Em resposta à Corregedoria

Em face de um excesso de prazo, estando o réu preso, fui instado a me justificar ante a Corregedoria-Geral de Justiça.

Confesso que fiquei surpreso, pois que, ao que se saiba, excessos de prazo há em todos os lugares. E se, verdadeiramente, se pretender punir um magistrado que excedo os prazos legais, bem, aí estamos sem salvação.

Todavia, tendo sido instado, vou fazê-lo, porque, com isso, tenho uma grande oportunidade de demonstrar, às claras e à farta, por que digo que o Poder Judiciário é um poder bolorento e emperrado.

Abaixo o inteiro teor das razões pelas quais os prazos se excedem nesta vara. Acho que vale a pena ler.

Excelentíssima Senhora

Sônia Amaral Fernandes Ribeiro

Juíza Auxiliar da Corregedoria

Nesta  

01. Colho o presente para ofertar resposta ao solicitado por Vossa Excelência no ofício de nº 144/2008-COADJUD.

02. Devo, preliminarmente, realçar a atitude do ilustrado Des. José Joaquim Figueiredo dos Anjos, o qual, diante das minhas informações, denunciando as nossas adversas condições de trabalho, se dignou a dar ciência do fato a essa Corregedoria, para adoção de providências. Dele eu não poderia esperar outra atitude, em face de sua historia de dedicação à Justiça do Estado do Maranhão.

03. Feita a digressão, desejo, agora, tão-somente, reiterar o que já havia afirmado no mandamus do qual se originou o pedido de informações sob retina.

03.01. Verdadeiramente, não tem sido fácil trabalhar, sobretudo nas varas criminais, por nos faltar as condições mínimas para o exercício do mister.

04. Diante desse quadro, no ano passado, os juízes criminais encaminharam ao Corregedor-Geral de Justiça um abaixo-assinado, cujo teor reproduzo a seguir, verbis:

 

“Os signatários, juízes com atuação junto às varas criminais desta comarca, vêm, com respeito, diante de Vossa Excelência, clamar por melhores condições de trabalho, para que possam melhor atender à comunidade.

Várias são as dificuldades que temos para desempenhar as nossas funções – precárias acomodações, carência de material de expediente, carência de pessoal, falta de apoio logístico, dentre outras.

Mas a maior dificuldade que enfrentamos, sem dúvidas, é a falta de transporte para que os oficiais de justiça cumpram, a tempo e hora, as diligências indispensáveis à realização das audiências.

Diante das dificuldades pelas quais passamos, nós, juízes criminais, temos, de certa forma, nos constituído em pertinazes, tenazes subscritores de LIBERDADE PROVISÓRIA e RELAXAMENTO DE PRISÃO, este sempre – ou quase sempre – decorrente de excesso de prazo para conclusão da instrução, por falta de condições de trabalho.

Essa situação nos constrange e nos coloca muito mal diante dos nossos jurisdicionados, os quais, por desinformação, nos vêem apenas como os responsáveis pela LIBERDADE deste ou daquele meliante, como se fôssemos insensíveis diante do quadro de violência e impunidade que se descortina sob nossos olhos.

A sociedade, extenuada, desalentada, cobra, ainda que silenciosamente, uma resposta do PODER JUDICIÁRIO, máxime das varas criminais, em face do sentimento de impunidade que se esparge por todo o tecido social, muitas vezes estimulando o exercício arbitrário das próprias razões.

Com as sucintas razões acima elencadas, rogamos a Vossa Excelência que, sem mais demora, resolva o grave problema do setor de transportes do Fórum, para que ele possa atender as demandas das varas criminais e para que, nós, juizes, possamos atender aos reclamos da sociedade, cada dia mais abespinhada, atormentada em face da violência que a todos nós atormenta.

Colocando-nos à vossa disposição para informações complementares, subscrevemo-nos,

 

Atenciosamente, (doc.01)”

 

05. Creio que esse abaixo-assinado, pelo que contém de relevante e contundente, demonstra, quantum sufficit, que não fui leviano, ao denunciar as nossas adversas condições de trabalho.

