Ferry-Boat – um amontoado de ferros sem governo, sem controle,impontual, sujo e malcheiroso

“É lamentável dizer, mas, diante dessas e de outras questões nas quais o Estado está envolvido – direta ou indiretamente –, nada podemos fazer. Somos impotentes diante da arrogância e despreparo do Estado. Nesse sentido, somos impotentes diante das concessionárias do serviço público.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

As viagens para baixada maranhense, de certa forma, sempre foram uma verdadeira odisséia. Saímos de casa, mas nunca sabemos quando chegaremos ao destino escolhido, tendo em vista que as estradas, via de regra, estão intrafegáveis, a via aérea não existe regularmente – além de ser elitizada – e a via marítima (ferry-boat), a outra opção acessível às camadas mais pobres, é uma lástima! Um péssimo serviço. Um acinte! Um descaso! Uma droga! Um desrespeito! Uma afronta! Os chamados “ferrys” são, verdadeiramente, um escárnio, um amontoado de ferros, sem disciplina e sem fiscalização. São, para agravar o quadro, fétidos, desconfortáveis, sujos e impontuais.

A verdade é que, ao decidir viajar com destino à baixada ocidental maranhense, o usuário do serviço público fica, sempre, entre a cruz e a espada: optando o usuário pela viagem terrestre, goza da vantagem de, pelo menos, determinar a hora de sair, malgrado não possa se dar ao luxo de programar a hora de chegada, porque nunca sabe como a estrada está, já que ninguém cuida de sua manutenção. De qualquer sorte, por terra, pese todas as dificuldades, o usuário ainda tem um mínimo de autonomia. Optando o usuário pela viagem de ferry-boat, aí, meu irmão, a coisa se complica. Nesse meio de transporte, os usuários são entregues ao bom (ou mau) humor dos responsáveis pela concessão, que agem ao sabor das suas conveniências, dos seus interesses, dos seus caprichos, de suas idiossincrasias. Se for conveniente, eles cancelam uma viagem, sem dar satisfação a ninguém. E, quando isso ocorre, ficamos todos com cara de otários, apalermados, com cara de trouxas, sem ter a quem apelar, pois o Estado, nessa questão, como em tantas outras, também é omisso, leniente, cúmplice.

Ainda recentemente, dia 18 do corrente, em face do cancelamento abrupto e irresponsável da viagem das 11h00 horas, fui compelido a desistir da mesma, porque não mais teria tempo para honrar os compromissos assumidos na cidade de Cururupu, para onde me dirigia.

O cancelamento em comento, como ocorre habitualmente, se deu de forma unilateral, sem nenhuma comunicação aos usuários, os quais, como eu, permaneceram com os seus veículos enfileirados, sem saber o que se passava, sem nenhum palavra de conforto, sem nenhuma explicação, o que, de resto, é lugar comum, tratando-se desse amontoado de ferros, sem controle e sem fiscalização, nominado ferry-boat.

E aí? O que fazer, diante desse quadro? Recorrer a quem? E os compromissos que assumimos? Quem vai nos ressarcir pela angústia e pelos prejuízos que sofremos em face do cancelamento da viagem?

É lamentável dizer, mas, diante dessas e de outras questões nas quais o Estado está envolvido – direta ou indiretamente -, nada podemos fazer. Somos impotentes diante da arrogância e despreparo do Estado. Nesse sentido, somos impotentes diante das concessionárias do serviço público.

É forçoso admitir que o serviço de péssima qualidade que prestam as concessionárias dos serviços públicos decorrem, sempre, da omissão estatal. No caso específico do ferry-boat, se os seus proprietários vislumbram que uma viagem não lhes dará o retorno financeiro que almejam, então cancelam a viagem. Simplesmente, cancelam! E ponto final! E que não se discuta! E que se aceite a decisão calado, passivamente! O estado, nessa e noutras questões, permanecesse de cócoras, passivo, absorto, inerte e inerme, por opção.

Diante desse quadro, quem for podre que se quebre, quem for mais fraco que se dane, afinal, o que impulsiona a concessão é o lucro, nada mais que o lucro. E é por se sentirem imunes a qualquer ação estatal que algumas concessionárias do serviço público são desleixadas, desorganizadas, despreparadas e mal afamadas.

Por que temos que aceitar, passivamente, a irresponsabilidade, a inoperância, o descaso dos que recebem concessão do Estado? Até quando vamos ter que suportar o desleixo, o descaso, a omissão dos que exploram um serviço público?

Indago, com veemência: por que ninguém fiscaliza o cumprimento dos horários dos ferry-boats? Por que ninguém fiscaliza o excesso de passageiros? Por que, quando descumprem o horário, imotivadamente, para atender aos seus interesses, não recebem do estado nenhuma admoestação?

Indago, com a mesma sofreguidão: a quem interessa manter uma concessão que só maltrata, desrespeita os usuários? Por que ninguém questiona essa concessão? Até quando vamos ser humilhados pelos responsáveis pelos ferry-boats? A quem recorrer? A quem apelar?

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Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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