Prescrição virtual. Indeferimento

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“[…]Cumpre observar, a necessidade de ser garantida a futura aplicação da lei penal, pois o denunciado ocultou-se por longo período da atuação jurisdicional, bem demonstrando, assim, sua intenção de furtar-se ao processo. Nesse contexto, desponta real a necessidade da extrema medida constritiva.

Por fim, conforme pacífico magistério jurisprudencial, eventuais condições subjetivas favoráveis ao paciente – tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa no distrito da culpa e profissão definida, – por si sós, não garantem o direito à revogação da custódia cautelar, se há nos autos elementos hábeis a recomendar a sua manutenção, como se verifica no caso em tela.[…]”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão.

A seguir, excertos da decisão, verbis:

  1. A prescrição em perspectiva ou virtual é uma modalidade de prescrição que não se encontra consagrada explicitamente em nosso ordenamento jurídico, tendo sido originada de construção doutrinária e da jurisprudência de alguns tribunais pátrios, não tendo, ainda, receptividade por nossos Tribunais Superiores.
  2. Trata-se de uma construção exegética baseada em interpretação sistemática e integrativa de institutos do Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil, especialmente a condição da ação do interesse processual – em sua trilogia necessidade, utilidade e adequação, que ganhou maior relevo e receptividade a partir da recente reforma do Processo Penal, que consagrou a ausência de justa causa como hipótese de rejeição da ação penal.
  3. Baseado nesse retrato interpretativo, a prescrição em perspectiva ou virtual seria a possibilidade de ser reconhecida a extinção da punibilidade quando restasse demonstrada nos autos a ausência de interesse processual – utilidade, sobrevindo a ausência de justa causa para o prosseguimento da persecução penal, antecipando-se os efeitos da prescrição, parametrizada pela provável pena in concreto que seria fixada ao denunciado, considerando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.

Agora, a decisão por inteiro.

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Poder Judiciário

Fórum da Comarca de São Luis.

Juízo da 7ª Vara Criminal

São Luis – Maranhão

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Processo nº 97/1986

Ação Penal Pública

acusado: l.

vítima: Antonio Freitas de Sousa

Ser e parecer, eis a questão

“[…] Quando se quer dizer que determinado juiz não trabalha, diz-se que ele só permanece na comarca às terças, quartas e quintas-feiras. São os chamados, jocosamente, juízes TQQ.

Na capital, quando se deseja atestar a falta de operosidade de um magistrado, diz-se, desdenhosamente, que ele não conhece os funcionários das secretarias que dão expediente no período da tarde.

Numa e noutra hipótese, o que se pretende dizer mesmo é que, para ser produtivo, o magistrado deveria fixar residência na sua comarca, no caso dos juízes das comarcas do interior, e se dirigir ao Fórum, pela manhã e à tarde, no caso dos juízes da capital.

Numa e noutra hipótese, há, não se pode negar, um grave erro de interpretação.

Na minha avaliação, fruto dos quase trinta anos de atividades judicantes, o fato de o magistrado só estar na comarca às terças, quartas e quintas-feiras não quer dizer que seja, necessariamente, um indolente; da mesma forma, o fato de o magistrado não ir ao Fórum no período vespertino, não demonstra, inequivocamente, ser improdutivo.

O juiz pode, com efeito, passar pouco tempo na comarca e produzir muito, como pode, noutro giro, nela fixar residência e nada produzir.

Da mesma forma, o magistrado pode se deslocar ao Fórum todos os dias, pela manhã e pela tarde, e pouco produzir, como pode, permanecendo em casa, produzir muito.

Compreendo, todavia, pelo sim e pelo não, que o correto mesmo é o magistrado morar na comarca e ir ao Fórum, se possível, todos os dias, pela manhã e pela tarde.

É recomendável, ademais, que a Corregedoria acompanhe, com rigor, a produtividade dos juízes, bem assim o tempo em que permanecem nas comarcas, para efeito de ascensão profissional.

É que, na minha avaliação, não basta ao juiz trabalhar; é preciso transparecer, também, que trabalha.

A presença do magistrado na comarca, full time, e no Fórum, também em tempo integral, deixa transparecer que ele, efetivamente, trabalha.

O ideal, pois, na minha avaliação, é que o juiz fixe residência na comarca – e ali desenvolva as suas atividades a contento.

O correto mesmo, nessa linha de argumentação, é que o juiz se desloque para o seu local de trabalho, pela manhã e pela tarde – e que produza […]”

Vistos, etc.