06. Mas, Excelência, a minha luta, a minha obstinação para trabalhar em favor da sociedade, vem de longe, muito longe, como vou demonstrar a seguir.

07. No dia 09 de abril, protocolei um ofício ao Corregedor-Geral de Justiça, no qual denunciei a minha falta de condições de trabalho e as razões pelas quais havia decidido não mais fazer audiências no período vespertino. (doc.02)

08. Antes, no dia 04 de março, encaminhei um ofício à mesma Corregedoria, no mesmo diapasão, cumprindo ressaltar que era a quarta vez que me dirigia ao Corregedor-Geral, sem que obtivesse qualquer resposta às minhas reivindicações. (doc. 03)

09. No dia 04 de abril, enviei outro ofício, no mesmo diapasão. (doc.04)

10. Antes, muito antes, eu já havia denunciado o mesmo fato ao então Corregedor-Geral José Stélio Muniz. (doc.05)

11. Os nossos problemas para trabalhar, sobreleva gizar, não estão circunscritos ao Poder Judiciário, como se verá a seguir.

11.01. Entendo que a eles devo fazer menção, agora, para que não se imagine que a demora para encerramento das instruções decorram da inação do signatário.

12. Com efeito. Preocupado com a falta de Defensor Público, dado que prejudicava – e prejudica – a nossa produtividade, ao Defensor-Geral encaminhei o oficio que segue junto, pedindo providências. (doc.06)

12. Com essa mesma preocupação, encaminhei expediente ao então presidente do Tribunal de Justiça, Des. Milson Coutinho. (doc.07)

13. Ofício do mesmo teor encaminhei aos presidentes das Câmaras Criminais, relacionando os acusados presos, aguardando providências. (doc. 08, 09)

14. Antes de denunciar o fato ao eminente Des. José Joaquim Figueiredo dos Anjos, eu já havia denunciado as minhas péssimas condições de trabalho em várias outras informações em face de habeas corpus, como se pode ver, exemplificativamente, nas informações que seguem juntas. ( 10, 11, 12, 13)

14. Creio que, com a farta documentação que acosto, demonstro, quantum sufficit, que, ao informar que os excessos de prazo decorrem da minha falta de condições de trabalho, não o fiz por espírito de emulação.

15. Além das reivindicações/denúncias antes mencionadas, outras tantas formulei, como a seguir relaciono.

I – ofício encaminhado ao Des. Galba Maranhão, então presidente do Tribunal de Justiça, a quem declino a minha falta de condições de trabalho. (doc. 14)

II – ofício da lavra do presidente da AMM, no qual reclama providências, em face das condições de trabalho dos juízes de primeiro grau.(doc.15)

III – ofício da lavra do signatário, ao Corregedor-Geral de Justiça, comunicando a paralisação dos trabalhos, por falta de impressora. (doc.16)

IV – ofício da lavra do signatário, ao Diretor do Fórum, no qual também reclamo da falta de condições de trabalho. (doc. 17)

V – ofício da lavra do signatário, ao Diretor do Fórum, no qual enumero as audiências que deixei de realizar, em face da falta de condições de trabalho. (doc. 18)

VI – ofício da lavra do signatário, dirigido à Desª. Maria dos Remédios Buna Costa Magalhães, no qual também me reporto à falta de condições de trabalho. (doc.19)

VII – ofício da lavra do signatário, dirigido ao Des. Antonio Fernando Bayma Araújo, no qual reclamo da falta de condições de trabalho e do silêncio da Corregedoria, em face dos pleitos do signatário. (doc. 21)

VIII – ofício da lavra do signatário, encaminhado ao presidente da OAB/MA, no qual reclamo da falta de Defensor Público e do abandono dos processos pelos procuradores. (doc.21)

IX – ofício da lavra do signatário, encaminhado ao Des. Antonio Fernando Bayma Araújo, no qual aponto a existência de apenas um oficial de justiça com exercício junto a esta vara e as conseqüências disso decorrentes. (doc.22)

