Pode-se afirmar, sem receio, que o homem não vive sem mentir. Mentir, pois, faz parte da vida. Da minha vida; da nossa vida. Uns mentem mais; outros, mentem menos. Uns mentem, porque a mentira faz parte da cultura que logrou assimilar; outros, apenas porque, muitas vezes, a mentira é melhor que uma verdade.
Começamos a mentir muito cedo – tão logo nos damos conta de que a mentira, muitas vezes, nos subtraiu de uma punição. Desde criança, pois, nos acostumamos a mentir; mentiras sem maiores consequencias é verdade. Todavia, ainda assim, mentira. Verdade falseada, vilipendiada, maltratada.
A única verdade que não pode ser desmerecida, a verdade verdadeira, a verdade das verdades, é que todos nós, aqui e acolá, contamos uma lorota – por bazófia ou gabolice, todavia, lorota.
De regra, não se mente para ferir, para maltratar, para tirar vantagem de ordem pessoal. Essa é a mentira sem consequencias, não decorrente de má-fé, de esperteza.
A mentira faz parte de nossa vida. Essa é uma verdade que não se pode ocultar. É verdade sabida e ressabida. Salta aos olhos. Está em torno de nós – em casa, na rua, no trabalho, em qualquer lugar.
Diante dessa constatação, não se pode deslembrar, todavia, que há mentiras e mentiras.
Mentir, sem causar danos, mentir para se livrar de um pequeno aborrecimento, mentir para preservar uma relação, mentir para não ferir, mentir para não magoar, para evitar um mal maior, é aceitável, sim.
Nesse sentido, não se perca de vista a afirmação de Marquês de Maricá, segundo o qual “há mentiras que são enobrecidas e autorizadas pela civilidade”.
Desse mesmo matiz as reflexões de Roberto Carlos, na música Trauma, de sua autoria, ao admitir que talvez fosse necessário mentir para o seu filho, pra enfeitar os caminhos que ele um dia teria que seguir.
A sociedade, constatamos, tolera, sim – todos nós toleramos, enfim – , as pequenas mentiras, as mentiras despretensiosas, destituídas de malícia e do desejo de auferir vantagem, de ferir suscetibilidades. Mentir, pois, faz parte da vida – da minha, da sua, da nossa.
Eu minto, tu mentes, ele mente. Todos mentimos. Essa é a melhor, a mais apropriada conjugação do verbo. É a vida. Ninguém escapa, no dia a dia, de uma mentira banal, de um fingimento, de uma simulação, de uma fraude, de uma ilusão. Nesse sentido, mesmo os irracionais mentem, falseiam, dissimulam, tudo com o propósito de sobreviver.
É necessário convir, inobstante, que, no exercício de um múnus público, é, terminantemente, proibido mentir. Essa é a regra – sem exceção. Nessa senda, ninguém é melhor ou pior que ninguém. Ninguém é mais sabido que ninguém. Não se deve fazer concessão à mentira, no exercício do poder público.
Aquele que faz da sua vida pública uma mentira, um engodo, que mente para dar sustentação às suas estripulias, às suas travessuras, para tirar vantagens de ordem pessoal, não merece o nosso respeito. Devemos, pois, com sofreguidão, expungir, defenestrar da vida púiblica quem vive de traquinices, de simulação, de mentiras, de falsa postura moral, sobretudo se ao mendaz tiver sido outorgado um mandato para no meu, no nosso nome, exercer o poder.
O homem público que mente, reafirmo, tem – ou, pelo menos, deveria – que ser apeado, arremessado do poder, pois que das mentiras que conta resultam prejuízos para o conjunto da sociedade. É assim que meus olhos vêem essa questão. Sou, sim, intolerante com o homem público mentiroso. Com o homem público mendaz não se pode ser condescendente.
Não se pode, é proibido, terminantemente proibido, no exercício de uma atividade pública, fazer apologia da esperteza, da desfaçatez, da maquinação. Não se pode condescender, transigir não se pode com mentiroso, para que não transpareça, aos olhos da opinião pública, que valha a pena viver de mentiras.
A verdade é que a burla, a fraude, a lorota e o engodo, em todas as esferas de poder, tem os dias contados – uns, mais espertos, mais ardilosos, ludibriam por muito tempo; outros, menos inteligentes, menos sagazes, por pouco tempo. Mas, tenho certeza, mais dias menos dias, o espertalhão será flagrado, para, no mesmo passo, ser desmoralizado – melhor se a desonra se der em vida, para que todos que giram no entorno do canalha saibam que ele, malgrado fingidor esperto e sagaz, não passa mesmo de um calhorda, de um ser desprezível, como muitos de sua estirpe.
Mentir por mais ou menos tempo depende, sim, da esperteza, da sagacidade do biltre. Contudo, um dia a casa cai e a coisa muda, como diziam os meus pais.
Diante de tudo que se tem visto e lido, o leitor deve estar se perguntando: se, no exercício de um múnus público, é proibido mentir, por que alguns homens públicos mentem tanto?
Sem receio, respondo: porque a sua vida e a sua obra são apenas uma mentira, um engodo, uma falácia.
Mas como não se consegue enganar todo mundo por todo o tempo, é razoável compreender, que, algum dia, mais cedo ou mais tarde, o mentiroso, no exercício do poder, meta os pés pelas mãos, até ser flagrado e colocado – e visto – na sua verdadeira dimensão, na sua real estatura.
Nessa balada, digo mais: muitos homens públicos fazem da mentira a sua profissão, porque foram forjados, cevados num mundo de mentiras, de intrigas, de futricas e baixarias. Mentir, pois, para essas pessoas, é uma necessidade. Elas mentem tanto que a mentira é a sua verdade. Enredadas, envolvidas em tantas mentiras, essas pessoas já não acreditam na verdade; a verdade é a sua mentira. É que a sua vida e a sua obra, escoradas em mentiras, estripulias e maquinações, exigem que faça uso permanente desses expedientes, sob pena sucumbir; e sucumbirá, mais dias, menos dias, pois a sua vida e sua obra, embora não se dêem conta, foram edificadas em base movediças.
É impossível, nessa ordem de idéias, deixar de lembrar da célebre frase de Abraham Lincoln, segundo a qual “podeis enganar toda a gente durante um certo tempo; podeis mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; mas não vos será possível enganar sempre toda a gente”.
Um comentário em “A mentira no exercício do poder público”