Sentença condenatória. Atentado violento ao pudor

 

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Processo nº 001.99.008423-0

Ação Penal Pública

Acusado: A.C.S.P.

Vítima: I DE TAL


Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra A., devidamente qualificado nos autos, por incidência comportamental no artigo 214 do Codex penal, de cuja inicial destaco os seguintes fragmentos:

Relata a peça investigatória em anexo que, no dia 02 de julho do corrente, por volta das 13h00, a adolescente I. de tal estava na feira da Cohab comprando pães para sua genitora, quando passou em frente ao box pertencente a A. C. S. P..

Adiante, vejo da denúncia:

A ofendida, a princípio, relutou em adentrar no imóvel, mas foi convencida pelo acusado. O indiciado, percebendo a adolescente no interior do box, foi logo fechando as portar e passou a despi-la, sob protestos, ficando a mesma nua da cintura para baixo, mo que aproveitou-se o acusado para beijá-la no boca e chupar os seios. Não satisfeito, o acusado, de pênis ereto, passou a esfregá-lo na vagina da vítima, para, em seguida, introduzir o dedo no órgão genital da ofendida.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado(fls.08/11).

Termo de representação às fls. 07.

Recebimento da denúncia às fls. 38.

O acusado foi qualificado e interrogado às fls.45/46.

Exame de conjunção carnal às fls.66.

Defesa prévia às fls. 48.

Durante a instrução probatória foram ouvidas as testemunhas J. de R. A. (fls.54/55), M. S. de A. N. (fls.56/57), L. R. S. A. (fls.58/59), I. A. da S. (ofendida)(fls.70/71), M. de j. C. L. (fls.85), U. F. F. (fls.86)e E. S. (fls.87/78).

Na fase de diligências o Ministério Público nada requereu (fls.97v.), bem assim a defesa (fls.101).

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do acusado, nos termos da denúncia(fls.134/136).

A defesa, de seu lado, pediu a sua absolvição, em face da insuficiência de provas(fls.171/174).

Relatados. Decido.


01.00. O Ministério Público denunciou A., em face de ter atentado contra o pudor da menor I. A.da Silva.

02.00. Ressai da prefacial que o acusado, no dia 02 de julho do 1999, por volta das 13h00, teria convidado a vítima para entrar num box de sua propriedade, para, lá, despi-la, sob protestos, beijando-a na boca e chupando os seus seios, para, em seguida, passar o pênis na sua vagina.

03.00. As provas, em face da ação do acusado, foram produzidas em dois momentos distintos: sedes administrativa e judicial.

04.00. Na fase inaugural da persecução criminal destaca-se a palavra do acusado, que negou a autoria do crime, conquanto admitisse que, ao tempo do fato, a ofendida tenha estado no box de sua propriedade (fls.10).

05.00. A ofendida, contrariando o acusado, afirma que o mesmo lhe despiu, passando a chupar seus seios e a boca, para, em seguida, passar o pênis em sua vagina, sem penetração, no entanto (fls.09).

06.00. O acusado, às fls. 27/28, voltou a negar a prática do crime, admitindo, no mesmo passo, que a ofendida, no dia do fato, tinha estado em seu box (fls.27/28).

07.00. Esses os dados mais relevantes dos colhidos em sede administrativa.

08.00. Com esses dados às mãos, foi deflagrada a persecução criminal, no seu segundo momento, tendo o Ministério Público, como suso mencionado, denunciado A. C. S.P., por incidência comportamental no artigo 214, do Digesto Penal.

09.00. De conformidade com o rito preconizado, à época, pela legislação instrumental, o acusado foi qualificado e interrogado, tendo, na oportunidade, negado a autoria do crime, inobstante reafirmasse que, ao tempo do fato, a ofendida tenha estado em seu box, com as portas fechadas (fls.45/46)

10.00. O acusado disse que ofendida tinha estado em seu box apenas para apanhar o dinheiro da compra de um perfume que havia comprado, mas que em nenhum momento chegou a tocá-la(ibidem).

11.00. Em seguida foi inquirida a testemunha J. de R. A., que nada soube acerca do fato criminoso, mas que, dentre outras coisas relevantes, disse:

I – que não tem conhecimento de que o acusado recebia garotas menores em seu box, com a finalidade de aliciá-las;

II – que o acusado sempre agradava garotas, mas não sabe com qual intenção; e

III – que a vítima esteve várias vezes no box do ofendido.

12.00. L. R. S.A., de seu lado, às fls. 58/59, disse:

I – que, ao tempo do fato, estava próximo ao box do acusado;

II – que a ofendida contou que estava trancada no box do acusado;

III – que o acusado tirou-lhe a roupa de cima; e

IV – que, diante dessa informação, levou a ofendida a uma delegacia, para prestar depoimento.

