Sentença condenatória. Uso de documento falso

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“[…] Antecipando-me a esse argumento, consigno, de logo, forte na melhor construção jurisprudencial, que, ainda que o acusado tenha exibido a Carteira Nacional Habilitação em face de uma solicitação da autoridade de trânsito, ainda assim, repito, incidiu, sim, nas penas do artigo 304 do Codex Penal, segundo a minha compreensão acerca da quaestio, escorada, reafirmo, na mais consentânea construção jurisprudencial[…]”

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra Z.M.S, por incidência comportamental no artigo 304 do Codex Penal, a qual foi julgada procedente neste juízo e da qual vislumbro e destaco, antecipadamente, os seguintes fragmentos, verbis:

 

O acusado, com efeito, instado pelo policial rodoviário a exibir a sua carteira de habilitação, apresentou a CNH falsa que trazia consigo, sem hesitação, sem tergiversar – embora constrangido, como sinais evidentes de quem tem algo a esconder, como se viu do depoimento de E. de J. R., policial rodoviário federal (cf. fls.122).

Ao apresentá-la, voluntariamente, o acusado fez incidir a sua ação no comando legal do artigo 304 do Digesto Penal.

Sobreleva grafar, só pelo prazer de argumentar, que não se traduz em atipia o fato de o acusado ter exibido a Carteira Nacional de Habilitação, em face de uma solicitação da autoridade de trânsito, pois que, sabe-se, esse é um procedimento rotineiro e o acusado sabia que, exibindo-a, corria o risco de ser flagrado cometendo o ilícito penal sob retina.

O acusado admite, candidamente, como se tivesse agido de acordo com a lei, que pagou a M. dos Af. M. da S. a importância de R$ 800,00 (oitocentos reais) para “tirar” a sua Carteira de Habilitação, sem ter que se submeter a nenhuma avaliação, do que se infere que, tendo saúde mental, sabia que estava flertando com a ilegalidade.

 

A seguir, a sentença, por inteiro.

Poder Judiciário

Fórum da Comarca de São Luis.

Juízo da 7ª Vara Criminal

São Luis – Maranhão

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Processo nº99132007

Ação Penal Pública

Acusado: Z.

Vítima: Fé Pública

Igualados pela dor

 

“…Diante da dor, não há soberba; também não importa a riqueza quando estamos sofrendo em face de algum infortúnio. Em ocasiões dessa natureza, pouco importa a nossa origem, o título que ostentamos ou cargo que exercemos, já que a minha dor é rigorosamente igual à do vizinho, do amigo ou do inimigo.

Na dor não nos preocupa o saldo bancário. Os prazeres da carne, a suntuosidade, a soberba, a inveja, a patranha, tudo isso se revela desprezível, quando se sobrepõem a dor e o sofrimento.

Se é dor, dói – e pronto! Entretanto, faz pensar, faz refletir, visto que tem o poder de mudar o curso, de nos fazer redirecionar as nossas ações – podendo, até, purificar o pensamento, fazendo com que nos tornemos mais humildes, mais alma e menos matéria.

A dor que lancina, que aflige e que danifica, nos apequena a todos e nos fragiliza, além de poder nos mostrar e conduzir, enfim, a caminhos nunca dantes trilhados.

Pena que muitos só reavaliem os seus conceitos diante da dor e do sofrimento. Mas há os que, recalcitrantes, nem mesmo a dor e o sofrimento lhes servem de lição.

O ideal seria que não dependêssemos de uma tragédia para dar valor ao semelhante, para reavaliar os nossos conceitos.

Dor é dor; sofrimento é sofrimento. Não existe mais dor ou menos dor; mais sofrimento ou menos sofrimento. Se é dor, é dor; se é sofrimento, é sofrimento – e maltrata, faz sofrer, faz pensar, refletir, principalmente quando se é racional.

