Impronúncia por não restar provada a existência do crime

Este blog foi concebido, inicialmente, para publicar as minhas decisões. Com o tempo, como sou compulsivo para escrever, passei a publicar crônicas. Volto, agora, a uma decisão. Desta feita publico um decisão de impronúncia.
Quem desejar ler apenas as crônicas, é muito fácil fazê-lo. Basta olhar a coluna do lado direito que se terá uma visão das mais recentes publicações.
É importante que quem leia meu blog deixe seu comentário. O comentário não precisa ser simpático. Quem não concordar com os meus pontos de vista, pode, sim, discordar. O importante é o debate de idéias.
Processo nº227542005
Ação Penal Pública
Acusado: Joelson Mendes, vulgo “Neguinho”
Vítima: Claudionor Silva Monteiro
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra JOELSON MENDES, vulgo “Neguinho”, brasileiro, solteiro, jardineiro, filho de Rosa Mendes, residente e domiciliado na Rua Colômbia, 03, Divinéia, Olho D’ água, por incidência comportamental no artigo 121, §2º, I, parte final, c/c artigo 14, II, ,ambos do CP, em face de, no dia 12/05/2005, por volta das 01h30min, tentar assassinar CLAUDIONOR SILVA MONTEIRO, com uso de arma de fogo, no bairro Vila Luisão, , cujos fatos estão descritos, em detalhes, na denúncia, que, por isso, no particular, passa a integrar o presente relatório.
A persecução criminal teve início mediante portaria. (fls.08)
Auto de Apresentação e Apreensão às fls. 09.
Exame Cadavérico às fls. 35.
Recebimento da denúncia às fls.64/65.
Exame cadavérico às fls. 171/172.
O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 74/76
Defesa prévia às fls.290/291.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS (fls. 101/102) e RAIMUNDA LELIS MENDES MENDONÇA (fls.103/104).
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em sede de alegações finais, pediu a PRONÚNCIA do acusado, com o afastamento da qualificadora (fls.119/122)
A defesa, de seu lado, pediu a IMPRONÚNCIA do acusado. (fls.124/128)
Relatados. Decido.
01. Os autos sub examine albergam a pretensão do MINISTÉRIO PÚBLICO no sentido de que seja PRONUNCIADO o acusado JOELSON MENDES, vulgo “Neguinho”, por incidência comportamental no artigo 121, §2º, I, parte final, c/c 14, II, ambos do Digesto Penal.
02. Colhe-se da proemial que o acusado teria tentado assassinar CLAUDIONOR SILVA MONTEIRO, o fazendo com a utilização de arma de fogo, depois de terem travado uma luta corporal.
03. A persecução criminal se desenvolveu em dois momentos distintos, ou seja, em sedes administrativa e judicial, tal como preconizado no direito positivo brasileiro.
04. Na primeira fase da persecutio o acusado, então indiciado, negou a autoria do crime, conquanto admitisse que já tinha tido, antes, um desentendimento com a vítima.(fls.19).
04.01. Na mesma sede extrajudicial, o ofendido, discrepando do acusado, disse que, efetivamente, no dia do fato, o acusado sacou de um revólver que trazia consigo, tendo com ele tentado efetuar dois disparos, sem consegui-lo, no entanto. (fls.10)
04.02. O ofendido disse, ademais, que o acusado, antes de tentar efetuar os disparos, se dirigiu a ele e disse: “Olha, eu não falei que pegava um de vocês?”. (ibidem)
05. Na mesma sede foi ouvida, também, GILMARA DE JESUS MENDES CAMPOS, que afirmou que o acusado sacou de uma arma e efetuou um disparo contra o ofendido, o qual, vendo que ia ser assassinado, atracou-se com o acusado. (fls.12)
06. Foi inquirida, outrossim, MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS que disse que estava dentro de casa, quando ouviu disparos de arma de fogo e saiu à rua vendo que o ofendido estava brigando no chão com um elemento, tendo se dado conta que tinha sido por um dos disparos na perna. (fls. 13)
07. RAIMUNDA LELIS MENDES MENDONÇA, de seu lado, disse, na mesma senda do depoimento de MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS, que estava dentro de casa quando ouviu disparos de arma de fogo, tendo, ao sair à rua, visto o ofendido brigando com um elemento. (fls.14)
08. Com esses dados, foi deflagrada a persecução penal em seu segundo momento (artigo 5º, LIV, da CF)  tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO (artigo 5º, I, da CF) , na proemial, denunciado o acusado JOELSON MENDES, vulgo “Neguinho”, por tentativa de homicídio, em detrimento da vida do ofendido CLAUDIONOR SILVA MONTEIRO.
08.01 O mesmo órgão acusador, depois de produzidas as provas judiciais, pediu, nas alegações finais, a pronúncia (artigo 408, do CPP) do acusado, por entender que, nesta sede, não se confirmaram os indícios de autoria, a legitimar a admissibilidade da acusação.
11. Em sede judicial, a sede das franquias constitucionais (artigo 5º, LV, da CF) , o acusado foi ouvido, tendo negado a autoria do crime, afirmando que tudo é invencionice do ofendido.(fls.74/76)
12.01. O acusado admitiu, no entanto, que era inimigo da vítima, que lhe havia agredido cerca de dois anos antes do fato.(ibidem)
12.02. O acusado acrescentou que, no dia do fato, estava na residência de sua companheira, localizada na Rua Paraná, 386, Chácara Brasil, Turu. (ibidem).
13. Além do acusado, foi ouvida nesta sede MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS, que disse, dentre outras coisas, que, ao tempo do fato, tinha entrado na residência de RAIMUNDA LELES, quando ouviram um disparo de arma de fogo. (fls.101/102)
