abordaram a vítima;
III – que, liderados por P., assaltaram a vítima;
IV – que apenas Perielson espancou a vítima.

30.00. Prosseguindo a produção de provas, foi ouvida a testemunha L. H. DOS A. DE P., policial militar, cujo depoimento está prenhe de detalhes relevantes acerca da autoria do crime.

31.00. Do depoimento de L. H. DOS A. DE P., às fls.127/128, destaco os seguintes excertos:

I – que se encontrava de serviço, quando recebeu a notícia, via rádio, da ocorrência de um assalto, na Av. Guajajaras;
II – que as informações davam conta de que os autores do assalto utilizaram um veículo Fiat Premio, de cor preta;
III – que por volta das quatro e trinta da manhã, localizou o Fiat premio, na Maiobinha;
IV – que abordou as quatro pessoas que se encontravam no Fiat;
V – que no interior do veículo foi encontrado um aparelho celular;
VI – que a vítima, no Plantão Central, reconheceu os acusados como autores do assalto;
VII – que, depois de uma busca mais detalhada, encontraram no interior do Fiat, ou com um dos acusados, uma bolsa porta-cédulas da vítima;
VIII – que a vítima não hesitou em apontar os acusados como autores do assalto.
IX – que a vítima disse que foi espancada;
X – que a vítima apresentava hematomas.

32.00 J. S. DE S., policial militar que também diligenciou no sentido de localizar os autores do fato, às fls. 129/130, disse:

I – que, ao tempo do fato, se encontrava de serviço;
II – que recebeu a notícia do assalto, via rádio;
III – que os autores do assalto utilizaram um Fiat premio;
IV – que fizeram buscas e localizaram o Fiat premio na Maiobinha;
V – que os acusados negaram qualquer participação no ilícito;
VI – que fizeram revista no Fiat e encontraram um aparelho celular;
VII – que, depois, entraram em contato com a vítima, que se dirigiu à delegacia e reconheceu os quatro condutores do Fiat como autores do assalto; e
VIII – que a carteira porta-cédulas e o aparelho celular da vítima foram encontrados em poder dos acusados.

33.00. R. L. R. D., ofendido, às fls.131/132, afirmou:

I – que um Fiat Premio parou e do seu interior desceu um menor, o qual, armado com um pedaço de pau, anunciou o assalto;
II – que lhe foi subtraído uma carteira porta-cédulas e um aparelho celular;
III – que dentro do veículo havia outras pessoas;
IV – que os ocupantes do Fiat permaneceram em seu interior;
V – que não participaram da ação de Perielson;
VI – que reconheceu P. como autor do assalto; e
VII – que não reconhece os acusados como autores do fato, vez que, como disse antes, os demais ocupantes do Fiat permaneceram no seu interior.

34.00 O ofendido, reinquirido, às fls. 143/144, retificou parte do seu depoimento, dizendo, agora,

I – que, em verdade, no dia do fato, desceram duas pessoas do veículo Premio, ou seja, P. e G.;
II – que G. limitou-se a ficar próximo à porta do Fiat, não tendo participado, portanto, da ação de Perielson;
III – que se recorda de ter ouvido G. apenas chamar P., dizendo que era para irem embora logo, porque senão iria “sujar”; e
IV – que só apontou os demais acusados como autores do crime, porque eles estavam no Fiat, daí por que concluiu que pudessem ter participado do crime.

35.00. Ultimando a instrução, foram ouvidas as testemunhas do rol da defesa – L. G. DA S. (fls. 229/230) e E. F. (fls. 231/232) – que nada souberam acerca do crime.

36.00. Concluído o exame da prova produzida, vou, a seguir, expender as minhas conclusões acerca da autoria do crime de que tratam os autos sub examine.

37.00. A questão é de desate simples.

37.01. Com efeito, os acusados, com o propósito de prosseguir a orgia que haviam começado, e pelo fato de já estarem sem dinheiro, resolveram praticar o assalto, usando como instrumento, na linha de frente, na prática de atos de execução, o menor P.

38.00. Os acusados, não se perca de vista, na sede extrajudicial, presos em flagrante, sem noção da gravidade do crime que praticaram, confessaram, sem tergiversar, a sua autoria.

39.00. A confissão dos acusados em sede inquisitória foi ratificada pelo menor P., que, já se sabe, praticou os atos de execução, espancando a vítima, inclusive.

40.00. Os mesmos acusados, agora em sede judicial, já conscientes da gravidade do crime que praticaram, resolveram, em uníssono, negar a autoria do mesmo, imputando-a, exclusivamente, ao menor P.(cf.fls.71/73 e 74/76).

41.00. Os acusados, vejo dos depoimentos em comento, para dar sustentação à sua palavra, afirmaram que P. tinha uma rixa antiga com o ofendido, razão pela qual, no dia do fato, pediu que parassem o veículo e partiu para cima da mesma, para resolver, na marra, com as próprias mãos, as pendências que havia entre eles.