Dor é sofrimento físico e/ou moral. A dor que dói em mim é a que dói em ti, ainda que de matizes diferentes. Mas, igual ou diferente, com uma ou outra coloração, o certo é que a dor dói e maltrata – e vulnera, e fragiliza…”

José Luiz Oliveira de Almeida

Juiz da 7ª Vara Criminal

 

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Z., devidamente qualificado nos autos, por incidência comportamental nos artigos 304 e 309, do Código Penal, de cuja denúncia destaco os seguintes fragmentos, litteris:

“ Infere-se da leitura dos autos, conforme declarações do próprio denunciado, às fls. 20, que há aproximadamente um ano, embora não sendo legalmente habilitado, vem dirigindo veículo normalmente. Cabe ressaltar que o denunciado também afirmou que nunca freqüentou um Centro de Formação de Condutor ou se inscreveu no Detran para obtenção regular do CNH (Sic)”

Noutro excerto, vejo da mesma denúncia os seguintes excertos, verbis:

“O denunciado declarou, ainda, ter adquirido a CNH falsa através da Sra. Maria dos Aflitos Monteiro da Silva, mediante pagamento de R$ 800,00(oitocentos reais), fato este que não foi presenciado por outras pessoas.

A persecução criminal teve início mediante portaria (fls.06)

Auto de apresentação e apreensão às fls. 12/13.

Laudo de Exame Documentoscópico às fls. 42/43.

Recebimento da denúncia às fls. 53/54.

O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 64/67.

Defesa prévia às fls. 70.

Durante a instrução foram ouvidas as testemunhas M. dos A. M. da S. (fls.8082) e E. de J. R. (fls.122).

As partes não requereram diligências.

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do acusado, por incidência penal no artigo 304 do CP (fls.123/124).

A defesa, de seu lado, pediu a sua absolvição, vez que foi ludibriado, e que, se assim não for entendido, que seja a pena fixada no mínimo legal.(fls.126/128)

Relatados. Decido.

01.00. A Z., devidamente qualificado, o Estado, por seu órgão oficial, o Ministério Público, imputa a prática dos crimes capitulados nos artigos 304, caput, e artigo 309 do CP e do CBT, respectivamente.

02.00. O acusado, segundo a proemial, no dia 17 de fevereiro de 2007, por volta das 12h00, na BR 135, mais precisamente no posto da Polícia Rodoviária Federal, foi abordado por agente, tendo sido constatado que usava Carteira Nacional de Habilitação falsa, conduzindo a motocicleta JTA Suzuki EM 125YES, cor prata, ano 2006, modelo 2007, placa NHB 4774, de sua propriedade.

03.00. A persecução criminal, como sói ocorrer, desenvolveu-se nos dois momentos distintos previstos na legislação brasileira – fases judicial e extrajudicial.

04.00. A fase preambular da persecução teve início mediante portaria. (fls.06)

05.00. O acusado, em sede extrajudicial, na primeira oportunidade em que foi ouvido, se limitou a dizer que pagou a M. dos A., funcionária da Escola Monteiro Lobato, do Maiobão, no Paço do Lumiar/MA, a importância de R$ 800,00 para que fosse adquirida, junto ao Detran, a sua Carteira Nacional de Habilitação, a qual, vinte e cinco dias depois, lhe foi entregue (fls.11)

06.00. A Carteira Nacional de Habilitação do acusado foi apreendida formalmente (fls.12/13)

07.00. O acusado, reinterrogado, às fls.24/25, afirmou:

I – que nunca freqüentou Auto Escola;

II – que nunca se inscreveu no DETRAN para obtenção de CNH;

III – que M. dos A. prometeu conseguir uma CNH por R$ 800,00;

IV – que, além dos oitocentos reais, entregou a M. dos A. fotocópias do RG/MA, conta de luz e uma foto ¾;

V – que um mês depois, aproximadamente, recebeu a CNH; e

VI – que, abordado pela Polícia Rodoviária Federal, ficou sabendo que era falsa a carteira adquirida.