01.00. Trata-se de Ação Penal oferecida pelo Ministério Público Estadual em desfavor de L., imputando-lhe a prática do delito de homicídio (art. 121 do Código Penal Brasileiro) contra a vítima Antonio Freitas de Sousa, vulgo “Ceará”.

02.00. Narra a peça exordial (fls. 02/04) que no dia 02 de setembro de 1986, por volta das 21:00 horas, no interior de sua residência, o acusado após discussão assassinou a vítima com disparos de arma de fogo, sendo que após o delito empreendeu fuga do local, viajando para o interior do Estado.

03.00. À época do inquérito policial chegou a ser realizado o interrogatório do acusado, que confessou a prática delitiva, invocando legítima defesa.

04.00. Inicial instruída com os documentos de fls. 05/24.

05.00. Laudo de Exame Cadavérico às fls. 19.

06.00. Laudo de Exame de local de morte violenta às fls. 20/21.

07.00. Denúncia recebida em 06/11/87, consoante decisão de fls. 22v.

08.00. Após reiteradas tentativas de citação pessoal, todas frustradas, foi determinada a citação editalícia do denunciado, conforme despacho de fls. 44.

09.00. Edital de Citação às fls. 48/49, publicado no DJ de 05/05/94.

10.00. Decretada a revelia às fls. 50, nomeando-se curador especial.

11.00. Defesa prévia apresentada às fls. 57/58.

12.00. Audiência para inquirição da testemunha Mariano Antonio Martins às fls. 62/63, sendo que o Ministério Público Estadual dispensou a oitiva das demais testemunhas que não foram localizadas (fls. 68).

13.00. Alegações finais do Ministério Público às fls. 70/75, requerendo seja o acusado pronunciado nas penas do art. 121, caput, do CPB.

14.00. Alegações finais da Defesa às fls. 77/78, requerendo a absolvição do acusado, por legítima defesa.

15.00. Sentença de Pronúncia proferida em 31 de julho de 1996 (fls. 80/83), publicada em 02/08/1996, ocasião na qual foi decretada a prisão preventiva do denunciado.

16.00. Considerando que a norma processual vigente à época exigia a intimação pessoal da pronúncia, nos termos da antiga redação dos arts. 413 e 414 do CPP, foi expedido mandado de intimação às fls. 85.

17.00. Mandado de prisão expedido às fls. 100.

18.00. Em petição de fls. 114/118, datada de 07/08/2009, o denunciado manifestou-se nos autos por intermédio de seu advogado constituído (procuração de fls. 119), alegando que não colocou obstáculo à instrução processual, embora não tenha sido citado pessoalmente, sendo que somente tomou conhecimento da presente ação penal na ocasião em que solicitou atestado de bons antecedentes, requerendo a revogação da prisão preventiva.

19.00. Com vista ao Ministério Público, em parecer de fls. 132/138, manifestou-se pela impossibilidade de ser reconhecida a modalidade prescricional do art. 109 do CPB, pois a pronúncia interrompeu o curso da prescrição.

20.00. No entanto, manifestou-se pelo reconhecimento da prescrição em perspectiva, dada a inexistência de interesse de agir do Estado, tendo em vista que ainda que o réu seja condenado a pena máxima (20 anos) a pena não seria executada, visto que já decorridos quase 23 anos da consumação do delito.

23.00. Convém ser enfrentado, de início, o pleito Ministerial acerca do reconhecimento da prescrição, tendo em vista ser matéria de ordem pública.

24.00. Ao cotejo da cronologia do andamento processual, observo que não restou configurada a prescrição da pretensão punitiva do art. 109 do Código Penal, tendo em vista a interrupção do lapso prescricional pela pronúncia.

25.00. O referido prazo prescricional é estabelecido tomando-se por base o máximo da pena privativa de liberdade em abstrato, que, no caso, tratando-se do homicídio simples, restaria consolidado em 20 anos.

26.00. Desta forma, entre a data do recebimento da denúncia (06/11/1987 – primeiro termo interruptivo) e a data da pronúncia (publicada em 02/08/1996 – segundo termo interruptivo) não decorreu o prazo prescricional em comento.

27.00. Para que a decisão de pronúncia surta o efeito de interromper a prescrição (art. 117, II, do CP), basta que a mesma seja publicada em cartório, em mãos do escrivão, visto que a intimação pessoal somente era necessária para o prosseguimento do processo, nos termos do disposto no art. 413 do CPP.

28.00. Portanto, afasto o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, nos moldes do art. 109 do CPB.

29.00. Num segundo momento, quanto ao pedido de reconhecimento da Prescrição em Perspectiva ou Virtual, faremos algumas considerações de ordem material.