13.01 A testemunha em comento disse, demais, que do lado de fora da residência estavam o ofendido e GILMARA DE JESUS e que esta, após o disparo, bateu na porta da residência, tendo saído à porta, constatando que o ofendido tinha sido baleado.(ibidem)
13. RAIMUNDA LELIS MENDES MENDONÇA disse que, estando no interior da residência, ouviu dois disparos de arma de fogo e que, ao abrir a porta, viu o ofendido lutando com o acusado. (fls.103)
14. Examinada a prova em toda sua extensão, passo à decisão.
15. Dos demais depoimentos consolidadas nos autos, devo redizer, não vislumbro nenhum elemento indicativo da participação do acusado na tentativa de assassinar o ofendido.
16. Compreendo que houve, sim, um entrevero entre o acusado e o ofendido.
17. Nada obstante a constatação supra, as provas consolidadas nos autos não me convencem de que o acusado tenha atentado contra vida da vítima, contra quem sequer efetuou os disparos de arma de fogo que as testemunhas equivocadamente dizem ter ouvido.
18. As testemunhas, é verdade, afirmam que o acusado efetuou disparos contra o ofendido. Mas o próprio ofendido, em sede extrajudicial, disse que, no dia do fato, o acusado sacou de um revólver que trazia consigo, tendo com ele tentado efetuar dois disparos, sem consegui-lo, no entanto, sem que se saiba ao certo porque não teria alcançado os seus objetivos. (cf. fls.10)
19. Convenhamos, se o próprio ofendido disse que não houve disparos, como pode as testemunhas, depois, afirmarem que ouviram disparos?
20. A conclusão a que chego, em face do exposto, que as testemunhas hostilizaram a verdade, numa clara, claríssima tentativa de prejudicar o acusado, que pode, até, não ser santo, mas que não pode, por causa de sua vida ante acta, ser responsabilizado por um crime que não cometeu.
21. Vamos reexaminar o depoimentos das testemunhas, nas dias sedes, para demonstrar, com intensidade, como os seus depoimentos não são dignos de credibilidade, a par do que disse o ofendido, que era quem tinha razão para imputar ao acusado a prática do crime.
22. Pois bem. GILMARA DE JESUS MENDES CAMPOS, afirmou – atenção! – que o acusado sacou de uma arma e efetuou um disparo contra o ofendido, o qual, vendo que ia ser assassinado, atracou-se com o acusado. (fls.12)
23. MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS – lembram? – que disse que estava dentro de casa, quando ouviu disparos de arma de fogo e saiu à rua vendo que o ofendido estava brigando no chão com um elemento, tendo se dado conta que tinha sido por um dos disparos na perna. (cf. fls. 13)
23.01. Observem que MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS disse que ouviu disparos de arma de fogo, em franca contradição com o depoimento da testemunha GILMARA DE JESUS MENDES CAMPOS, que disse ter ouvido apenas um disparo.
24. Vou prosseguir, desmistificando a acusação.
25. RAIMUNDA LELIS MENDES MENDONÇA, disse, na mesma senda do depoimento de MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS, que estava dentro de casa quando ouviu disparos de arma de fogo, tendo, ao sair à rua, visto o ofendido brigando com um elemento. (cf. fls.14)
26. Indago: como pode ter ouvido disparos, se o próprio ofendido disse que disparos não houve?
27 Em sede judicial, MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS, diferente do que dissera em sede administrativa, afirmou que, ao tempo do fato, tinha entrado na residência de RAIMUNDA LELES, quando ouviram um disparo de arma de fogo. (cf. fls.101/102)
28. Lembram que MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS disse, na primeira fase, que ouvira disparos?
29. RAIMUNDA LELIS MENDES MENDONÇA , contradizendo MAYARA DE MACEDO DOS SANTOS, disse que, estando no interior da residência, ouviu dois disparos de arma de fogo e que, ao abrir a porta, viu o ofendido lutando com o acusado. (cf. fls.103)
30. A essas alturas do exame da prova já se pode afirmar que tudo não passa de mentiras, de armação, de irresponsabilidade, de descaso, de desatenção, de desrespeito contra o acusado.
31. O acusado pode, até, ter pensado em tirar a vida do ofendido. Todavia, provas não da prática de atos de execução nesse sentido.
34. No exame dessas questões, todos sabemos, o juiz sumariante só pode pronunciar o acusado diante de “uma certa margem de convencimento judicial acerca da idoneidade e da suficiência do material probatório” produzido. Sem que se prove a existência do crime, o caminho, sem enleio e sem tergiversação, é a impronúncia do acusado.
35. No momento, repito, o que vejo do quadro probatório, é que inexistem dados a possibilitar a pronuncia do acusado JOELSON MENDES.
36. Impede anotar que, nos termos do artigo 409, parágrafo único, do CPP, a decisão de impronúncia não impedirá nova investida acusatória, desde que ainda não extinta a punibilidade e desde que surjam novas provas acerca da autoria.
37. Diante do exposto, IMPRONUNCIO o acusado JOELSON MENDES, o fazendo com espeque no artigo 409 do Digesto de Processo Penal.
P.R.I.
Não sendo interposto recurso pelas partes e certificada a preclusão temporal, arquivem-se os autos, com a baixa em nossos registros.
Façam-se, depois, as comunicações de praxe.
São Luís,25 fevereiro de 2008.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “Impronúncia por não restar provada a existência do crime”