42.01. Só que, curiosamente, na resolução dessa desavença de antanho, P. se apropria do celular e da carteira porta-cédulas do ofendido, bens que, já se sabe, foram apreendidos, depois, em poder dos acusados.
43.00. Relembro que o ofendido, em nenhuma passagem dos depoimentos que prestou, quer em sede extrajudicial (fls. 09) quer em sede judicial (fls.131/132 e 143/144), fez qualquer menção a possíveis desavenças entre ele e o menor P., do que se infere que o entrevero ou rixa, ou seja lá o que for, nunca houve entre o ofendido e o menor em referência.

44.00. Na sede extrajudicial, convém relembrar, o ofendido, sem titubeio, sem enleio, afirmou que do Fiat Premio desceram três homens e foi abordado subitamente por eles, sendo espancado com paus e pedras, para, em seguida, lhe subtraírem o aparelho celular, a carteira porta-cédulas e a importância de R$ 8.00 (oito reais) (cf. fls.09).

45.00. Em sede judicial, o ofendido tergiversou, com a clara intenção de proteger os acusados, por razões que não foram esclarecidas devidamente.

45.01. Assim é que, no primeiro depoimento, disse que apenas P.. desceu do carro (Fiat Premio, conduzido pelo acusado J.) e, armado com um pedaço de pau, anunciou o assalto, permanecendo os demais acusados no interior do veículo (cf. fls.131).

46.00. Reinquirido, o ofendido admitiu que o acusado G. desceu do veículo, na hora do assalto.

46.01. Disse, ademais que, em determinado momento da ação criminosa, G. teria chamado P., advertindo-o de que, se não fossem logo embora, iria “sujar” (cf. fls.143).

47.00. Essa manifestação do acusado G. é mais do que sintomática: é reveladora do liame subjetivo que existia entre os acusados e os menores.

48.00. Todos eles – acusados e menor – estavam voltados para o mesmo desiderato, qual seja, o de praticar um assalto, indiferentes em relação à vítima, que poderia ser qualquer um: Pedro, José, João, Paulo ou Francisco.

49.00. A verdade é que a vítima do assalto foi escolhida aleatoriamente. Para os acusados, isso não tinha a menor relevância.

49.01. O que importava mesmo era conseguir dinheiro para prosseguir a orgia que já haviam iniciado.

50.00. R. L. R. D. foi a vítima, porque, como se diz comumente, estava no lugar errado, na hora errada.

51.00. Os acusados tinham um claro objetivo: amealhar pecúnia para prosseguir a noitada.

51.01. E com esse objetivo traçado, não mediram as consequências. Saíram em busca de uma vítima. E, mais grave, ainda, agiram com violência.

52.00. Pode ser, sim, que os atos de execução tenham sido protagonizados apenas pelo menor P. Pode ser que sim, pode ser que não. Isso, inobstante, é irrelevante para definição da responsabilização penal dos autores do fato. É pouco relevante para definição do concurso de pessoas. Não concorre para o crime apenas aquele que pratica atos de execução.

52.01. Aquele que instiga e auxilia também dá a sua contribuição, pouco importando que tenha praticado atos de execução.

53.00. A propósito do concurso de pessoas, importa consignar que, nos dias atuais,

“em face do novo sistema penal, é bem nítida a diferença entre autoria e participação. Esta, que pode ser moral (instigação) ou material (cumplicidade), exige o exame da colaboração do partícipe, para que ele seja responsabilizado ‘na medida de sua culpabilidade'” (JUTACRIM 91/268).

54.00. No mesmo sentido, a decisão segundo a qual
“ocorre a participação quando o agente, não praticando atos executores do crime, concorrer de qualquer modo para sua realização. Ele não comete a conduta descrita pelo preceito primário da norma, mas pratica uma atividade que contribui para a formação do delito”( RT 572/393).

55.00. Do almanaque probatório, entrevejo que os demais acusados, conquanto não tenham praticado atos de execução, concorreram, sim, para a realização do crime, contribuíram, sim, para formação do delito.

56.00. Os acusados, todos no Fiat conduzido pelo primeiro denunciado, J., usando o menor como instrumento de sua vontade, instigaram-no a praticar o crime – e com violência contra o ofendido, o que é mais grave ainda.

57.00. Dessa ação resultou que lograram alcançar uma pequena importância, um aparelho celular e a carteira porta-cédulas do ofendido, bens que, sabe-se, foram encontrados em seu poder (exceção feita ao dinheiro), a reafirmar, quantum satis, a sua participação no ilícito.

