Informações prestadas em face de habeas corpus, nas quais condeno o uso do poder para servir aos amigos

Entendo que o juiz deva, sim, demonstrar de que lado está, o que impulsiona às suas decisões e se elas são motivadas por posições ideológicas. Deve o juiz, ademais, patentear até que nível as incursões dos seus amigos e protegidos estão a influenciar as suas decisões, pois que, a meu sentir, o juiz que se deixa motivar por fatores exógenos – amigos, amigos dos amigos, irmão, cunhado, correligionário, etc – e não pela sua consciência, não é digno da toga que veste. 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª  Vara Criminal

 

Cuidam-se de informações em face de habeas corpus, nas quais condeno o uso do poder para servir aos amigos.

A seguir, um excerto relevante.

 

  1. A sociedade espera muito de nós juízes, afinal, o PODER JUDICIÁRIO é a última palavra, substitutiva da vontade social conflitante. Exige-se do juiz, por isso, lealdade, transparência, certeza, segurança, retidão e perseverança jurídica no decidir. Nesse sentido, não há espaço para o juiz carreirista, submisso ao Tribunal, ao poder dominante e divorciado, por isso, dos postulados que informam o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Nessa linha de pensar, não deveriam existir juízes que utilizam o poder para servir aos apaniguados. Nessa toada, deveria ser expungido da instituição o juiz que adota a máxima do rigor da lei aos inimigos e os seus favores apenas para os amigos.
Abaixo, as informações.

 

 

Ofício nº 515 GJD7VC São Luís, 28 de dezembro de 2005.

EXCELENTISSIMA SENHORA
DESEMBARGADORA NELMA CELESTE SOUZA COSTA
RELATORA HABEAS CORPUS Nº 42267/2005-SÃO LUÍS/MA
IMPETRANTE : EDUARDO LUÍS LIMA SOARES
PACIENTE: P. DE J. P. R.
IMPETRADO:JUIZ DA SÉTIMA VARA CRIMINAL.

Sirvo-me do presente, para, no prazo a mim consignado, prestar informações em face do mandamus epigrafado, o fazendo nos termos abaixo.

1º Sumário. A RATIO ESSENDI DA POSTULAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDA ILEGAL E ABUSIVA. PACIENTE QUE, SOLTO, NÃO SE CONSTITUI UMA AMEAÇA À ORDEM PÚBLICA

O writ foi agitado, à alegação de que o paciente estaria submetido a constrangimento ilegal, em face de DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA emanado deste juízo, sem que se manifestassem os requisitos autorizadores da medida constritiva.

2º Sumário. UMA QUESTÃO PRELIMINAR. O PAPEL DAS INSTÂNCIAS FORMAIS DE COMBATE À CRIMINALIDADE. O PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE QUE SE FAÇA RESPEITAR. FALTA DE CREDIBILIDADE QUE ESTIMULA A PRÁTICA DE CRIME.

Antes de examinar a quaestio iuris agitada no mandamus, devo fazer uma digressão que entendo necessária, para reafirmar minha posição diante de determinadas questões. Conquanto desnecessária, entendo que é de bom alvitre que se conheça a posição de determinados juízes.

Entendo que o juiz deva, sim, demonstrar de que lado está, o que impulsiona às suas decisões e se elas são motivadas por posições ideológicas. Deve o juiz, ademais, patentear até que nível as incursões dos seus amigos e protegidos estão a influenciar as suas decisões, pois que, a meu sentir, o juiz que se deixa motivar por fatores exógenos – amigos, amigos dos amigos, irmão, cunhado, correligionário, etc – e não pela sua consciência, não é digno da toga que veste.

Pois bem.

As instituições formais de combate à criminalidade, é ressabido, estão seriamente desacreditadas. Decorrência natural desse descrédito é que o particular, aos poucos, começa a fazer justiça com as próprias mãos. Incontáveis, com efeito, são os casos que se avolumam de particulares tentando linchar, verbi gratia, assaltantes presos – presos pela ação, muitas vezes, da própria população, registre-se. Isso ocorre porque, infelizmente, alguns agentes públicos não têm compromisso com a ordem pública, nem se dão conta da importância de uma decisão que concede liberdade a esse ou aquele meliante.

