Meu blog; meu divã

O meu blog tem sido para mim uma espécie de divã. Só que aqui eu sou o analista e o analisado. É uma coisa meio maluca. Não sei explicar bem. Mas o certo que falar com ele me faz bem, ou melhor, lançar sobre ele as minhas inquietações faz muito bem a minha alma. É aqui que deixo transbordar as minhas mágoas, as minhas decepções, as minhas tristezas, as minhas frustrações, as minhas vitórias, as minhas derrotas, as minhas dores, tudo, enfim, que se relaciona com a minha ação judicante.

Observe, caro leitor, que eu disse ação judicante. Sim, porque na minha vida pessoal sou bem resolvido. Os problemas que tenho decorrem, todos, da minha função judicante.

Claro que tudo poderia ser diferente, não fosse eu um pertinaz, daqueles que as intempéries, por mais relevantes que sejam, não são capazes de molificar a ação.

Eu poderia, sim, diante de todas as dificuldades que enfrento para trabalhar, nada fazer, nada produzir – apenas, calar, simplesmente calar, emudecer. Calado, num canto qualquer, sentado no trono do meu apartamento, com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar – parafraseando Raul Seixas – nada, absolutamente nada, aconteceria. No final do mês o meu salário estaria lá, do mesmo jeito, integralmente, afinal, todos sabem, juiz só trabalha se quiser. Não tem a quem prestar contas, a não ser à sua consciência. Se tem consciência, julga; se não tem, nada faz. E nada acontece!

 

É preciso ter coragem de admitir – e dizer – que me considero, hoje, um profissional frustrado e decepcionado com o pouco que tenho realizado. Tenho a mais plena convicção – e isso me machuca a alma, profundamente! – que tudo o que faço ainda é pouco, em face das necessidades da sociedade. Mas também tenha plena convicção que a mim não me faltam coragem, determinação e vontade de continuar perseverando. Infelizmente a estrutura do Poder Judiciário está montada para que ele não funcione. Imagine se o cidadão comum soubesse disse!.

Nas varas criminais, sobretudo, continuamos punindo apenas os miseráveis, os desvalidos, aos quais a persecução criminal é direcionada, prevalentemente, ou melhor, exclusivamente.

Mas é preciso ter coragem de admitir que mesmo em relação a eles – aos miseráveis, aos desvalidos, aos periféricos – não temos mostrado competência e eficácia. Muitos são os que, denunciados, não foram julgados, pelos mais diversos motivos, todos já mencionados neste blog, à exaustão. É preciso ter coragem de assumir essa realidade; realidade que todos vêem, mas poucos – ou quase ninguém – têm coragem de denunciar, de admitir que existe.

Confesso que não sei o que esperar da nova administração do Tribunal de Justiça. E por que digo isso? Porque passei últimos anos denunciando as minhas péssimas condições de trabalho e não obtive nenhuma manifestação dos nossos administradores. Nos últimos dias, é preciso ser justo, fui contemplado com uma atenção especial de parte da presidente que sai, a desembargadora Madalena Serejo. Mas foi tudo efêmero. Quando retornar das férias, em fevereiro, provavelmente tudo terá voltado à situação anterior.

Não vislumbro melhores dias. No próximo biênio, me parece que a situação tende a se perpetuar. Mas que fique claro: nada tira o meu estímulo, a minha boa vontade, a minha determinação, a minha obstinação, a minha tenacidade. Eu sou assim mesmo. Sou duro na queda. Não sou de lamúrias, de queixumes, de lengalenga, muito embora, aqui e acolá, seja obrigado a denunciar algo que me perturba e prejudica o meu trabalho.

Reafirmo que sou de luta e é na luta que me fortaleço. Eu transpiro fé e esperança, sem as quais tendemos ao autoflagelo. Não sou autofágico. No enfrentamento diário das situações aflitivas e conflituosas, no embate constante com o inimigo – as vezes oculto; outras vezes, nem tanto – é que renovo as minhas energias e abomino – para poder, depois, defenestarar – as decepções do dia-a-dia.

Nos últimos dias de dezembro recebi 05(cinco) processos conclusos para julgar – e julgar com brevidade, pois que em razão deles os réus estão presos – , todos por roubo qualificado, registre-se. Poderia, sim, deixar que o meu substituto os julgasse, pois sairei de férias no próximo dia 02 de janeiro. Poderia, também, apenas colocar os réus em liberdade, para, só depois, julga-los. Todavia, assim não procedi. Preferi, ao reverso, passar as festas natalinas trabalhando, por entender que, tendo presidido a instrução, estava em melhores condições para julgar e, também, porque a sociedade já não suporta tanta lassidão, tanta impunidade. É assim que sou. Não sei ser diferente. As sentenças estão prontas e as publicarei antes de sair de férias.

No próximo de dois, repito, sairei de férias e, mais uma vez, aproveitarei para me reciclar, para ler, para escrever, para meditar e para colocar em prática o que planejei para dois mil e oito.

Antes de sair de férias, devo dizer, já me reuni com meus funcionários e já definimos as nossas prioridades para o ano vindouro. No nosso planejamento trabalhamoss com a hipótese de que a situação atual perdure, ou seja, de que nada mude na nova administração e que a nós não nos sejam, mais uma vez, dado condições de trabalho.

Se, por hipótese, houver alguma mudança…bem aí é agradecer e persistir combatendo a criminalidade. Terei a humildade de aqui, nesse mesmo espaço, reconhecer as melhorias. Mas devo dizer que não guardo nenhuma ilusão. Acho que a situação atual tende a se perpetuar. Não vejo em nossos dirigentes desprendimento e espírito público para tentarem mudar o quadro atual. Espero estar enganado. Eu nunca esperei tanto estar enganado.

É curial que muitos que tiverem acesso a esse blog se perguntarão se a minha situação é diferente das dos demais colegas. Antevendo esse questionamento, anoto que ano passado os juizes criminais assinaram uma correspondência ao Corregedor – eleito presidente – denunciando as nossas péssimas condições de trabalho.

Pode-se inferir, pois, que a minha situação não é diferente da situação dos demais colegas. Só que eu não sou de calar. Eu preciso falar, eu preciso denunciar, eu preciso gritar, porque me dói não poder responder aos anseios da sociedade.

Estamos hoje encurralados pelos meliantes, os quais debocham das instituições, afrontam todos nós, em qualquer esquina, em qualquer lugar, à luz do dia, à noite, sem enleio, sem disfrce, à vista de todos. E por que agem dessa forma?Simplesmente porque não acreditam em punição. É que, de regra, são presos hoje e, muito cedo, muito mais cedo do que se imagina, estarão de volta às ruas, porque não somos capazes de concluir as instruções criminais a tempo e hora.

Esse quadro só não sensibiliza os habitantes de um cemitério. E, também, alguns homens públicos, mumificados nos cargos e insensíveis diante dessa triste realidade.

Quando, no artigo O Ano que se Finda, eu disse que foi um ano bom, o fiz levando em conta todas as dificuldades, todas as perseguições que tem sido encetadas contra mim. O fiz como que afirmando: apesar de tudo, ainda fui capaz de fazer alguma coisa. Mas, para realizar algo de bom, tive que superar algumas das muitas dificuldades que colocaram no meu caminho, as quais me fizeram sacrificar parte dos momentos que poderia ter vivido com a minha família.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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