58.00. O ofendido, é verdade, por razões que a mim me parecem claras, em face de tudo que testemunhei ao longo da instrução – proteger, pelo menos, o acusado J. -, tergiversou, tanto que, no mesmo dia, logo em seguida, vendo-o claudicante, resolvi reinquiri-lo, oportunidade em que, com muita relutância – relutância de quem não quer se comprometer -, afirmou que um dos acusados, G., desceu do veículo na hora do assalto.

59.00. O ofendido reiterou que os demais acusados – J. e C.LA – permaneceram no veículo, como se esse fato os isentasse de responsabilidade pelo crime que praticaram.

60.00. A propósito do concurso de pessoas, lembro que, ao que dimana do conjunto probatório, P. – quiçá instigado pelos demais acusados – realizou o verbo típico, concretizou, enfim, a descrição do crime; os demais acusados, é bem de se ver, apenas auxiliaram o menor, mas contribuíram, de toda sorte, para a realização do projeto criminoso.

61.00. Do que entrevejo das provas, houve clara divisão de tarefas na execução do crime. Os atos executórios, v.g., ficaram sob a responsabilidade do menor – exatamente por ser menor; a instigação, o auxílio e o apoio logístico ficaram a cargo dos demais acusados.

62.00. Cada um dos acusados, a seu modo, foi responsável por um elo da cadeia causal, desde a cogitação até a execução do crime.

63.00. Os demais acusados, posso afirmar, sempre em face da prova produzida, foram por assim dizer, os executores de reserva, ou seja, presenciaram a execução material do crime, “permanecendo na expectativa de eventual intervenção”, razão pela qual devem ser responsabilizados na condição de coautores. (RJDTACrim SP, 6:234)

63.01. A roborar a conclusão supra, chamo atenção para a intervenção do acusado G., no momento em que interveio chamando o menor, à alegação de que o planto poderia “sujar” se demorassem mais em sua execução.

64.00. Pode-se argumentar, até, numa análise menos rigorosa, que os acusados não tivessem nenhum poder diretivo, que não tiveram o domínio finalista do fato, que tudo tenha sido mesmo por obra e graça do menor P..

64.01. Ainda assim, a meu sentir, tiveram conduta acessória para o comportamento típico do menor, auxiliando-o na prática delitiva, tanto que permitiram que o mesmo entrasse no veículo com o produto do crime.

65.00. Admitamos, só pelo prazer de argumentar, que o menor tivesse o domínio do fato.

65.01. Essa constatação, de relevo que se anote, não exclui a responsabilidade penal dos acusados, os quais, conquanto não tivessem o domínio funcional do fato, possuíam o domínio da vontade da própria conduta, atuando como colaboradores laterais.

65.01.01. Lucubrando, posso especular que o delito podia, até, não pertencer ao acusados, originariamente. Todavia, é forçoso convir, teriam colaborado, com a sua ação, com a realização de um crime alheio, id est, do menor P.

66.00. O indutor, o determinador, o instigador ou auxiliador, conquanto partícipes do crime, porque não praticaram atos de execução material, devem ser responsabilizados na medida de sua culpabilidade.

67.00. Os acusados e o menor, vejo das provas, agiram, cada um na sua medida, com o mesmo objetivo, qual seja o de desfalcar o patrimônio do ofendido, fato que efetivamente ocorreu, como se viu acima, à exaustão.

68.00. Parte da res mobilis – a pecúnia – saiu, definitivamente, da esfera de disponibilidade do ofendido; a outra parte – celular e carteira porta-cédulas – saiu, temporariamente, da esfera de disponibilidade do ofendido, mas, ainda assim, por tempo considerável.

69.00. Posso concluir, à luz do exposto, que o crime sob retina restou consumado.

70.00. A doutrina, nessa questão, segue a mesma balada.

71.00. GUILHERME DE SOUZA NUCCI, a propósito, afirma direto, sem delonga, incisivo que o momento consumativo do roubo se dá

“quando o agente retira o bem da esfera de disponibilidade e vigilância da vítima” (Manual de Direito Penal, Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 664).

72.00. JÚLIO FABBRINI MIRABETE, de seu lado, afirma, espancando, de vez, a tese da posse tranquila da res, que

“o crime de roubo somente se consuma, como o furto, com a inversão da posse, ou seja, nos termos da jurisprudência francamente dominante, se o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da coisa, ainda que por breve momento, fora de esfera de vigilância da vítima” (Código Penal Anotado, ob. cit., p. 951).

73.00. RENE ARIEL DOTTI, a seu tempo e modo, ensina que o crime restará consumado,

“quando o sujeito ativo realiza em todos os seus termos a figura delituosa, em que o bem jurídico penalmente protegido sofreu efetiva lesão ou a ameaça de lesão que se exprime no núcleo do tipo” (Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2ª Edição, Editora Forense, p. 325/326).