Definitivamente, não é o caso do signatário. Definitivamente, não sou juiz carreirista. A cada dia tenho mais consciência disso. Só sei proceder com responsabilidade. Não sei tergiversar! Não sou sinuoso, claudicante. Não sei adotar dois pesos e duas medidas. Não uso meu gabinete para servir aos amigos. O utilizo, com dignidade, para servir à comunidade. Já nem me importa se me acham arrogante e prepotente. Já aprendi que, sobretudo nos dias atuais, arrogância e prepotência são sinônimos de retidão.

O juiz, responsável pela condução de um processo, deve ser intérprete construtivo do direito, sempre à luz da Constituição, objetivando distribuir a cada uma das partes o que efetivamente lhes pertence, ainda que, para tanto, tenha que confrontar a atuação político-institucional do Tribunal a que está vinculado.

A sociedade espera muito de nós juízes, afinal, o PODER JUDICIÁRIO é a última palavra, substitutiva da vontade social conflitante. Exige-se do juiz, por isso, lealdade, transparência, certeza, segurança, retidão e perseverança jurídica no decidir. Nesse sentido, não há espaço para o juiz carreirista, submisso ao Tribunal, ao poder dominante e divorciado, por isso, dos postulados que informam o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Nessa linha de pensar, não deveriam existir juízes que utilizam o poder para servir aos apaniguados. Nessa toada, deveria ser expungido da instituição o juiz que adota a máxima do rigor da lei aos inimigos e os seus favores apenas para os amigos.

Num sistema garantista como o nosso, o juiz garantista difere do juiz carreirista porque trabalha com independência funcional, de acordo com os postulados da LEX FUDAMENTALIS. O Juiz garantista, em um modelo também garantista, só tem compromisso com sua consciência e com as leis do seu país, mas dessas só retirando o que efetivamente expressa os anseios dos seus jurisdicionados, de sua comunidade, tornando a Justiça, a tão sonhada Justiça, uma realidade social.

Foi no desempenho desse importante papel que me decidi pela PRISÃO PREVENTIVA do paciente, porque é contumaz agressor da ordem pública. Quando digo que o magistrado garantista deve retirar da lei apenas o que efetivamente expressa os anseios da comunidade, estou afirmando, por via transversas, que a função jurisdicional não pode se fazer apenas com a submissão, às cegas, à letra fria da lei e aos pedidos dos amigos. O magistrado garantista tem o dever de buscar na LEX MAGNA a validade das leis infraconstitucionais, a sua fonte de inspiração para bem decidir. Nessa senda, há de convir-se que a CARTA POLÍTICA recepcionou, sim, a PRISÃO PREVENTIVA, destinada à aqueles que têm uma convivência perigosa em sociedade, como é o caso do paciente, tema sobre o qual, ao depois, me deterei com mais vagar.

Creio que, com as colocações suso, deixei mais do que evidente que, ao decretar a prisão do paciente não fui impulsionado por um sentimento menor, tipo de sentimento que, muitas vezes, contamina as decisões de quem não têm consciência de seu papel e da relevância do seu cargo, dele se utilizando apenas e tão-só para tirar proveito de ordem pessoal e para servir aos amigos.

3º Sumário. A DISCRIMINÇÃO DO SISTEMA PENAL. A OPÇÃO PREFERECNIAL PELOS POBRES – para oprimi-los. OS REAIS DESTINATÁRIOS DA NORMA PENAL INCRIMNATÓRIA. A SELEÇÃO DOS TIPOS PENAIS. A MANUTENÇÃO DA DOMINAÇÃO DAS CLASSES MAIS FAVORECIDAS.

