Um fim de semana em companhia de testemunhas mendazes

“A prova testemunhal, definitivamente, é muito perigosa. É preciso muito cuidado no seu exame. Quantos injustiças nós já fizemos por acreditar em um depoimento mendaz, na maioria das vezes, sem detetar a mentira?
É por isso que tenho dito que o falso testemunho tem que ser punido mais rigorosamente. Nós, juízes criminais, diante de uma testemunha mendaz, bem articulada, quase nada podemos fazer. Nem toda mentira é detetável à primeira vista.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

Neste final de semana, para variar, julguei dois processos nos quais os réus foram denunciados por assalto. Num dos processos, nº 188152004, o réu – com mais três meliantes (um deles menor) não identificados – assaltou um coletivo da 1001; no outro, n º101922008, o mais violento e de conseqüências mais danosas, o acusado e mais cinco indivíduos, assaltaram um taxista, colocaram-no dentro do porta-malas do veículo e planejaram matá-lo. O taxista, no entanto, conseguiu abrir o porta-malas – nem ele sabe como! – e fugiu, pedindo socorro. Os assaltantes, diante dessa situação, desceram do carro e fugiram. Um deles, no entanto, o que está sendo julgado agora, não teve êxito na fuga.

Num dos processos – o do assalto ao coletivo – o que vejo de relevante é que duas das testemunhas de defesa, curiosamente, disseram que estavam no ônibus, no momento do assalto, e que o acusado, em verdade, apenas se recusou a pagar a passagem. Puro mimetismo! Pura inverdade! Do que conclui, após o exame da prova, é que ambas testemunhas mentiram, do que se pode inferir o quão frágil é a prova produzida no processo penal, eminentemente testemunhal. As testemunhas vêm a juízo e mentem, sem pudor, sem cerimônia, sem nada temer. Mas isso é grave. Muito mais grave do que se possa imaginar. É que, agindo assim, as testemunhas forjadas podem – e tem acontecido – condenar um inocente e absolver um culpado.

A prova testemunhal, definitivamente, é muito perigosa. É preciso muito cuidado no seu exame. Quantos injustiças nós já fizemos por acreditar em um depoimento mendaz, na maioria das vezes, sem detectar a mentira?

É por isso que tenho dito que o falso testemunho tem que ser punido mais rigorosamente. Nós, juízes criminais, diante de uma testemunha mendaz, bem articulada, quase nada podemos fazer. Nem toda mentira é detetável à primeira vista.

No caso do assalto ao coletivo se dispunha, felizmente, do depoimento da ofendida – no caso a cobradora, que era quem tinha a posse da féria. E se não fosse possível ouvi-la? E se a prova se circunscrevesse à palavra das testemunhas mendazes? Bem, aí, não tenho dúvidas, o acusado seria absolvido, ainda que fosse com a invocação da parêmia in dúbio por reo.

Acho que já e tempo de se pensar numa punição mais rigorosa às testemunhas mendazes.

Ah! Ia esquecendo: os dois réus foram condenados. Amanhã publicarei as sentenças.

Como se vê, tive mais um final de semana de trabalho. Mas estou feliz. Muito feliz, por poder fazer o que está ao meu alcance. Se mais não faço é porque mais não posso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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