74.00. Na mesma direção é a lição de FERNANDO CAPEZ, para quem

“o roubo se consuma no momento em que o agente subtrai o bem do ofendido”. Prossegue o celebrado professor afirmando que “subtrair é retirar contra a vontade do titular”, para, mais adiante, concluir que, ” levando-se em conta esse raciocínio, o roubo estará consumado tão logo o sujeito, após o emprego de violência ou grave ameaça, retire o objeto material da esfera de disponibilidade da vítima, sendo irrelevante se chegou a ter a posse tranqüila ou não da res furtiva” (Curso de Direito Penal,.Parte especial, Vol. II, Saraiva, . p.399)

75.00. Na mesma toada é a lição do preeminente e notável professor LUIZ REGIS PRADO, segundo o qual

“o roubo próprio consuma-se com o efetivo apossamento da coisa, ainda que por lapso temporal exíguo, na posse tranqüila do sujeito ativo, que dela pode dispor” (Curso de Direito Penal brasileiro,Vol. II, Editora Revista dos Tribunais, 5ª Edição, 2005, . p.440).

76.00. Na mesma senda é a ensinança do egrégio JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI para quem

“o delito de roubo próprio consuma-se quando a coisa sai do âmbito de proteção do sujeito passivo e o sujeito ativo tem a sua posse tranqüila, ainda que por pouco tempo” (Manual de Direito Penal brasileiro, Parte Especial, Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.375).

77.00. Os Tribunais têm decidido, iterativamente, na mesma senda, ao proclamarem, à exaustão, que

“a consumação do roubo se dá no momento da apreensão da coisa pelo agente, independentemente de haver ele exercido ou não posse duradoura e tranqüila. A rápida recuperação da coisa e a prisão do autor do delito não constituem motivos para operar-se a desclassificação do crime de roubo para a sua forma tentada” ( TJAP – ACr 171003 – (6781) – C.Única – Rel. Des. Honildo Amaral de Mello Castro – DOEAP 02.06.2004 – p. 22).

78.00. No mesmo rumo é a decisão segundo a qual

“para a caracterização do roubo na forma consumada, basta que haja a inversão da posse da coisa subtraída, ainda que por breve momento, mediante a cessação da grave ameaça ou violência à pessoa” (TJAP – ACr 146502 – C.Ún. – Rel. Juiz Conv. Luciano Assis – DJAP 19.04.2004 – p. 12).

79.00. Não destoa a decisão que proclama que

“o crime de roubo se consuma quando a coisa subtraída sai da esfera de proteção e disponibilidade da vítima, ingressando na do agente, estando, ainda que por breve tempo, em posse mansa e tranqüila deste […]” (TJES – ACr 035980222133 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama – J. 30.06.2004).

80.00. No mesmo rumo já decidiu, incontáveis vezes, o TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DE SÃO PAULO, segundo o qual

“o crime de roubo se consuma a partir do momento em que a vítima tem o bem subtraído mediante violência ou grave ameaça, não se exigindo que o agente tenha posse tranqüila da res furtiva, sendo irrelevante que o acusado seja detido logo em seguida ao início da fuga” (Apelação nº 1.330.205/0, Julgado em 03/10/2.002, 8ª Câmara, Relator: Roberto Midolla, RJTACRIM 63/128).

81.00. Os acusados foram denunciados por roubo biqualificado, id est, pelo emprego de arma e pelo concurso de pessoas.

82.01. Refletindo, agora, sobre as qualificadoras, importa dizer que a decorrente do concurso de pessoas é incontroversa; sobre o emprego de arma, inobstante, creio que se há de fazer algumas ponderações.

83.00. Paus e pedras, com efeito, podem ser consideradas armas, para os fins de tipificação da qualificadora em comento?

84.00. À indagação responde que sim.

85.00. Arma, todos nós sabemos, é todo instrumento normalmente destinado ao ataque ou defesa.

86.00. As armas podem ser próprias (armas de fogo e brancas) e impróprias (paus, pedras, facas de cozinha, canivetes, barras de ferro, chuço, etc.).

87.00. Posso afirmar, a par do exposto que, tendo o menor se valido de paus e pedras, no sentido de inviabilizar a defesa do acusado, não tenho dúvidas acerca da qualificadora decorrente do emprego de arma.

88.00. Os Tribunais não dissentem nessa questão, ao proclamarem que

Em sede de crime de roubo, a utilização de barra de ferro permite o reconhecimento da qualificadora de emprego de arma, dado que é instrumento dotado de poder vulnerante, além de ser capaz de infundir medo na vítima” (RJDTACRIM 32/320).

89.00. Haverá quem argumente, para hostilizar esta decisão, que barra de ferro não é pedaço de pau. É verdade, sim. São duas coisas distintas, é bem de ver-se.

89.01. Ocorre que ambos – pedaço de ferro ou pedaço de pau – podem como se deu no caso presente, produzir o efeito desejado pelo autor do fato.