O Direito Penal fez uma flagrante e discriminatória opção preferencial pelos pobres – para oprimi-los. Nessa linha de argumentação posso afirmar, pelo que tenho assistido ao longo de minha carreira, que o Direito Penal fez, também, uma flagrante opção pelos que tem amigos no Poder – para beneficiá-los. Quem tem amigo no Poder tudo pode. Em tese, o Direito Penal, deveria ter como destinatários todos os súditos que não sejam inimputáveis. A lei, em tese, deveria se destinar, sem distinção, a todos. É assim que ensinam os manuais. É nesse sentido a melhor doutrina. O que aprendi nos manuais dos mais ilustrados doutrinadores é que a lei penal “ se destina a todas as pessoas que vivem sob a jurisdição do estado brasileiro, estejam no território nacional ou estrangeiro. Este é um dos princípios gerais de Direito que se justifica pelo caráter de coercibilidade que devem ter todas as leis em vigor, com seu efeito imediato e geral” ( DOTTI, Rene Ariel, Curso de Direito Penal, Parte geral. 2ª edição, Editora Forense, p. 223).

Não é, contudo, o que se verifica na prática. No dia a dia o que se tem constatado é que a lei penal se destina a uns poucos, que, ao que parece não é o caso do paciente, o qual, ainda que tenha uma infinidade de processos contra si deflagrados, está solto – livre, leve e solto. Quiçá, contando piada numa mesa de bar, se preparando para as festividades do final de ano, já que o Natal passou em casa, com os amigos, enquanto os órfãos de amigos no Poder estão presos, às vezes primários, possuidores de bons antecedentes e outros predicados que tais ! O paciente está em liberdade, quiçá estimulado a, mais uma vez, delinqüir. É que ele confia na discriminação do sistema penal, que tem os seus tentáculos voltados apenas aos menos aquinhoados, aos que não tem amigos no Poder.

A norma penal, essa é a ensinança, tem valor absoluto e se dirige a todos, o que não significa que a todos alcance. Esse aspecto refoge, infelizmente, do âmbito de atribuição de determinados magistrados. Os magistrados comprometidos com a ordem pública lutam, se esforçam para que a lei alcance a todos. Às vezes, como parece ser o caso presente, não conseguem, por mais que se esforcem. Ainda assim, não se deve desanimar. Não se pode, agora, em face da soltura do paciente, colocar em liberdade, irresponsavelmente, os que estão presos e não tem amigos no poder. O magistrado que tenha compromisso com a comunidade, não pode e não deve deixar de aplicar a sanção penal a um determinado infrator, sob o argumento de que esse ou aquele criminoso do colarinho branco permanece impune, malgrado contumaz agressor da ordem pública.

A afirmação suso faço apenas para deixar claro que não desconheço que o sistema penal se vale da uma seleção dos setores mais humildes, para, ao invés de sujeitá-los a um processo de criminalização, submetê-los a um processo de fossilização , os erigindo à condição de bode expiatório para os excessos do sistema, que os expõe, às vezes, até à violência física, com o beneplácito de alguns responsáveis pela persecução criminal. Essa é a realidade nua e crua do nosso sistema penal, na sua função selecionadora dos tipos penais, os quais se destinam às pessoas mais humildes da sociedade, com o que assegura a hegemonia do setor dominante, setor que, é consabido, passa, quase que absolutamente, à ilharga da persecução criminal. Setor privilegiado que fica pairando sobre todos nós, imunes a qualquer ação persecutória, como que reafirmando a capacidade selecionadora e discriminatória da lei penal. Nós outros, responsáveis pela persecução criminal , imaginamos, iludidos, que estamos desempenhando um papel relevante na sociedade, sem nos darmos conta de que somos, em verdade, apenas um instrumento de dominação. Enquanto nos limitamos a enfrentar a pequena criminalidade – e devemos fazê-lo, sob pena de estabelecer-se a anarquia – , os grandes criminosos, aqueles que subtraem as verbas destinadas à saúde, ad exempli, permanecem impunes, acima do bem e do mal. Da mesma sorte, permanecem impunes aqueles que, por sorte, têm amigos no Poder.