13.00. A ofendida também foi inquirida, às fls. 70/71, de cujo depoimento destaco os seguintes fragmentos:

I – que, ao passar na frente da barraca do acusado, este a chamou levando-a para o interior da mesma sob a alegação de que tinha algo para lhe dar;

II – que, depois de entrar na barraca, o acusado fechou a porta e passou a tirar-lhe as roupas;

III – que, depois que tirou a sua própria roupa, o acusado passou a beijá-la no rosto, na boca e pescoço, ao mesmo tempo tentava penetrá-la com o pênis, sem conseguir, no entanto, porque ficou com as pernas trancadas;

IV – que o acusado cessou a sua ação em face de alguns meninos das proximidades terem batido na porta; e

V – que, antes de sair, o acusado lhe deu dinheiro, que recebeu pensando que era para comprar ingredientes para cachorro-quente.

14.00. As testemunhas arroladas na defesa prévia também foram inquiridas.

15.00. A primeira testemunha do rol da defesa a ser inquirida foi M. de J. C. L., às fls.85, convindo destacar do seu depoimento os seguintes excertos:

I – que nunca ouviu dizer que o acusado seduzisse menores;

II – que as vizinhas não acreditam que o acusado tenha praticado o crime; e

III – que confia tanto no acusado que, se necessária, deixaria a sua própria filha em sua companhia.

16.00. O depoimento de U. F. F.,às fls. 86, foi no mesmo diapasão.

17.00. Do depoimento da testemunha E. S., às fls. 87/88, ponho em destaque os seguintes fragmentos:

I – que a vítima não passou dois minutos na barraca do acusado, ao tempo do fato;

II – que, após o fato, a ofendida saiu de bicicleta, sem apresentar sinais de nervosismo; e

III – que a vítima tinha por hábito dar em cima de homens.

18.00. Examinada a prova amealhada, passo a expender as minhas conclusões.

19.00. As provas acerca da existência do crime e de sua autoria são, para mim, estreme de dúvidas.

20.00. Dentre as provas produzidas merece destaque a palavra da ofendida, que, desde a sede extrajudicial, foi coerente e decidida na afirmação da ocorrência do crime e de sua autoria.

21.00. É cediço que, em face de crimes desse matiz, é relevante a palavra da ofendida, pois que aqui se cuida de um dos chamados crimes clandestinos.

22.00. Mas é cediço, também, que a palavra da ofendida, para ter consequencias, não pode estar isolada no contexto probatório.

22.01. E , in casu sub examine, não está, efetivamente, daí a sua relevância para comprovação da existência do crime e de sua autoria.

23.00. Além da palavra da ofendida, de efeito, vejo dos autos o depoimento da testemunha L. R. S. A., que informou que a vítima, ao sair do Box do acusado, disse que ele, acusado, tirou a sua roupa de cima (fls.58).

24.00. Dessa informação da ofendida, tão logo deu-se a ocorrência, não se pode descrer, mesmo porque, ao que consta dos autos, era acostumada a ir no Box do acusado.

24.01. E se era acostumada a freqüentar o Box do acusado e nunca o denunciou, é porque, convenhamos, nunca tinha atentado contra a sua liberdade sexual.

25.00. A mesma testemunha, mais adiante, disse que ouviu dos feirantes de que há tempo o acusado praticava atos dessa natureza, dado que, de mais a mais, não pode ser desprezado (ibidem).

26.00. A testemunha J. de R. A., de seu lado, disse que o acusado era acostumado a receber menores em seu Box e ficar com elas trancadas, o que, é bem de ver-se, é mais do que sintomático (fls.55).

27.00. Importa, a par do exposto, indagar: por que razão o acusado recebia menores em seu Box e com elas ficava trancado durante certo tempo?

28.00. A resposta a essa indagação foi dada pelo ofendida I. A. da S., que, diferente das demais, decidiu abrir o jogo e denunciar o acusado.

29.00. A testemunha M. S. de A. N., que não se perca de vista, disse que ouviu comentários de que o acusado era acostumado a agradar crianças e seduzir meninas (cf. fls.56).

30.00. O depoimento da mencionada testemunha segue na mesma direção dos depoimentos antes analisados, a dar sustentação à palavra da ofendida que, pode-se ver, não restou insulada no almanaque probatório.

31.00. Desde meu olhar, a prova testemunhal produzida, adicionada à palavra da própria ofendida, não deixa dúvidas acerca do crime e de sua autoria, cumprindo relembrar que a ofendida disse, em sede judicial, que, uma vez no Box, o acusado passou a tirar-lhe as roupas, para, depois, beijá-la no rosto e na boca, ao mesmo tempo em que tentava penetrá-la com o pênis(cf. fls.70).

32.00. A ofendida disse, ademais, que o acusado só cessou as sua ações quando alguns meninos das proximidades bateram na porta, chamando por Citinho(ibidem).

33.00. A testemunha E. S., do rol da defesa, por ter mentido, complicou a situação do acusado.

33.01. É que, ao afirmar que a ofendida não esteve no interior do Box do acusado faltou com a verdade, pois o próprio acusado afirmou que ela esteve, sim, no interior do Box de sua propriedade, no dia do fato( cf. fls.45/46 e 87)

34.00. O acusado posso afirmar, sem a mais mínima hesitação, em face da prova produzida, atentou, sim, contra o pudor da ofendida, subsumindo a sua conduta no tipo penal do artigo 214 do Digesto Penal.