89.01.01. E se isso aconteceu, como aconteceu efetivamente, a qualificadora restará tipificada, a mais não poder.

90.00. Nessa senda, releva consignar, é a mais conspícua jurisprudência, destacando-se, dentre tantas, a que proclama, verbis:

Se o emprego de arma na prática do roubo produziu o efeito desejado, qual seja intimidar, ao menos momentaneamente, a vítima, a majorante deve ser aplicada, pouco importando o contra-ataque. (JTAERGS 101/64)

91.00. Persistindo no exame da quaestio, agora numa outra vertente, a propósito do concurso de pessoas e da tese esposada na defesa do acusado C. J. C. DA S., em sede de alegações finais, sobreleva consignar que

No caso de roubo praticado em concurso de agentes, o fato de apenas um dos elementos encontrar-se armado não implica a descaracterização do delito em relação aos comparsas, nem sendo o caso de falar-se em participação de menor importância. (RDTACRIM 22/387)

92.00. Importa dizer, ademais, que

Se é fato único, embora complexo, resultaria absolutamente ilógico que, considerando-se um elemento puramente objetivo, como é o emprego de arma, alguns dos partícipes respondessem por roubo simples e outros por roubo qualificado. (RT 591/360).

93.00. Digo mais, para espancar, definitivamente, qualquer argumento tendente a afastar a qualificadora em comento, que

A segura imputação de vítima de roubo, cuja idoneidade não foi abalada, presta-se também a comprovar a circunstância do inciso I do §2º do artigo 157, sem embargo da falta de apreensão da arma. (JTJ 179/276).

94.00. Em face, ainda das teses da defesa, convém anotar, a propósito do concurso de pessoas, já referido algures, que

A simples presença de duas pessoas em um assalto é suficiente para intimidar a vítima, convertendo-se em roubo a ação furtiva. É ainda pacífico o entendimento de que o concurso de duas pessoas qualifica o roubo, ainda que um deles seja menor inimputável. (RT 694/345)

95.00. Seguindo a mesma trilha dos argumentos aqui expendidos, a propósito do concurso de pessoas, a decisão segundo a qual

A pluralidade de agentes e a diversidade de condutas não impedem a convergência objetiva e subjetiva dos vários atos de participação no sentido do resultado comum, convergência que é o lastro sobre o qual se apoia a figura do concurso criminoso. (RT 550/286)

96.00. Ante o eventual argumento de que somente o menor praticou atos de execução, importa grafar, para defenestrar o argumento, que

A co-autoria não exige atos de execução material, como disparos de tiros. Identifica-se pela efetiva cooperação do agente na prática delituosa, pela unidade de propósitos vinculando os co-autores das diversas ações, dirigidas ao resultado final desejado ou, mesmo, assumido como dolo eventual. (RT 663/320)

97.00. Os acusados, com o menor P., cada um a seu modo, agiram de forma a compor a figura típica total.

98.00. No crime de roubo (unissubjetivo, registre-se), é, sim, possível que alguém dele participe, como provavelmente podem ter feito os acusados J. e C., a considerar a palavra do ofendido, sem praticar atos de execução material, o que não significa que não devam ser responsabilizados criminalmente.

99.00. Desde o meu olhar, por tudo que extraí do almanaque probatório, todos os acusados concorreram do mesmo modo e com a mesma intensidade para a realização do crime.

100.00. Todos os acusados estiveram na linha de frente ao ensejo da prática do crime. Não há, pois, a meu sentir, participação de menor importância a autorizar a diminuição da pena, ex vi legis.

101.00. Os acusados, reafirmo, com sua ação, vilipendiaram a ordem pública, praticando crime grave, que está a exigir de todos nós, responsáveis pelas instâncias persecutórias, ação tenaz, no sentido de puni-los exemplarmente.

102.00. Vivemos uma quadra difícil. A vida em sociedade está se tornando impraticável, em face das ações desmedidas e descontroladas dos marginais, que nos afrontam a qualquer hora, em qualquer lugar.

103.00. Os assaltantes, conforme podemos ver e sentir, têm tornando a vida em sociedade quase impraticável, fato que nos deixa inseguros até mesmo dentro de nossa própria.

104.00. Os meliantes, especialmente os roubadores, têm agido sem peais, e nada tem conseguido fazê-los refluir.

105.00. A criminalidade cresce a olhos vistos, e muitos de nós, autoridades, parece que estamos insensíveis diante desse quadro.

106.00. Eu me recuso, nessa questão, a ser mais um a cruzar os braços.

107.00. Diante da criminalidade, máxime a violenta, não se faz concessões, não se age timidamente, contemplativamente.

108.01. É preciso rigor, tenacidade, desejo de contribuir para tirar de circulação os que teimam em destruir a paz social.

109.00. Em várias decisões tenho refletido sobre essas questões, com especial preocupação com o que me parece o flagelo dos dias presos, ou seja, o crime de roubo.