X – ofício, da lavra do signatário, encaminhado à Desª Anildes de Jesus Chaves Cruz, onde aponto, também, as nossas péssimas condições de trabalho. (doc.23)

XI – ofício, da lavra do signatário, dirigido ao Des. Benedito de Jesus Guimarãres Belo, com menção, também, às nossas condições de trabalho. (doc. 24)

XII – outro ofício dirigido ao Des. Benedito de Jesus Guimarãres Belo, com menção, também, às nossas condições de trabalho.(doc.25)

16. Compreendo que, com os ofícios que seguem juntos, demonstro que nunca quedei inerte diante do problema, que sempre lutei para que me fossem dadas as condições mínima de trabalho e que, por me terem sido negadas, tive que exceder determinados prazos, como, de resto, os excedem todos os magistrados do Brasil e, quiçá, do mundo.

16. Estou encaminhando, agora, ofício ao Excelentíssimo Corregedor-Geral de Justiça, pedindo condições de trabalho, com o que reafirmo, de mais a mais, que, como está, o excesso de prazo será inexorável.

17. A seguir, o inteiro teor do ofício em comento, verbis:

01. Tenho enfrentado, há muitos anos, toda sorte de dificuldades para concluir as instruções a tempo e hora.

02. Como tenho entendido, ao longo de minha longa carreira, que não se concede liberdade provisória a meliantes violentos e/ou contumazes, não raro, há cerca de 60(sessenta), 80(oitenta), 90(noventa) réus presos aguardando julgamento, sabido da onda de assaltos, e.g., que permeia a vida em sociedade.

02.01. Com essa quantidade de réus presos, com outros tantos processos carecendo de impulso oficial e sem condições de trabalho – pelo menos foi o que ocorreu durante o biênio passado -, a conseqüência natural é o estrangulamento dos prazos processuais.

02.01.01.Ocorrendo excesso de prazo, ainda que a responsabilidade não seja do signatário, a conseqüência lógica é o relaxamento da prisão dos pacientes ou a concessão de habeas corpus, para restabelecer o seu status libertatis; numa e noutra hipótese, todos nós ficamos de mal com a opinião pública.

03. Diante desse quadro, este ano resolvi adotar uma estratégia diferente, qual seja, vou priorizar, definitiva e exclusivamente, os processos com acusados presos, para, só depois, tentar impulsionar, se possível, os processos com acusados em liberdade; a menos, claro, que se me dêem melhores condições de trabalho.

03.01. A experiência tem demonstrado que, tentando as duas coisas, ou seja, impulsionar processos com réus presos e os demais, tenho alcançado resultado pífio e frustrante em termos de produtividade, o que, definitivamente, faz muito mal à minha consciência profissional.

04. Apesar da minha quase total entrega ao trabalho, apesar de vir tentando fazer audiências pela manhã e pela tarde, não tenho conseguido concluir as instruções a tempo e hora, disse resultando inelutável demora na entrega do provimento jurisdicional.

05. Na administração passada, vários foram os apelos que fiz, sem, no entanto, alcançar resultado pratico; nem mesmo resposta – formal ou informal – recebi aos meus pleitos.

06. Tenho esperança, agora, que Vossa Excelência, bem assessorado por ilustrados membros da magistratura de primeiro grau, me dê as condições de trabalho que preciso para bem cumprir o meu mister.

07. É cediço que, diante desse quadro dramático, sem condições de bem exercer as minhas atividades, eu poderia, sim, quedar-me silente, inerte e inerme, afinal, trabalhar ou não trabalhar, não influiria nos meus vencimentos.

08. Esse quadro, no entanto, não me apraz. Eu quero trabalhar! Repito: eu quero produzir! Eu quero dar uma resposta à sociedade, punindo pelo menos os criminosos violentos e/ou contumazes.

08.01. Para alcançar esse desiderato, preciso de apoio da Corregedoria. Repito:preciso de apoio da Corregedoria, apoio que me faltou na administração passada, da qual não tive o prazer de receber, repito, uma única resposta aos apelos que fiz.

09. Tenho muito esperança que Vossa Excelência compreenda que juiz como eu se indigna com esse quadro de letargia, que só tem contribuindo para desacreditar ainda mais o Poder Judiciário.

