Apenas uma lagartixa espremida numa porta.

Os que passaram e não edificaram uma obra de relevo ou que usaram o poder sem ter noção de sua real dimensão, serão – ou estão – fatalmente esquecidos. Muito antes do que imaginaram, serão – ou já foram – esquecidos. Quando são lembrados, muitas vezes não são nada além de um pesadelo.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

As pessoas que exercem o poder não se dão conta, muitas vezes, que tudo é fugaz, tudo é passageiro, como, de resto, efêmera é a nossa passagem na terra. Logo, logo, em pouco tempo, seremos substituídos em nossos cargos. E com uma rapidez que impressiona. De nós só restará, rarefeita, sem densidade, a lembrança, em face dessa ou daquela atitude, dessa ou daquela realização.

Quando assumi a magistratura, em 1986, compunham o Tribunal de Justiça os desembargadores João Manoel, José Pires, José Filgueiras, Kleber Moreira, Alcebíades Chaves, Antonio Guerreiro, Araújo Neto, Juvenil Ewerton, João Miranda Sobrinho, Almeida e Silva e Esmaragdo Silva. Eram todos poderosos. Não podia ser diferente. Alguns foram mais do que arrogantes; outros, cordatos e amigos, como, afinal, é o homem na sua essência. Mas todos tinham em comum o poder enfeixado sob as mãos e em face deles se destacavam. Nesse sentido, eram todos iguais. Ninguém, nem mesmo os magistrados da 1ª instância, tinha a petulância de enfrentá-los. Os que tentaram, sucumbiram, afinal, eles detinham um poder quase ilimitado e não havia o Conselho Nacional de Justiça para podar-lhes as ações.

Hoje, vinte e dois anos depois, não há nenhum deles exercendo o poder. O tempo passou inclemente. Se aposentaram, deixaram a ribalta e foram esquecidos. Ninguém – a não ser os familiares e amigos mais próximos – se lembra que existiram, que exerceram o poder. De muitos deles só restaram os retratos na galeria destinada aos ex-presidentes e aos ex-corregedores. Nada mais que isso. O que fizeram de bom ou de ruim restou superado pelo tempo. São águas passadas. Não retornam mais ao poder. Não mais serão lembrados, bajulados, adorados, aquinhoados, odiados, amados, respeitados ou desrespeitados. De sua existência muitos só se darão conta quando noticiarem o falecimento. É triste, mas é verdade. E isso, afinal, acontecerá com todos nós. Nós também passaremos e seremos esquecidos. O duro é não compreender essa realidade. O insano é pensar que o poder é eterno.

Hoje os tempos são outros. Mas o tempo, da mesma forma, continua fluindo celeremente, intolerante, impiedoso. Dos que me negaram, por exemplo, o direito de compor a terceira lista consecutiva de merecimento, alijando-me de uma promoção, poucos são os que ainda estão na ativa: Jamil Jedeon, Raimundo Cutrim, Antonio Bayma, Antonio Guerreiro e Benedito Belo são os remanescentes. Os demais – Dulce Clementino, Militão Vasconcelos, Etelvina Ribeiro Gonçalves, Mário Ferraz, Vicente Ferreira Lopes, Galba Maranhão, Júlio Aires, entre outros – estão todos aposentados – na penumbra, no ostracismo, sem holofotes, sem platéia, sem aduladores, sem bajuladores, vivendo discretamente. Saíram de cena. Ninguém, fora do âmbito familiar, lembra que existem ou que existiram um dia. Isso fatalmente acontecerá com todos nós.

A saída da ribalta dos acima mencionados é a reafirmação de que tudo passa – e muito rapidamente – e que a arrogância no exercício do poder não engrandece, não nos torna mais amados, mais importantes e mais respeitados. Ao contrario. Em face da arrogância no exercício do poder, muitos são, até, odiados. A arrogância e a prepotência no exercício do poder só nos diminui, nos fazem menores que realmente somos.

Os que passaram e não edificaram uma obra de relevo ou que usaram o poder sem ter noção de sua real dimensão, serão – ou estão – fatalmente esquecidos. Muito antes do que imaginaram, serão – ou já foram – esquecidos. Quando são lembrados, muitas vezes não são nada além de um pesadelo.

Agora, é curtir a aposentadoria e refletir sobre a obra que edificaram ou que deixaram de realizar – por preguiça, descaso ou falta de ideal.

Quem passou pelo poder e não teve a dimensão dele, não será lembrado, ainda que tenha deixado um retrato na parede. Quem não soube usar o poder na sua real dimensão,significará para as futuras gerações o mesmo que significa uma lagartixa espremida numa porta.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Apenas uma lagartixa espremida numa porta.”

  1. Brilhante reflexão Dr. José Luís, o Senhor realmente disse tudo, em poucas palavras.
    O Senhor me fez lembrar agora de uma célebre frase: “O poder não muda as pessoas, ele só as revela”, ao ler o seu blog vejo q há possibilidade de ser diferente, mesmo participando da mesma classe, abraços, continue sempre assim, pois o Senhor vai precisar deste mesmo pensamento quando adentrar aos “umbrais da egrégia corte”. Boa Sorte
    Ass: João Paulo, estudante de direito, 9º, a espera do 10º período.

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