110.00. Incontáveis foram as vítimas que sucumbiram diante da arma de um assaltante.

110.01. Esse número tende a se multiplicar se não nos motivarmos para combater essa criminalidade, de forma implacável.

111.00. E não adianta dizer que as desigualdades sociais são a causa da criminalidade crescente, pois 100% dos roubadores que julguei, fizeram-no apenas para usar droga ou consumir bebidas alcoólicas.

112.00. A propósito da disseminação desse tipo de crime e da inoperância de nossas instituições de controle formal, já ponderei nos termos abaixo, litteris:

“[…] Vivemos uma quadra difícil. A violência bate à nossa porta. As vítimas fatais da violência se multiplicam. Ontem foi o vizinho, o conhecido, amanhã pode ser uma pessoa muito mais próxima de nós. Os meliantes estão cada dia mais ousados. Enquanto os meliantes agem com sofreguidão, nós agimos com frouxidão. O Estado está de cócoras diante do criminoso e da criminalidade. Eles nada temem. Eles não respeitam ninguém – nem pai, nem mãe, nem polícia, nem promotor, nem juiz e nem o papa. Essa falta de respeito decorre do fato de eles não acreditarem em nossas instituições. Eles não acreditam na repressão. Tudo para eles é superável. Tudo para eles é irrelevante. A impunidade os estimula a pensar assim. Até a vida do semelhante, se necessário, eles subtraem para a consecução do seu intento. Para eles, tudo é menor, tudo é insignificante. O que lhes importa mesmo é o bem da vítima porque, de posse dele, realizam alguns dos seus desejos mais prementes – o uso de drogas e de álcool. E o que é pior, com o comprazimento, com a complacência de muitos.
Nós todos – juízes, promotores, polícias, etc. – temos que sair da inércia. O promotor de justiça tem que deixar o gabinete e sair à procura de provas. O juiz tem o dever de agir com rigor e sofreguidão. Nós não podemos ficar aguardando que as provas caiam do céu como por encanto. Não podemos, desalentados, desanimados, deixar que os meliantes nos intimidem. Nós não podemos, entorpecidos, estagnados e sonolentos esperar que apenas a parte interessada pela liberdade do acusado traga provas aos autos. Essa letargia, essa paralisia, essa tibieza nos apresentam fracos, anêmicos e covardes diante do meliante e da opinião pública. Em face da nossa aparente (?) frouxidão, da nossa timidez, o meliante se sente mais forte, mais ousado, mais destemido […]”. (Essas e outras reflexões você encontra no site www.joseluizalmeida.com )

113.00. Tem sido uma preocupação constante, para mim, a situação das vítimas pós-trauma decorrente de sua submissão à violência – ou ameaça de violência – de um crime da relevância do tratado nos autos sob retina.
114.00. Dessa constante preocupação resultaram as ponderações a seguir transcritas, publicadas no mesmo sítio, verbis:

“[…] Os efeitos da violência sobre as vítimas, ao que parece, nunca foram considerados por aqueles que têm o dever de resguardar a ordem pública. Fala-se muito em direitos dos acusados e pouco se pensa na situação das vítimas. Os acusados – que, ao que parece, têm sido a única preocupação dos órgãos persecutórios – empertigados, ufanosos, continuam, depois do crime, levando a mesma vida de sempre: batendo papo na esquina, tomando uma cerveja com os amigos e dançandoao som de uma potente radiola; as vítimas, acabrunhadas, melancólicas, passam a temer a sua própria sombra, evitam sair de casa, deixam de frequentar as rodas de bate-papo, têm pesadelos, perdem a paz e a tranquilidade. Os acusados, depois de colocados em liberdade – ou ainda que presos permaneçam – comparecem às audiências de cabeça erguida, imodestos, petulantes, soberbos; as vítimas, deprimidas, desalentadas, são obrigadas a comparecer às audiências sob disfarce, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, amedrontadas, aterrorizadas, pávidas e receosas. Depois das audiências, os réus deixam o Fórum, sobranceiros, verticais, impávidos, intrépidos; as vítimas, de seu lado, deixam o prédio do Fórum sub-repticiamente, dissimuladamente, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, deprimidas. Pena que esse quadro não seja objeto de preocupação de muitos que, ao que parece, perderam, de vez, a sensibilidade […]”. (Essas e outras reflexões você encontra no site www.joseluizalmeida.com).

