As mentiras que eles contam

Joe Navarro é agente do FBI e é especialista em mentira. Nos últimos anos, segundo a revista Veja, edição 2040, de 26 de dezembro de 2007, ele rastreou 100 sinais típicos dos mentirosos. 

Indagado por Veja se era capaz de flagrar qualquer pessoa na mentira, ele respondeu que, infelizmente, 10% dos mentirosos passam incólumes por qualquer detector de mentiras. Ele acrescentou que essas pessoas se destacam das demais pela rara habilidade que têm de mentir, ou seja, de camuflar os sinais típicos da mentira.

Em outro excerto da entrevista, Navarro afirmou que os brasileiros mentem mal, pois abusam das expressões e gestos, facilitando, assim, a percepção da afirmação mendaz.

Vou refletir acerca desse tema, a partir da minha experiência profissional, para demonstrar que os acusados mentem, não exclusivamente pelo extinto de defesa, não porque abusam das expressões e gestos, mas por falta de orientação profissional e por suporem que são muito espertos.

Com os episódios vivenciados, flagrados por mim, vou demonstrar, ademais, que, muitas vezes, não precisa ser um especialista, para flagrar uma mentira.

À medida que for recordando os episódios por mim vivenciados como magistrado, vou narrá-los nesse blog, porque são episódios interessantes exemplares e pedagógicos, sobretudo aos novos advogados.

Pois bem. Com quase trinta anos de atividades profissionais – como advogado, promotor e juiz de direito – já me deparei, claro, com incontáveis mentiras de acusados. A maioria dos mentirosos, no entanto, é flagrada por mim, muitas por pura inabilidade deles próprios e/ou de quem os orienta para mentira.

A mentira bem articulada passa, muitas vezes, à ilharga das nossas percepções. Eu já fui ludibriado incontáveis vezes, mas tive o prazer(?) de outras tantas vezes flagrar o réu e/ou a testemunha mendaz(es).

O episódio que vou narrar a seguir é cômico, não fosse trágico para defesa do acusado.

 

Determinado dia, interrogando um acusado, indaguei-lhe, na fase preambular do ato, qual era o seu principal lazer, o que ele gostava de fazer nas horas vagas. Esperei que dissesse que gostava jogar bola, beber com os amigos, dançar, assistir jogo de futebol ou qualquer coisa nessa direção. Mas o acusado me surpreendeu, respondendo, sem titubeio, que nas horas vagas o seu principal lazer é a leitura.

A resposta do acusado, longe de me impressionar, me deixou entrever, de logo, que vinha disposto a mentir, pois que a sua linguagem falada, com erros primários de concordância – tipo o pessoal chegaram – não era de quem lia nada.

Prossegui o interrogatório e cada vez mais me convencia de que o acusado mentia sobre ao fato principal, a roborar a minhas primeiras impressões.

Enquanto o acusado respondia as minhas indagações, o advogado, distraído, atentava para outras coisas que não guardavam relação com a causa – olhava para um lado, olhava para o outro. Algumas vezes cochichava com a família do acusado; outras vezes saía da sala de audiências, para, em seguida, voltar com o semblante carregado, do tipo que pretende demonstrar que está verdadeiramente preocupado com a defesa do seu constituinte.

Não preciso dizer que, com esse comportamento, o advogado do acusado perdeu parte do interrogatório, deixando o acusado sem assistência. 

Pois bem, esgotadas as minhas indagações, foi dada a palavra ao advogado para algum questionamento. Ele, surpreendendo, não se manifestou sobre o interrogatório do acusado, limitando-se a questionar o auto de prisão em flagrante. O advogado argumentou, a propósito – atenção ! – que o flagrante tinha sido forjado, tendo em vista que seu cliente não poderia ter confessado o crime e assinado o auto, vez que era analfabeto.

Claro que todos fomos surpreendidos com essa manifestação da defesa, uma vez que o acusado – lembra? – já havia dito que seu principal lazer era a leitura.

Desnecessário dizer que, nesse caso, ficou claro, mais claro mesmo, que o acusado, ao afirmar que seu lazer era a leitura, mentiu e desejava apenas me impressionar.

O acusado, a tentar me impressionar, cometeu um pecado grave, pode-se ver: esqueceu de combinar com seu advogado.

É cediço que o acusado, tendo ido a juízo disposto a mentir sobre fatos irrelevantes, sobre o fato principal , então, nem se fala.

Pode-se ver do exposto, que há casos que não precisa ser um especialista para flagrar uma mentira; o próprio mentiroso se encarrega de se desmascarar.

No dia-a-dia muitas das mentiras que flagro decorrem, basicamente, da falta de orientação profissional dos acusados e da impressão que os acusados têm de que são espertos.

Vou voltar ao tema.

  

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “As mentiras que eles contam”

  1. Não é por nada, é colega e tudo, mas esse advogado merece um estágio com o Capitão Nascimento.

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