08.00 Na mesma sede foi inquirida a senhora M. dos A. M. da S., que, de seu turno, às fls. 35/36, disse:

I – que não é verdadeira a imputação que lhe é feita;

II – que não sabe por que o acusado fez afirmação falsa; e

III – que nunca viu, em original ou fotocópia, a CNH do acusado.

09.00. Finalmente, na mesma sede, foi periciada a Carteira Nacional de Habilitação do acusado, tendo sido constatado que se tratava, efetivamente, de documento falso (fls.42/43)

10.00. Esses foram os principais e mais relevantes dados probatórios colhidos em sede administrativa.

11.00. Com esses dados (informatio delicti),o Ministério Público ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra Z. M. dos S., imputando a ele o malferimento dos artigos 304 e 309, do CP e do CTB, respectivamente.

12.00. Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emerge, dentre outras, o interrogatório do acusado (audiatur et altera pars) .

13.00. O acusado, nesta sede, às fls. 64/67, disse, dentre outras coisas:

I – que pensava estar de posse de carteira de habilitação verdadeira;

II – que não fez curso, não se habilitou em auto-escola e nem foi a DETRAN;

III – que foi ludibriado por M. dos A.;

IV – que sabia que estava correndo risco com a CNH; e

V – que pagou oitocentos reais a M. dos A. pela carteira de habilitação.

14.00.M. dos A. M. da S. também foi inquirida neste juízo, de cujo depoimento, às fls. 80/82, vejo – e destaco – os seguintes fragmentos:

I – que nada tinha a dizer acerca do crime, pois que nunca recebeu dinheiro do acusado;

II – que ninguém dá dinheiro sem recibo;

III – que não o que levou o acusado a fazer esse tipo de acusação;

IV – que nunca trabalhou no DETRAN e não tem amigo que lá trabalhe;

V – que não conhecia o acusado; e

VI – que nunca manteve qualquer contato com o acusado.

15.00. Encerrando a instrução foi inquirida, às fls. 122, a testemunha E. de J. R., de cujo depoimento entrevejo os seguintes excertos:

I – que, ao tempo do fato, estava de serviço, na PRF;

II – que, nessa época, desenvolviam uma operação especial, em face do período carnavalesco;

III – que abordou o acusado e percebeu que o mesmo estava muito nervoso;

IV – que pediu a CNH do acusado, tendo constatado, de logo, que apresentava alguma irregularidade;

V – que consultou o INFOSEG, tendo constatado que se tratava de CNH falsa; e

VI – que o acusado confessou que havia comprado a CNH por oitocentos reais; e

VII – que a CNH passava por verdadeira se quem a examinasse não tivesse algum conhecimento acerca de falsificação.

16.00. Examinado o patrimônio probatório tenho a mais firme convicção de que o acusado incidiu, sim, nas penas do artigo 304 do CP, pois que, no dia do fato, estava, sim, portando Carteira Nacional de Habilitação que sabia ser falsa, consigno.

17.00. O acusado, ao que dimana da prova produzida, admite que pagou a senhora M. dos A. M. da S. a importância de R$ 800,00 (oitocentos reais) pela Carteira de Habilitação em comento, que, é bem de ver-se, sabia ser falsa, pois que, admitiu, adquiriu-a sem que tenha se submetido a nenhum exame, a nenhum teste, a nenhuma exigência burocrática.

18.00. O acusado, com essa conduta, malferiu, sim, a ordem jurídica, pois que, é ressabido, de lege lata, traduz-se em ilícito penal o comportamento de quem faz uso de documento materialmente falsificado, como se fora autêntico; ou emprega documento que é ideologicamente falso, como se verdadeiramente fora.

19.00. Nessa linha de argumentação, anoto que, à luz da legislação vigente, exige-se, para configuração do crime em comento, tão-somente, que o documento saia da esfera do agente, por iniciativa própria, como se deu, não se há de negar, no caso presente.

20.00. A guisa de ilustração, consigno que, segundo o escólio de Rogério Greco,

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).