09. Para tentar reverter esse quadro, requeiro a Vossa Excelência, com a urgência possível, que sejam disponibilizados para esta vara:

I-mais dois oficiais de justiça;

II- mais um analista;

III-mais dois funcionários, pelo menos;

IV-um veículo exclusivo para cumprimento de diligências de processos de réus presos, ainda que o seja apenas duas vezes por semana; e

V-mais dois MP3, para gravação de audiências, tendo em vista que os que foram disponibilizados na administração anterior padecem de defeito de fabricação(?).

10. Com essas simples medidas, creio que alcançarei melhor produtividade, o que, decerto, se traduzirá em benefício da sociedade.

11. Observe, Excelência, que não peço nada de ordem pessoal. É que sou assim mesmo. Exercer o poder, para mim, é para servir. E eu só quero poder servir bem à sociedade, que clama por Justiça; Justiça que não se faz com as mãos atadas, Justiça que tem tardado e tem falhado, estimulando o exercício arbitrário das próprias razões..

12. Fico no aguardo de alguma manifestação dessa Corregedoria acerca dos pleitos suso formulados.

Cordialmente,

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal (doc.26) “

 

18. Imagino, Excelência, que com a farta prova documental que acosto às presentes informações, deixo claro, sobretudo em face do abaixo-assinado dos juizes criminais, que, ao afirmar que os excessos de prazos decorrem de nossa falta de condições de trabalho, não o fiz levianamente.

19. Há um dado que faço questão de reiterar. Por não contemporizar com crimes de especial gravidade – roubo entre eles – não concedo, por convicção, liberdade provisória a esse tipo de infrator.

19.01. Decorre do exposto que há, sempre, uma quantidade significativa de réus presos, aguardando julgamento.

19.01.01. Como não tenho condições de cumprir os prazos processuais em tempo razoável, é curial que excessos há e que, inconformados, os advogados procuram o Tribunal de Justiça, via writ.

19.02. A profusão de habeas corpus pode deixar transparecer que há negligência na nossa atuação. Mas não é isso que ocorre. É que, por mais que tentemos, pouco se pode fazer diante de tantas dificuldades, as quais, releva dizer, não se limitam ao Poder Judiciário, mas se estendem às demais instituições às quais estamos umbilicalmente associados – Defensoria Pública, Polícias, Ministério Público, Icrim, IML, etc.

20. Tudo isso que estou informando ainda é pouco diante das informações que essa douta Corregedoria poderá alcançar se se predispuser a fazer uma Correição em nossa secretaria, o que de já requeiro.

21. Tenho a mais absoluta convicção que, diante de uma Correição, sob os auspícios da Corregedoria, Vossa excelência aferirá que a mim não me falta dedicação.

22. O que se faz nesta vara, todos os dias, todas as horas, às vezes aos domingos e feriados, é trabalhar, trabalhar, trabalhar e trabalhar. Se mais não fazemos, se mais não produzimos, se os prazos se excedem, tudo decorre de falta de condições de trabalho.

23. Tenha certeza, Excelência, que se forem atendidas as minhas reivindicações, esse quadro se reverterá, pelo menos em parte, já que nem tudo, como disse acima, depende do magistrado.

24. Espero que, com as provas documentais que seguem juntas, tenha demonstrado, quantum satis, que, ao denunciar as minhas condições de trabalho, o fiz apenas em função de um fato constatado e com a melhor das intenções.

25. Ao ensejo, quero render minhas homenagens ao ilustrado Des. José Joaquim Figueiredo dos Anjos, que, dando-se conta da gravidade de minhas informações, apressou-se em levar a notícia a essa douta Corregedoria, para providências.

25.01. De um magistrado da estirpe do Des. José Joaquim Figueiredo dos Anjos, que sempre se caracterizou pela dedicação ao trabalho e por obstinado combate à criminalidade, não se poderia esperar que fosse omisso.

26. Receba, agora, o meu abraço, com sincera manifestação de carinho e apreço.

Atenciosamente,

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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