30.00. A prescrição em perspectiva ou virtual é uma modalidade de prescrição que não se encontra consagrada explicitamente em nosso ordenamento jurídico, tendo sido originada de construção doutrinária e da jurisprudência de alguns tribunais pátrios, não tendo, ainda, receptividade por nossos Tribunais Superiores.

31.00. Trata-se de uma construção exegética baseada em interpretação sistemática e integrativa de institutos do Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil, especialmente a condição da ação do interesse processual – em sua trilogia necessidade, utilidade e adequação, que ganhou maior relevo e receptividade a partir da recente reforma do Processo Penal, que consagrou a ausência de justa causa como hipótese de rejeição da ação penal.

32.00. Baseado nesse retrato interpretativo, a prescrição em perspectiva ou virtual seria a possibilidade de ser reconhecida a extinção da punibilidade quando restasse demonstrada nos autos a ausência de interesse processual – utilidade, sobrevindo a ausência de justa causa para o prosseguimento da persecução penal, antecipando-se os efeitos da prescrição, parametrizada pela provável pena in concreto que seria fixada ao denunciado, considerando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.

33.00. Traçadas estas premissas interpretativas, passemos à análise do caso em tela.

34.00. Inicialmente, convém ser registrado que o réu praticou o delito no dia 02 de setembro de 1986, e embora tenha se apresentado espontaneamente à polícia uma semana após o cometimento do delito, para que fosse interrogado, furtou-se a participar de todo o curso da instrução processual, tendo em vista que não foi localizado no endereço indicado na fase administrativa, somente informando seu novo endereço à Justiça recentemente, por intermédio da petição de fls. 114/119, ou seja, quase 23 anos depois do crime.

35.00. In casu, embora exista um grande lapso temporal entre a data do fato e a presente data (quase 23 anos), observa-se que ao longo do feito se verificaram duas causas interruptivas da prescrição, o recebimento da denúncia (art. 117, inciso I do CP) e a pronúncia (art. 117, inciso II do CP), o que inviabiliza a tese ministerial pela prescrição virtual como antecipação da prescrição retroativa, pois os termos interruptivos ocorreram em lapso temporal menor que o prazo prescricional sugerido pelo Parquet Estadual.

36.00. Desta forma,

indefiro o pleito ministerial de reconhecimento da prescrição retroativa.

37.00. Passo a analisar o pedido da Defesa acerca da revogação da prisão preventiva.

38.00. Compulsando os autos, vislumbro que a argumentação do denunciado não merece prosperar, eis que restam presentes os pressupostos da materialidade e indícios de autoria para a manutenção da prisão preventiva do paciente.

39.00. In casu, a manutenção da custódia cautelar se justifica para assegurar a aplicação da lei penal, dadas as peculiaridades do caso concreto, especialmente o longo período em que o acusado se furtou à instrução penal, somente vindo informar a este juízo acerca de seu atual endereço no momento em que se viu impedido de renovar sua licença de taxista perante o órgão municipal competente, por decorrência da existência do registro da presente ação penal em sua folha de antecedentes criminais.

40.00. Cumpre observar, a necessidade de ser garantida a futura aplicação da lei penal, pois o denunciado ocultou-se por longo período da atuação jurisdicional, bem demonstrando, assim, sua intenção de furtar-se ao processo. Nesse contexto, desponta real a necessidade da extrema medida constritiva.

41.00. Por fim, conforme pacífico magistério jurisprudencial, eventuais condições subjetivas favoráveis ao paciente – tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa no distrito da culpa e profissão definida, – por si sós, não garantem o direito à revogação da custódia cautelar, se há nos autos elementos hábeis a recomendar a sua manutenção, como se verifica no caso em tela.

42.00. Ante o exposto, com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal,

Mantenho a prisão preventiva do denunciado L..

43.00. Expeça-se novo Mandado de Prisão, observando-se o endereço residencial indicado na procuração de fls. 119.

44.00. Por oportuno, considerando que o acusado ainda não foi intimado pessoalmente ou por via editalícia da pronúncia, expeça-se novo Mandado de Intimação, nos termos do art. 420, inciso I, do CPP.

Cumpra-se.

São Luís, 25 de agosto de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal


Artigo publicado no blog www.joseluizalmeida.com

– O processo não prosseguirá até que o réu seja intimado da sentença de pronúncia.

Art. 414 – A intimação da sentença de pronúncia, se o crime for inafiançável, será sempre feita ao réu pessoalmente.

Prescrição Antes de Transitar em Julgado a Sentença

109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do Art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Alterado pela L-007.209-1984)

I – em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze); […]

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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