O enfrentamento de uma preliminar, em face do direito de presença.

Com os argumentos a seguir, enfrentei uma preliminar de nulidade agitada pelo Defensor Público com atribuição junto a 7ª Vara Criminal, em face da retirada do acusado da sala de audiências, com espeque no artigo 217 do CPP.

“(…)

05. Antes de aprofundar o exame da matéria de fundo, devo enfrentar a preliminar de nulidade apontada nas alegações finais da defesa.

06. Consigno, de logo, que, desde o meu olhar, não há nulidade a ser purgada. E não há porque em nenhum momento da instrução hostilizou-se o direito à ampla defesa e ao contraditório.

06.01. E não há, demais, porque, ao determinar a retirada do acusado da sala de audiências, por entender que a sua presença influiria, negativamente, no ânimo da testemunha, o fiz apenas e tão-somente cumprindo uma faculdade legal e agindo no âmbito do poder que a mim me confere a lei.

06.01.01. De efeito. O artigo 217 do Codex de Processo Penal, que estabelece, verbis: 

Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu, pela sua atitude, poderá influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará retirá-lo, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Neste caso deverão constar do termo a ocorrência e os motivos que a determinaram.

06.01.02 O Superior Tribunal de Justiça tem proclamado, como de resto todos os Tribunais do Brasil, no sentido de que a retirada o réu da sala de audiência é poder-dever do magistrado, em tributo à verdade material, como se vê da ementa abaixo, litteris:

1.“No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.” (Súmula do STF, Enunciado nº 523).

2. A não concessão de entrevista pessoal do paciente com o defensor ad hoc não enseja a nulidade do ato processual, ainda mais tendo o acusado advogado constituído, que se fez ausente apenas naquela oportunidade.

3. Não há falar em prejuízo à defesa técnica do paciente, tendo seu defensor constituído apresentado impugnação à denúncia antes de seu recebimento; defesa prévia, com rol de testemunhas; substanciosa peça de alegações finais, em que requereu, preliminarmente, a realização de exame de sanidade mental e, no mérito, a absolvição por ausência de provas; e, ainda, recurso de apelação.

4. O direito de presença do acusado na sala de audiência não é absoluto e a lei, ela mesma, confere ao Juiz, em obséquio

primariamente do conhecimento da verdade real, o poder-dever de fazer retirar o réu sempre que pela sua atitude possa influir no ânimo da testemunha (Código de Processo Penal, artigo 217).

5. Titulariza, pois, o Juiz o poder-dever legal de proteger a

produção da prova oral, assegurando, em obséquio da verdade real, a liberdade subjetiva das testemunhas e vítimas.

6. Ordem denegada.

06.01.03. O Superior Tribunal de Justiça vai além, ao considerar que mesmo o acusado, requisitado, não comparecendo e nem seu advogado, não há nulidade, se a vítima manifesta receio de depor em sua presença e se a falta do advogado foi suprida com a nomeação de defensor, como se pode inferir da ementa abaixo, verbis:

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ROUBO. RECONHECIMENTO DO ACUSADO. AUSÊNCIA DE CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. NULIDADE. PREJUÍZO PARA A DEFESA. INEXISTÊNCIA. PRESENÇA DO RÉU NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. PRESCINDIBILIDADE.

1. Em tema de nulidades processuais, o nosso Código de Processo Penal acolheu o princípio pas de nullité sans grief, do qual se dessume que somente há de se declarar a nulidade do feito, quando, além de alegada opportuno tempore, reste comprovado o efetivo prejuízo dela decorrente, o que inocorreu na espécie.

2. “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade

absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.” (Súmula do STF, Enunciado nº 523).

3. Tendo o magistrado de primeira instância, bem como o tribunal a quo, vislumbrado a materialidade do fato e a autoria do delito, baseado, principalmente, no reconhecimento fotográfico e pessoal da vítima na polícia e confirmado em juízo, além de firmes depoimentos de testemunhas em desfavor do paciente, provas bastante idôneas à condenação, não há falar em ilegalidade qualquer a ser sanada no decreto condenatório.

4. A ausência do réu na audiência de instrução não provoca sua nulidade, mormente se, devidamente requisitado, não compareceu o acusado, nem seu advogado, sendo-lhe, porém, nomeado defensor ad hoc, que atestou a inexistência de prejuízo para a defesa e se, à

luz do artigo 217 do Código de Processo Penal, a vítima manifestou seu interesse de ser ouvido sem a presença do acusado.

5. Ordem denegada.

07. Curial, em face do exposto, que, ao determinar a mantença do acusado fora da sala de audiências, o fiz em total harmonia com a legislação vigente.

08. Todos sabem que nos chamados crimes clandestinos, a palavra do ofendido é a pedra de toque para definição da autoria e das qualificadoras.

08.01. Seria, por isso, uma rematada burrice permitir que o acusado permanecesse da sala de audiências, depois de a vítima e a testemunha terem declarado que não pretendiam prestar depoimento em sua presença.

09. Se é verdade que, nos crimes clandestino, avulta de importância a palavra do ofendido, não é menos verdadeiro que, no processo penal, a matéria prima com que trabalhamos, em termos de prova, é a pessoa. Bem por isso que, desde meu olhar, todo os esforços devem ser despendidos para possibilitar que deponham sem nenhuma injunção exógena.