A propósito NILO BATISTA, refletindo acerca do capitalismo e Direito Penal e da discriminação da persecução criminal em nosso país, afirma que “quando alguém fala que o Brasil é o país da impunidade, está generalizando indevidamente a histórica imunidade das classes dominantes. Para a grande maioria dos brasileiros – do escravismo colonial ao capitalismo selvagem contemporâneo – a punição é um fato cotidiano. Essa punição se apresenta implacavelmente sempre que pobres, negros ou quaisquer outros marginalizados vivem a conjuntura de serem acusados de crimes interindividuais ( furtos, lesões corporais, homicídios, estupros, etc . Porém essa punição permeia principalmente o uso estrutural do sistema penal para garantir a equação econômica. Os brasileiros pobres conhecem bem isso. Ou são presos por vadiagem, ou arranjem rápido emprego e desfrutem do salário mínimos ( punidos ou mal pagos). Depois que já estão trabalhando, nada de greves para discutir o salário, porque a polícia prende e arrebenta (punidos e mal pagos)”( BATISTA, Nilo, in Punidos e Mal Pagos – Violência, Justiça, Segurança Pública e Direito Humanos No Brasil de Hoje, 1990, Editora Revan, p. 38/39.

4° Sumário. O PRINCÍPIO DA ISONOMIA E AS DESCRIMINAÇÕES ARBITRÁRIAS. A MÁXIMA ARISTOTÉLICA. O TRATAMENTO IGUAL AOS IGUAIS E DESIGUAL AOS DESIGUAIS, NA MEDIDA DESSA DESIGULDADE.

É claro que essa discriminação do sistema penal, com os seus tentáculos voltados sempre para os menos favorecidos, para aqueles que não têm a felicidade de ser e ter amigo no Poder, faz sedimentar em nós outros a nítida sensação de que o PRINCÍPIO DA ISONOMIA nada mais é que uma falácia, uma quimera, pois que se circunscreve em nossa sociedade apenas e tão-somente ao seu aspecto puramente formal.A CARTA POLÍTICA de 1988 adotou, sabe-se, o principio da igualdade de direito, “prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm direito o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico” [1] (MORAIS, Alexandre de, Direito Constitucional, 18ª Edição, Editora Atlas,2005, p. 31

O legislador constituinte pretendeu, com a inserção do PRINCÍPIO DA ISONOMIA, vedar “ as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça” (MORAIS, Alexandre, ibidem) .

MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO preleciona que o PRINCÍPIO DA IGUALDADE não é absoluto, pois que “as próprias constituições ao consagrá-lo nem por isso renegam outras disposições que estabelecem desigualdade” ( FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves in Curso de Direito Constitucional, editora Saraiva, 17ª edição, p.242) , não se podendo, por isso, invocar o mencionado princípio onde a Constituição, explicita ou implicitamente, permite a desigualdade. É a adoção pura e simples da máxima aristotélica que preconiza o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade.

A par dessas considerações, devo grafar que o que me inquieta, como inquieta a muitos, são diferenciações arbitrárias, as discriminações, como se vê em relação à clientela do Direito Penal – a grande clientela, da qual não fazem parte os amigos do Poder.

A Constituição da República, ao instituir o PRINCÍPIO DA IGUALDADE, como que disse ao legislador e ao aplicador da lei que, diante de situações iguais deveriam dar tratamento igualitário, sem fazer distinção de qualquer natureza, razão porque tal princípio “deve constituir preocupação tanto do legislado como do aplicador da lei” [2] – o que não se vê, entrementes, na prática.

O PRINCÍPIO DA IGUALDADE inserto em nossa CONSTITUIÇÃO deveria, com efeito, operar em dois planos distintos, ou seja, quando da elaboração das leis, impedindo a criação de tratamentos abusivamente diferenciados e, noutro plano, impondo à autoridade pública “aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária , sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social”.(ARAÚJO, Luiz Alberto David e JUNES JÚNIOR, Vidal Serrano, in Curso de Direito Constitucional, editora Saraiva, p. 67).

