A intolerância nossa de cada dia

“A busca incessante de dinheiro, de ascensão social, também nos tornam intolerantes. Quem busca ascender, de qualquer forma, não preza – antes despreza – o ser humano. O ser humano está-se tornando algo descartável.
Ao que entrevejo no labor diário, convivendo com pessoas de todos os matizes, ninguém tem mais sensibilidade a permear as relações com o semelhante. É cada um por si. Essa é uma triste realidade. Realidade que é muito mais nefasta quando se constata que essa indiferença está incrustrada até mesmo na família.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

Não sei, sinceramente, por que as pessoas estão – ou são? – tão intolerantes. Ninguém tem mais paciência de esperar. Poucos, raros são os que têm paciência com os velhos. Os velhos, para os intolerantes, apenas atrapalham, são rebotalhos, resto de gente.

Muitos não têm paciência com os próprios pais. Muitos pais, curiosamente, não têm paciência com os filhos. Tenho testemunhado essa contradição. Sim, contradição, pois o normal, o comum, o compatível com os pais é a tolerância, a paciência, o transigir, o aquiescer com os filhos.

A verdade é que, nos dias atuais, além da malsã, da daninha intolerância antes mencionada, ninguém tem mais tempo – nem paciência – sequer para contar uma prosa. As pessoas, ao que parece, vivem apenas para o trabalho – ou pelo dinheiro ou para o dinheiro.

A busca incessante de dinheiro, de ascensão social, também nos torna intolerantes. Quem busca ascender, de qualquer forma, não preza – antes despreza – o ser humano. O ser humano está-se tornando algo descartável.

Ao que entrevejo no labor diário, convivendo com pessoas de todos os matizes, ninguém tem mais a sensibilidade que deve permear as relações com o semelhante. É cada um por si. Essa é uma triste realidade. Realidade que é muito mais nefasta quando se constata que essa indiferença está incrustrada até mesmo na família.

Como seria bom se a gente ainda pudesse sair de casa para sentar na porta do vizinho e jogar conversa fora, como se fazia outrora!

Como seria bom se da porta do vizinho, contando e ouvindo história, ainda se pudesse ver a lua aparecer no horizonte!

Como seria bom se a gente ainda pudesse acreditar no ser humano!

Para mim, que vim do interior, que sou meio matuto, não existe nada melhor que um bom bate-papo, uma boa conversa. Desopila, faz bem à saúde uma conversa saudável – e descomprometida, o que é melhor ainda.

A verdade é que ninguém tem mais tempo – ou não se importa com isso – para cumprimentar, abraçar, para visitar um amigo ou um parente.

Telefonar no dia do aniversário? Parabenizar um semelhante em face de uma conquista? Nunca! Isso quase não se faz mais. Muitas vezes não fazemos por puro esquecimento ou por supor irrelevante a conquista; noutras vezes, porque o corre-corre, o labor diário não nos permite lembrar desses eventos.

As pessoas se encontram num elevador de um condomínio onde moram e mal se cumprimentam – quando se cumprimentam. Muitas antecipam ou adiam a chega ao elevador para não ter que se encontrar com um vizinho. Muitos ficam de mal sem que se saiba o que motivou essa mal-querência.

É no trânsito que se observa a intolerância mais acentuada. Basta o semáforo abrir, por exemplo, que o motorista detrás buzina. Se, por exemplo, o motorista liga a seta indicando que pretende convergir para direita, o motorista que segue próximo, ao invés de diminuir a velocidade, faz uma retomada, para, com isso, impedir a manobra pretendia pelo motorista que sinalizou a tempo e hora. Se, por hipótese, o motorista demonstra que pretende fazer uma ultrapassem, o motorista do veículo a ser ultrapassado, acelera, com veemência, para impedir a ultrapassagem.

Isso é intolerância! Isso é disputa de quem imagina que nunca pode ficar para trás.

E assim vamos todos, brandindo, gritando, externando toda a nossa irritação, a nossa intolerância, sem que se saiba onde vamos parar.

Não foi esse o mundo que imaginei para os meus filhos. Não foi esse o mundo que imaginei para os meus netos.

Não foi esse o mundo que imaginei para curtir a minha velhice, se é que é possível curtir velhice.

Não sei, sinceramente, o que será das futuras gerações. 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “A intolerância nossa de cada dia”

  1. Achei ótimo o texto pois era isso mesmo que estava procurando,seria mais sobre a impaciência dos filhos com os pais que estão ficando velhos.Sempre é motivo de uma palavra mais ríspida,achando que estamos nos metendo na vida deles.E com os outros avós não se animam a dizer nada. O pai é que está errado…..

  2. As pessoas perderam a noção do que é viver, do verdadeiro sentido da vida e trocam o tempo para si, para a família, por uma melhor posição financeira.
    Certa vez, li uma placa de transito que dizia “a velocidade que emociona é a mesma que mata”. trazendo esta frase para o trabalho, ficaria assim; “O excesso de trabalho que engorda sua conta bancaria e o mesmo que aos poucos vai tirando seu maior bem, sua vida.

  3. Lindo texto. Muito pertinente. Posso publicar?

    Boa tarde Exmº Sr. Desembargador José Luiz Almeida. Sou editor de um jornal de bairro, com periodicidade mensal, em São João de Meriti-RJ, o JORNAL DO NOVO RIO.

    Na edição do mês de dezembro pautei assuntos relacionados à intolerância, à falta de respeito às diferenças, a falta de ética nas relações humanas e a escassez de referências de valores em nossa sociedade.

    Seria de grande contribuição para a mensagem, a publicação do seu texto em nosso jornal. Por favor, dê-nos sua autorização.

    Já agradecemos,
    Leandro Gaseta – Editor
    jornaldonovorio@outlook.com
    21 96502-8429

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