  1. Boa noite excelentíssimo Dr.Juiz José, meu nome é Fernanda, sou da Cidade de Curitiba-PR, estou fazendo pesquisas a respeito da INCONSTITUCIONALIDADE DA IMPRONÚNCIA, ao meu ver, é sim inconstitucional a impronuncia, porque fere o principio da Liberdade, e ainda me deixa confusa, os requisitos da impronuncia, que me parace obscura e vaga, seria muito facil para o juiz, lavar as mãos e remeter tal responsabilidade ao Conselho de sentença, nesse mesmo rumo, acho inadequado a questão do in dubio pro societate, onde está determinado (interrogação), é apenas uma anologia ao in dubio pro réu (interrogação), pois bem, se assim for, deveria prevalecer ao réu! pode me auxiliar nas pesquisas:!
    Grata Fernanda

  2. Bom dia, Dr. José Luiz Almeida,
    O senhor poderia dar a sua opinião sobre a constitucionalidade da pronúncia?
    Grata,
    Adrienne Alvarenga.
    (Belém – Pa)

  3. Primeiramente gostaria de parabenizar Vossa Excelência por dispor de seu tempo para proporcionar a nós alunos de direito uma oportunidade de conhecer um pouco mais do Tribunal do Júri.
    Em segundo lugar queria pedir-lhe uma ajuda, estou escrevendo sobre a inconstitucionalidade da impronúncia, a luz de uma visão garantista, criticando o in dubio pro societate, que ao meu ver vai contra o Estado democrático de direito. Todavia, gostaria que V. Exa. me desse alguma sugestão, até mesmo uma sugestão de um aspecto que eu deva abordar, um artigo sobre o assunto ou qualquer idéia que tenhas.

    Att
    Duerno Damasceno
    Teresina-PI

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