As corporações e os chalaças

O mais célebre – ou, pelo menos, o mais fiel – dentre os validos de D. Pedro I foi, sem dúvidas, Francisco Gomes da Silva, alcunhado “Chalaça”. “Chalaça” estava sempre disposto a servir ao amo, em todos os momentos, em todas as circunstâncias, pouco importando os escrúpulos, os meios ou os fins – e foi assim que ascendeu enquanto agente estatal.    

Francisco Gomes da Silva, com efeito, de simples criado particular do Paço, foi sucessivamente promovido pelo Imperador a ajudante de guarda de honra e, depois, a secretário particular, passando daí a ter excepcional influência no governo.

A influência de “Chalaça” era tamanha que os brasileiros e portugueses, se queriam algo do governo, tinham de cortejá-lo.

“Chalaça”, além de valido, era, demais, um emérito gozador. Bem-humorado, sob quaisquer circunstâncias, conquistou D. Pedro I, também em face desse talento, daí o apelido “Chalaça”, que quer dizer espirituoso, zombeteiro, gozador.

Por razões óbvias, o termo “Chalaça” será usado neste artigo como sinônimo de puxa-saco e não de espirituoso, zombeteiro, como antes mencionado.

 

Pois bem. Para o bem e/ou para o mal, todos que têm poder de destaque tem o seu – ou os seus – “Chalaça”, o qual, com a sua simpatia, com a sua cortesia, vai cercando o chefe e comendo pelas beiradas, como se diz vulgarmente – e subindo, subindo, até onde é possível, sempre em detrimento dos que não sabem usar esses pérfidos métodos.

As corporações são um campo fértil para os “Chalaças” vicejarem. Em todas as corporações, sem exceção, despontam os Franciscos Gomes da Silva e os Pedros de Alcântara Francisco Antonio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Serafim de Bragança e Bourbon – o bajulador e o bajulado, enfim.

Os “Chalaças” são onipresentes e sua simpatia, sua delicadeza, afabilidade , constata-se, não têm limites – pelo menos em relação o seu superior. Se for para agradar o superior, se for para fazer mesuras ao chefe, se for para reverenciá-lo, os “Chalaças”, sabem ser rudes ou amáveis, cordatos ou irreverentes, honestos ou desonestos, mendazes ou verdadeiros. Não importa sob quais disfarces tenham que se apresentar, afinal, eles, os “Chalaças não têm personalidade. Quem define a sua personalidade, quem define a sua ação, devo reconhecer, são os interesses dos seres bajulados, que são, afinal, a razão de sua existência.

É preciso convir que os “Chalaças” só vicejam e fazem carreiras nas instituições, porque, infelizmente, elas estão infestadas de Pedros de Alcântara, que precisam ter ao seu lado quem os bajulem e concordem com as besteiras que fazem ou as asneiras que dizem.

Nos dias atuais, o “Chalaça” de antanho, ou seja, da época do Império, é mais conhecido como puxa-saco. O puxa-saco está sempre cercando e bajulando o superior, fazendo-lhe mesuras, rindo de suas piadas bobas, concordando com as porcarias que faz.

O puxa-saco é aquele que não perde a oportunidade de levantar-se de uma cadeira para obsequiar o superior. O puxa-saco adora ser inferior. Mas não se iluda. Quando ele ascende ao poder, ele se vinga. Para esse projeto de vingança, ele também vai precisar de um “Chalaça”. E, também não se iluda, os “chalaças” vão aparecer. É um círculo vicioso. Não pára nunca.

O puxa-saco está sempre por perto do superior, para, com rapidez, adivinhar o seu pensamento – ou, pelo menos, tentar. O bajulador tem o tempo inteiro para servir ao ser bajulado, em detrimento, até, de sua própria família, de seus amigos, do seu lazer. E do trabalho, o que é mais grave.

O puxa-saco, o bajulador, o adulão, o baba-ovo, o chaleira, o lambe-esporas, o pelego, o xeleléu, o capacho, ou seja lá que nome se lhe empreste, é uma praga que só dissemina porque tem quem lhe dê guaridas.

O adulão é uma praga, porque, para agradar o ser bajulado, cria histórias, mente, escarnece, faz troça, tripudia, faz tudo, enfim, que sirva aos seus propósitos, quais sejam, o de ser agradável ao alvo de suas lisonjas. Nesse desiderato, o chaleira faz inimizades e prejudica terceiros, sempre no afã de ser simpático ao superior, a quem destina, com tenacidade, as suas lambeduras.

O que é mais estarrecedor é que há “Chalaças” competentes e inteligentes, daí a estupefação que causa vê-los servindo aos propósitos do superior, sem contestá-lo, cegamente.

Ao longo da minha carreira tenho testemunhado a ação de muitos “Chalaças”.

O que mais impressiona é que os “Chalaças” dos dias atuais, como os dos tempo do império, sempre alcançam os fins que almejam. A promoção de um “Chalaça”, por exemplo, é apenas questão de tempo e de oportunidade. É por isso que muitos preferem ser simpáticos – e chaleiras – do que trabalhar. Aquele que perde tempo trabalhando e esquece da lisonja e da bajulice, está condenado, por isso, a ser preterido.

Mas há, sim,exceções. Pelo menos é o que todos dizem. Todos dizem, mas não as apontam. Porque não as apontam é que estou à sua procura.

Se alguém tiver notícia de um profissional, numa instituição pública, que tenha sido promovido, sem que tenha tido de fazer algum tipo de lisonja, por favor, identificam-no para mim, pois terei um enorme prazer em conhecer.

Por não ser um eminente babador, os que tentaram me ajudar diziam que eu era um candidato difícil de ser carregado, arrogante, prepotente e antipático. Candidato leve, para que não sabe, é o chaleira, o puxa-sacos, o adulador.

Se fiz lisonjas, é porque, todos sabem, nunca houve critérios para promoção por merecimento que não fosse à base do puxa-saquismo. Mas o que fiz, reafirmo, não passou de lisonjas, feitas, apenas, por extinto de sobrevivência, já que essas eram(?) as regras do jogo.

Sobreleva anotar, nesse sentido, que, mesmo as lisonjas, só as fiz a uma única pessoa, por se tratar de pessoa com quem tenho laços de amizade profundos. Não cheguei – graças! – ao nível da degradação.

Creio, sinceramente, que pode existir quem, como eu, não tenha se degradado e, ainda assim, tenha alcançado a promoção. É que esses são detentores de um predicado que me falta – a simpatia. E simpatia, não se iluda, também conta muito.    

E atire a primeira pedra quem, no Poder Judiciário, não tenha feito lisonjas, pelo menos, para ser promovido por merecimento. Quem não as fez, só foi promovido por antiguidade.

 

Quem ousa me contestar?

 

 

 

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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