35.00. O acusado, para usar as palavras do tipo penal malferido, constrangeu a ofendida a com ele praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal, com violência presumida, em face da idade da ofendida.

36.00. Ato libidinoso, sabemos,

é toda aquele que serve de desafogo à concupiscência; assim é ato lascivo, voluptoso, dirigido para satisfação do instinto sexual(JCAT 77/690-1).

37.00. O acusado, viu-se quando da análise das provas, tirou a roupa da ofendida, beijou-lhe os seios e ainda tentou penetrá-la, satisfazendo o seu instinto social.

38.00. À luz desse fato, posso afirmar, intenso na melhor interpretação jurisprudencial, que

O beijo lascivo e erótico é ato libidinoso, constituindo, portanto, o delito de atentado violento ao pudor quando contrário à vontade da vítima (RT 534/404).

39.00. Do que restou apurado ao longo da profícua jornada probatória, o acusado, ao se trancar com a ofendida no seu Box, ao tirar-lhe a roupa e beijar-lhe os seios – contra a sua vontade -, o fez para saciar a sua paixão lasciva, a sua concupiscência, o fazendo com a vontade consciente de praticar ato libidinoso, diverso da conjunção carnal, daí a presença do elemento subjetivo da sua conduta.

40.00. Refletindo sobre o elemento subjetivo, realço que

A efetiva satisfação da lascívia não é exigência do tipo, bastando que a ação seja perpetrada com esse propósito (elemento subjetivo diverso do dolo) ( STJ, Rel. Min. Félix Fischer, 5ª T., DJU 14/04/1997, p. 12.765).

41.00. Em face da ação do acusado, consigno, para espancar qualquer questionamento acerca da tipicidade da sua conduta que

Há de se entender como libidinoso todo fato libidinoso diverso da conjunção carnal que se apresenta como desafogo (completo ou incompleto) à concupiscência (RJTJSP 17/493).

42.00. O acusado, reafirmo, manteve contato físico com o corpo da ofendida, depois de ter-lhe tirado as vestes, disso inferindo-se, com efeito, que o fez para o fim de libidinagem.

43.00. O acusado, é de relevo que se diga, não tinha a pretensão de apenas contemplar de forma lasciva, o corpo da ofendida. Não! O acusado foi além. O acusado beijou-lhe os seios e ainda externou desejo de nela penetrar, atentando, pois, contra a sua liberdade sexual.

44.00. Na mesma linha de entendimento a decisão segundo a qual

O ato de encostar o pênis, nas nádegas de uma menor constitui, do ponto de vista objetivo e finalístico, um ato sexual, de desafogo da libido(TJSP – AC 113.999-3).

45.00. Seguindo na mesma direção a decisão que proclama que

O simples contato corporal lascivo consistente em beijo, sendo o mesmo obtido mediante violência ou ameaça, configura o artigo 214 do Código Penal (JTJ 144/273).

46.00. Para finalizar, sublinho que a ofendida, à época do fato, tinha 12 (doze) anos (cf. fls. 131), daí a presunção de violência, ex vi do artigo 224, letra a, do CP.

47.00. Acerca da consumação do crime, anoto que

Consuma-se o atentado violento ao pudor no momento em que o agente, depois da prática do constrangimento levado a efeito mediante violência ou grave ameaça, obriga a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique o ato libidinoso diverso da conjunção carnal ( Rogério GrecoCódigo Penal Comentado, Editora Impetus, 2008, p. 913).

48.00. Nessa linha de argumentação, a par do que restou consolidado nos autos, posso afirmar, pois, que

Se o agente ameaça a vítima e a desnuda, acariciando todo o seu corpo, não há que se falar em simples tentativa, pois os atos libidinosos já se materializaram, e não é o fato de que as expectativas do acusado não se tenham realizado por inteiro que imporia a desclassificação do crime para a forma tentada (TJMG, Processo 1.0540.05.004944-9/001, Rel. Sérgio Braga, pub. 11/07/2007)

49.00. Para finalizar, registro, forte na melhor interpretação jurisdicional, que

[…]O crime de atentado violento ao pudor, ainda que na forma simples e mesmo com violência presumida, tem natureza hedionda[…] ( STJ Resp.751036/RS, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª T., DJ 7/11/2005, p. 375)

50.00. Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de consequencia,

condenarA.C.S.P., brasileiro, solteiro, desocupado, filho de M.ins, residente e domiciliado na Rua da Palma, casa XX, Vila São Luis, Anjo da Guarda, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 214 do Codex Penal, cujas penas-base fixo em 4(quatro) anos de reclusão e 15 (quinze)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir menos 06(seis) meses e menos, 03(três)DM, em face da circunstância atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Digesto Penal, tornando-as, definitivamente, em 03(três) anos e 06(seis) meses de reclusão e 12(doze) DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi do §3º, do artigo 33, do Digesto Penal.

P.R.I.C.

Custas, na forma da lei.

Com o trânsito em julgado, expedir Carta de Sentença.

Lance-se, ademais, o no nome no réu no rol dos culpados.

Arquivem-se os autos, em seguida, com a baixa em nossos registros.

São Luis, 06 agosto de 2008.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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