115.00. Não tem sido incomum, aqui e algures, um acusado ser preso hoje, e ser colocado em liberdade no dia seguinte.

115.01. Esse quadro é desalentador. Por ser desalentador, sobre ele também expendi considerações – também publicadas no mesmo sítio – nos termos a seguir, litteris:

“[…] A comunidade em que vivem o acusado e a vítima, sobreleva refletir, não entenderia como é que se afronta, de forma acerba, a ordem pública, e, em seguida, o meliante é colocado em liberdade, recebendo um “passaporte”, chancelado pelos agentes públicos, para, outra vez, macular e afrontar a ordem pública.
Essa situação, esse quadro, essa sensação, não tenho dúvidas, trazem descrença à nossas instituições – PODER JUDICIÁRIO, MINISTERIO PÚBLICO e POLÍCIA – e, mais grave ainda, estimula o exercício arbitrário das próprias razões.
A sociedade tem que acreditar, precisa acreditar que nós, agentes públicos, estamos vigilantes, atentos para, sendo o caso, tirar de circulação aqueles que teimam em afrontar a ordem pública, como se vivessem em terra sem dono e sem ordem.
Por essas e por outras razões é que tenho indeferido, sem hesitação, os pedidos formulados nesse sentido, em homenagem à ordem pública.
A perigosidade do autor de crimes desse jaez desautoriza a restituição de sua liberdade. A ordem pública não pode ficar à mercê das ações criminosas desse matiz, ainda que o acusado seja primário e possuidor de bons antecedentes.
É lamentável que muitos só se sensibilizem com a violência quando têm um membro de sua família vitimado por ela.
Ante situações iguais a essas, não faço concessões, não tergiverso, não faço graça. A liberdade de um meliante vem sempre em detrimento das pessoas de bem. Dá-se liberdade a eles e nós outros somos compelidos a renunciar à nossa. A ordem pública, por isso, reclama a manutenção da prisão do acusado, em sua homenagem.
Reconheço os efeitos deletérios da prisão, máxime a não decorrente de um título executivo definitivo. Essa é uma questão que a todos preocupa, mas que não pode ser invocada como razão para colocar em liberdade quem demonstra não ter qualquer preocupação com a ordem estabelecida […]”. (Essas e outras reflexões você encontra no site www.joseluizalmeida.com).
116.00. Sobre a ação descontrolada dos meliantes, já tive a oportunidade de afirmar, no mesmo espaço, verbis:
Os assaltantes não escolhem cor, credo, raça, idade ou posição social. Assaltam o pobre, o preto, o branco, o rico, o alto, o baixo, o bonito, o feio, o desembargador, o juiz, o ministro do Supremo Tribunal Federal, o Ministro da Fazenda, o filho do ministro, o amigo do ministro, o promotor de justiça, o filho do promotor, o delegado, o policial, o defensor público, a criança, o adulto, o velho, o novo, o sadio e o doente. E qualquer um pode sucumbir diante da arma de um assaltante, bastando, para tanto, que se tente frustrar-lhes a expectativa. Nesse contexto deve-se, sim, punir o meliante, exemplarmente, para preservar o pouco de liberdade que ainda nos resta e para desestimular a prática de crimes. Nós, julgadores, não podemos nos aliar à arrogância e ao descaso de nossas elites e governantes, para os quais essas questões só são levadas à ribalta no período eleitoral. (Essa e outras reflexões você encontra no site www.joseluizalmeida.com) .

117.00. Diante da notícia da morte de várias pessoas que ousaram reagir a um assalto, observei:

“[…] É ressabido que cada um reage de uma forma diante de uma situação de perigo. Algumas pessoas mantêm a calma; outras reagem. As que reagem são exatamente aquelas que podem sucumbir diante da arma de um assaltante. Durante uma situação de violência, uma pessoa pode se manter fria e sob controle, enquanto outra pode entrar em desespero e pânico. Dois modos diferentes, pessoais, de lidar com a mesma situação de estresse intenso. Diante de um roubador, a vítima, para não morrer, tem que se manter calma e fria, ainda que essa não seja a sua natureza. Triste daquela que, sem poder controlar o seu impulso, reage. Essa tem fortíssimas possibilidades de fenecer, de ter a sua vida (seu mais valioso bem), subtraída por um assaltante. E muitas foram as que, por isso, morreram. Os criminosos, muito provavelmente, estão à solta, para, mais uma vez, roubar e, se preciso, matar. É que a sensação de impunidade é uma fortíssima aliada da criminalidade; e a quase certeza da impunidade estimula a prática de crimes […]”. (Essas e outras reflexões você encontra no site www.joseluizalmeida.com).

118.00. Ainda sobre a situação da vítima diante do seu algoz , expendi as seguintes anotações, verbis:

“[…] O roubador, armado, fragiliza a vítima, miniminiza-a enquanto cidadã, vilipendia o seu sagrado direito de ir e vir, que lhe é assegurado pela Constituição. O roubador, de arma em punho, não mede as consequências e, se preciso, mata a vítima para alcançar o seu desiderato. O roubador, na rua, de arma em punho, não é o “santo” que se posta à frente de um juiz na sala de audiência. Ao reverso, é um homem destituído de todo e qualquer sentimento em relação ao semelhante. A vítima, para ele, é apenas um obstáculo que se coloca entre ele e a res furtiva e que precisa ser superado a qualquer custo, ainda que esse custo seja a sua morte (dela, vítima). O roubador, diante de uma vítima indefesa, se torna um monstro, um aberração capaz de qualquer coisa para tornar a sua ação vitoriosa, ainda que para isso tenha que trucidar a vítima e quem mais se interpuser à sua frente […]”. (Essas e outras reflexões você encontra no site www.joseluizalmeida.com).