Infelizmente, o que se vê no dia a dia é uma clara discriminação no atuar das autoridades públicas, as quais, sem disfarce, discriminam, sim, os destinatários da norma penal. A norma penal, infelizmente, só tem validade, de regra, para as camadas mais humildes da sociedade, em que pese, como afirmei acima, se destine, em tese, a todos os súditos. A discriminação, nesse caso, começa lá no preâmbulo da persecução criminal, ou seja, na POLÍCIA JUDICIÁRIA , a qual, cuidando a investigação de pessoas desvalidas, age com denodo, com altivez e sofreguidão, com a aplicação da máxima dura lex sed lex.

É claro que, em face dessa flagrante discriminação, não se pode simplesmente deixar de aplicar uma sanção contida em uma norma incriminadora (sanctio iuris), apenas e tão-somente porque esse ou aquele infrator do colarinho branco, v. g. ,passou ao largo da lei e prossegue acintosamente assaltando os cofres públicos. O que se deve fazer é, ao reverso, continuar punindo os pequenos delinqüentes, mas agindo com pertinácia, no sentido de punir o criminoso de colarinho branco, numa luta incessante e sem trégua, até que se crie uma cultura punitiva que alcance todo e qualquer delinqüente, seja ele egresso da classe dominante ou da classe oprimida, tenha, ou não, amigos no Poder.

Entendo que o magistrado não deve, sob qualquer argumento, deixar de aplicar uma pena a um infrator egresso das classes desfavorecidas, em face desse ou daquele agente público ter enriquecido às custas do erário e seguir adiante, lépido e faqueiro, como se estivesse acima do bem e do mal, pairando sobre nós e ostentando uma riqueza amealhada em detrimento, por exemplo, da saúde das camadas mais carentes. O magistrado deve, sim, continuar punindo os transgressores da ordem, na esperança de que, um dia, os tubarões da criminalidade sejam alcançados, de que os amigos do Poder sejam, enfim, punidos. Deixar, pura e simplesmente, de punir o pequeno infrator, em represália à inação dos órgãos persecutórios em relação aos grandes criminosos, aos criminosos amigos do Poder. seria, a meu sentir, instituir a anarquia, situação de resvalaria para o caos, que a ninguém interessa

Como consignei acima, é inegável que, após o nascimento da norma penal, cria-se um direito objetivo que, em princípio deveria valer em relação a todos os súditos, afinal “a norma penal é promulgada para ter valor erga omnnes” (MARQUES, José Frederico in Tratado de Direito Penal, Vol.I, Millenium, 1997, p.159). Assim é que, com a prática da ação ou omissão considerada delituosa para a lei penal, o jus puniendi, em tese, se transforma de abstrato em concreto. Verificada a violação da norma penal primária, O Estado deveria intervir, sem distinção de classe social, com a conseqüente sujeição do autor à pena, pouco importando de que classe ele se origina, pouco importando as amizades que tenha junto a esse ou aquele Poder. Na prática, no entanto, a teoria é outra. Os amigos do Poder imaginam que estão acima do bem e do mal. Incontáveis, inumeráveis, são os casos de impunidade, em face dos benefícios destinados a esses privilegiados amigos do Poder.

A POLICIA JUDICIÁRIA, sem fiscalização, é, a meu sentir, a verdadeira e única detentora do direito de selecionar as condutas que entenda devem merecer a resposta punitiva do Estado. É por assim dizer, a verdadeira dominus litis. É o Delegado de Polícia, sim, quem elege, quem tem o poder discricionário – que as vezes resvala para arbitrariedade – de escolher aquele que deva merecer a resposta estatal, que deva tolerar a ira estatal. Nós – JUIZES e PROMOTORES – , responsáveis pelas instâncias formais, apenas ficamos no aguardo que a autoridade policial se defina por quem deseja ver processado. O Juiz fica inerte, porque lhe é defeso agir; o representante ministerial, porque não exerce o seu poder fiscalizador – ou porque não quer, ou porque não pode. O certo é que, por um motivo ou por outro, a autoridade policial é, sim, sem dúvidas, a detentora do monopólio de escolher esse ou aquele meliante que deva merecer a resposta do Estado em face do crime que eventualmente tenha cometido. É preciso que reflitamos, seriamente, sobre isso, porque nós não podemos fingir que fazemos Justiça, punindo apenas os desvalidos, os miseráveis, enquanto que os criminosos que alcançam o erário público, os criminosos que tem livre trânsito junto ao Poder, passam a anos-luz dos tentáculos persecutórios do Estado.