09.01. Nesse sentido, permitir que o acusado permaneça na sala de audiências, constrangendo as testemunhas, seria, à toda prova, uma demonstração inequívoca de falta de compromisso com a verdade material.

10. Na minha visão, o magistrado que agisse de forma diferente, ou seja, que permitisse a presença do acusado durante o depoimentos das testemunhas, sabendo que dela poderia resultar prejuízo para verdade material, demonstraria falta de compromisso com o honroso mister.

11. Afastar o acusado da sala de audiências não significa, como pretende a defesa, vilipendio à ampla defesa, mesmo porque, querendo, a defesa pode contatar com o acusado, o tempo que quiser, já que não há qualquer impedimento nesse sentido.

11.01. Se o defensor, depois da retirada do acusado da sala de audiências, não se dignou tentar novos contatos com ele, o que não lhe era defeso, não pode, à conta de sua omissão, pretender que se anule um processo, de cuja instrução não restou qualquer prejuízo para verdade substancial.

11.01.01. Compreendo que o defensor do acusado poderia, se esse fosse o seu interesse, no intervalo de um depoimento para o outro, conversar com o acusado, colhendo dele todas as informações que entendesse necessárias para cumprir o mister de defender o acusado.

11.02. O que não pode, a meu aviso, é permanecer inerte na sala de audiências, para, depois, postular a nulidade do feito, valendo-se de sua própria omissão.

11.03. A retirada, ou a manutenção do acusado, fora da sala de audiências, na significa impedimento de contato do defensor com o defendido.

12. O que importa mesmo, a meu sentir, é que a produção de provas prossiga, como determina a lei e como exige a Carta Política em vigor, com a presença do seu representante legal, como efetivamente se deu em o caso presente.

13. Nenhum direito é absoluto. Todos sabemos disso. Nem mesmo o direito à vida o é. Em determinadas circunstâncias até mesmo a vida cede espaço ao direito de outrem.

14. Se é verdade que o acusado tem direito de presença, não é mesmo verdade que o magistrado tem o dever de, sentindo que sua presença pode alterar o depoimento da testemunhas, retira-lo da sala de audiências, ou mantê-lo fora, em homenagem à verdade real.

14.01. Ao fazê-lo, o magistrado não comete nenhuma ilegalidade. Muito ao contrário. Assim o fazendo age em tributo à sociedade, em tributo à vítima e às pessoas de bem.

15. Com a experiência que tenha, com tantos anos dedicados à magistratura, sedimentei em mim a convicção de que, sobretudo nos crimes violentos, as testemunhas, ante a presença do acusado na sala de audiências, tergiversam e não contam a verdade, por temer pela sua vida e dos seus.

15.01. Diante dessa constatação, só mesmo um magistrado descompromissado com a verdade permitira que o acusado permanecesse na sala de audiências, intimidando as testemunhas e o ofendido.

16. Creio que o Defensor Público, que demonstra zelo ao levantar essa questão, poderia, sim, se quisesse, com o tempo que dispõe, conversar, detidamente, com o acusado, fornecendo-lhe, até, o nome das testemunhas, para eventual contradita. E esse contato não tem que ser, necessariamente na sala de audiências, durante a inquirição das testemunhas.

16.01 Mas não foi assim que agiu o Defensor. Ele preferiu, ao reverso, participar da audiência, para, depois, valer-se de sua omissão, para tentar anular o processo, olvidando-se que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que mesmo nas nulidades absolutas tem-se que fazer prova do prejuízo, como se colhe da ementa a seguir transcrita, litteris:

Habeas corpus. Processo penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Procedimento. Lei 10.409/2002. Nulidade.Prejuízo.

1. A demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que, conforme já decidiu a Corte, “o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades – pas de nullité sans grief – compreende as nulidadesabsolutas”. (os destaques não constam do original).

17. Admitindo-se, só para argumentar, que a defesa do acusado, em face de sua permanência fora da sala de audiências durante a inquirição de testemunhas, tenha sido deficiente. Nessa hipótese, é bom não perder o que estabelece a súmula 523 da Suprema Corte, segundo a qual “no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

17.01. Se o defensor entendeu que a defesa do acusado ficou aquém do que se espera, em face da sua ausência da sala de audiências, tinha que mostrar qual o prejuízo que decorreu desse fato.

17.01.01. Quedando-se inerte, não pode, agora, pretender a anulação do feito. A uma, porque o signatário agiu no âmbito do poder que lhe confere a lei. Nem mais, nem menos. A duas, porque não procurou contatar com o acusado porque assim o quis e, a três, porque, se nulidade houvesse, esta estaria condicionada à prova do prejuízo.

(…)”

 

 

Processo HC 41233 / SP HABEAS CORPUS 2005/0011116-4 Relator(a) Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 30/06/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 06.02.2006 p. 346 Ementa

Processo HC27890/SP HABEASCORPUS 2003/0056935-4 Relator(a) Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) Órgão Julgador T6 – SEXTA TURMA Data do Julgamento 31/05/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 06.02.2006 p. 325.

HC 81.510, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 12.4.2002). 2. Ordem indeferida (STF, HC 85.155/SP, 2ª Turma, Rela. Min. Ellen Gracie, j. 22.03.2005, DJ 15.04.2005, p. 00038, Ement. Vol. 02187-03 p.00568).

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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