119.00. Revoltado com a lassidão, com a pachorra de muitos diante da criminalidade violenta, já questionei, verbis:

O agente público, desde o meu olhar, deve, ao deparar-se com acusado da prática de roubo, qualificado ou não, envidar esforços para segregá-lo, como garantia da ordem pública, ou mantê-lo segregado, se preso já estiver, sob o mesmo fundamento. Não deve, portanto, entre uma e outra situação, agir com parcimônia. (Essas e outras reflexões você encontra no site www.joseluizalmeida.com).

120.00. Para finalizar, registro que, tendo abraçado tese diametralmente oposta às teses da defesa, não se faz necessária a adição de nenhum argumento, sem que, em face disso, se possa apontar qualquer mácula na decisão sob retina.

121.00. Os Tribunais não discrepam desse entendimento, como se colhe das ementas abaixo, verbis:

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76 – SENTENÇA – NULIDADE – NÃO APRECIAÇÃO DE TESE DA DEFESA – ILICITUDE DE PROVAS – I – A sentença que, ao acolher a tese da acusação, contém satisfatória menção aos fundamentos de fato e de direito a ensejar o Decreto condenatório, não é nula, apenas pelo fato de não se referir explicitamente à tese da defesa, mormente se, pela sentença condenatória, restou claro que o Juiz adotou posicionamento contrário. (Precedentes). II – In casu, se a r. Sentença penal condenatória reputou válido o flagrante, nos termos do do art. 5º, XI da Constituição Federal, automaticamente afastou a tese da defesa de ilicitude das provas obtidas, em razão da ausência de mandado judicial. Writ denegado. (STJ – HC 34618 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 13.12.2004 – p. 00388) JCF.5 JCF.5.XI )

122.00. No mesmo sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 214, C/C 224, “A”, DO CP – SENTENÇA CONDENATÓRIA – NULIDADE – OMISSÃO – EXAME DE TESE DA DEFESA – DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 61 DA LCP – Não é omissa a decisão que, fundamentadamente, abraça tese contrária à da defesa. No caso, reconhecido o atentado violento ao pudor com violência presumida, a rejeição da tese de desclassificação para a contravenção do art. 61 da LCP, por redundância, não precisava ser formalmente explicitada Precedentes do STJ e do Pretório Excelso) Ordem denegada.(STJ – HC 35917 – MS – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 08.11.2004 – p. 00261) JCP.214 JCP.224 JCP.224.A JLCP.61)

123.00. TUDO DE ESSENCIAL POSTO E ANALISADO, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA, para, de consequência, CONDENAR os acusados
I- J.O, vulgo “Cacau”, brasileiro, solteiro, vendedor, filho de A.e J.o, residente na Rua São Sebastião, nº , Maiobinha, nesta cidade;

II – G., vulgo Metal, brasileiro, casado, corretor, filho de L. e T., residente na Rua 04 de julho, quadra 04, casa 03, conjunto Pirapema, Unidade 201, Cidade Operária, nesta cidade, e

III – C., brasileiro, casado, filho de J..e M., residente na Unidade 201, Rua 03, Casa 107, Cidade Operária, nesta cidade,
por incidência comportamental no artigo 157, do CP, com as qualificadoras dos incisos I e II, do §2º, do mesmo artigo, combinado com o artigo 14, II, do CP, cujas penas passo a individualizar a seguir:

I – para o acusado J. fixo as penas-base em 04 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas de aumento de penas previstas nos incisos I e II do §2º do artigo 157, totalizando, definitivamente, 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis;

II – para o acusado G., fixo as penas-base em 04 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas de aumento de penas previstas nos incisos I e II do §2º do artigo 157, totalizando, definitivamente, 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis; e

III – para o acusado C., fixo as penas-base em 04 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas de aumento de penas previstas nos incisos I e II do §2º do artigo 157, totalizando, definitivamente, 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

120.00. Sublinho que deixei de considerar eventual circunstância atenuante em favor dos acusados, em face de as penas-base serem fixadas no mínimo legal.
Transitada em julgado esta decisão, expedir CARTA DE SENTENÇA.

Após, lancem-se os nomes dos réus no rol dos culpados.

Façam-se, depois, as comunicações de praxe.

Tomadas todas as providências de praxe, remetam-se os autos para o arquivo.

Custas, na forma da lei.

São Luis, 27 de maio de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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