É com esse sentimento que, mais uma vez, me detenho no exame do habeas – corpus em comento, cujo paciente, apesar de sua carreira de crimes, está solto, quiçá maquinando como, mais uma vez, afrontar a ordem pública.

Tenho muito esperança que, agindo como venho agindo, outros agentes públicos se sintam estimulados a, também, agirem com denodo e sofreguidão, procurando fazer Justiça, sem a adoção da máxima do rigor da lei aos inimigos e os seus favores aos amigos.

5º Sumário.A IMPUTATIO FACTI ALBERGADA NA DENÚNCIA. A FOLHA PENAL DO PACIENTE. AS VÁRIAS INCIDÊNCIAS PENAIS. A REITERADA AGRESSÃO À ORDEM PÚBLICA.

Feitas as digressões suso, devo, a seguir, expender as razões pelas quais entendi devesse DECRETAR a PRISÃO PREVENTIVA do paciente.

Pois bem.

O paciente foi denunciado por incidência comportamental no artigo 171, caput, do Digesto Penal.
O crime em razão do qual foi denunciado o paciente, é verdade, é de média potencialidade lesiva, daí por que, prima facie, poderia transparecer que o DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA decorreria de um abuso.

Examinados, nada obstante, a sua folha penal e o banco de dados desta Comarca, ver-se-á que a decisão aqui adotada não foi abusiva e que abusiva é, noutro giro, a sua liberdade, pois que, solto, representa, sim, uma ameaça iminente à ordem pública.

O paciente, com efeito, responde – ou respondeu – a vários processos nesta Comarca, com o que deixa transparecer que não tem boa conduta social, a legitimar, assim, a mantença de sua prisão (cf. docs. 01,02,03, 04 e 05).

O paciente, só nesta vara, responde a dois processos, ambos por estelionato (nºs 17949/2005 e 3344/2002 )

Com este elenco de crimes, há de perquirir-se: o que é abusivo? É a liberdade do paciente ou o DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA aqui editado?

Creio que, em face dos processos a que responde o paciente, não há nenhuma dúvida, por mínima que seja, de que, solto, representa, sim, um perigo iminente á ordem pública, uma das finalidades da constrição provisória.

Lamento, sinceramente, que o paciente, processados tantas vezes, ainda permaneça em liberdade, afrontando a todos nós, rindo de nossas instituições.

Ao encerrar as presentes informações, devo dizer que não tive condições de enviar dados do processo donde dimana o DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA, em face de ter sido encaminhado ao MINISTÉRIO PÚBLICO, para se manifestar acerca do PEDIDO DE REVOGAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA, no dia 23/12/2005, não tendo retornado até a data presente.

Devo dizer, ademais, que o mencionado processo, curiosamente, apareceu, no dia 26/12/2005, no Gabinete do Juiz LUIZ DE FRANÇA BELCHIOR, titular da 1ª Vara de Entorpecentes, apesar de estar com carga ao MINISTÉRIO PÚBLICO.

O mencionado magistrado, ao encontrar o mencionado processo em seu Gabinete, o trouxe ao meu Gabinete, dizendo-se estupefato. Em seguida, determinei que o mesmo retornasse MINISTÉRIO PÚBLICO, lá permanecendo até a data atual, sem qualquer manifestação.

O fato acima narrado é grave e deve ser apurado, com rigor.

Essas são informações que tinha a prestar a Vossa Excelência, em face do writ epigrafado.
Cordialmente,

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara criminal

 

 

 

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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