Sentença condenatória. Roubo qualificado

 

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Processo nº 197812008

Ação Penal Pública

Acusado: K. H. S. S.

Vítima: R. C. C. da S.


Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra K. H. S. S., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, II, do Digesto Penal, de cuja denúncia trascrevo o excerto abaixo, verbis:

Consta no inquérito policial em epígrafe, iniciado por auto de prisão em flagrante ( fls.02 a 06), que o denunciado acima qualificado, na data de 28/07/2008, efetuou o delito capitulado no artigo 157,§2º, II, em desfavor da vítima, R. C. C. da S., no momento, em que o mesmo seguia para uma parada de ônibus, logo após o evento da parada gay. Realizado na Av. Litorânea, nesta cidade(Sic).

Mais adiante, outro excerto relevante:

Durante o crime, Rafael Carlos foi abordado e agredido por três elementos, dentre eles o denunciado, os quais levaram de Rafael Carlos, uma bolsa tipo mochila, que continha seus documentos pessoais, cartão C&A, Credicar, B.B., e a quantia de R$ 20,00 (vinte reais), duas camisas, dentre outros pertences, conforme depoimento da vítima às fls. 05 do auto flagrancial(Sic).

Finalmente, as circunstâncias da prisão do acusado:

O denunciado, que foi pelo logo após a prática do ilícito de posse da mochila e duas camisetas de cor preta, pertencentes à vítima, pelos PM’s, Luana Teixeira Costa e Richardson Santos Maramaldo, acionados ao local do delito via CIOPS, os quais também, encontraram com este meliante outros objetos; sendo dado voz de prisão ao mesmo(Sic).

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado. (fls.08/12)

Termo de apresentação e apreensão às fls. 14.

Termo de entrega às fls. 15.

Recebimento da denúncia às fls.78/79.

Defesa escrita às fls. 83/87.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas L.T. C.(fls.104/106), B. R. da S. (fls.113/114), G. S. A. (fls.115), G. da S. R. (fls. 116), C. M. S. S. (fls. 117), R. C. C. da S. (fls. 127/128), A. C. P. (fls. 129/130), E. P.W. (fls.131/132) e J. da S. M. (fls.133/134).

Nas as alegações finais o Ministério Público pediu a condenação do acusado nos termos da denúncia. (fls.141/144)

A defesa, de seu lado, pediu a absolvição do acusado, com a invocação da parêmia in dubio pro reo(fls.147/152).

Relatados. Decido.


01.00. O Ministério Público denunciou K. H. S. S., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157, §2º, II, do Digesto Penal.

02.00. Ressai da prefacial que o acusado, no dia 28 de julho de 2008, teria assaltado R. C. C. da S., o fazendo em concurso com outros indivíduos, no momento em que este seguia para uma parada de ônibus, depois da parada gay, realizada na Av. Litorânea.

03.00. As provas, em face da ação do acusado, foram produzidas em dois momentos distintos: sedes administrativa e judicial.

04.00. Na fase inaugural da persecução criminal destaca-se a formalização da apreensão da res furtiva (fls.14) e a sua devolução ao ofendido ( fls. 15).

05.00. Da mesma sede ressai, ademais, a negativa de autoria do acusado ( fls. 12) e a palavra do ofendido, descrevendo detalhes da ação do acusado e de seu bando (fls.11).

06.00. Com esses dados, foi deflagrada a persecução criminal, no seu segundo momento, tendo o Ministério Público, como suso mencionado, denunciado K. H. S. S. por incidência comportamental no artigo 157, §2, II, do Digesto Penal.

07.00. Da segunda fase da persecução criminal assoma, dentre outras provas, o depoimento de L. T. C., às fls. 104/105, de cujo depoimento apanho os seguintes elementos:

I – que foi informada sobre o fato via Ciops;

II – que dirigiu ao local onde se encontrava a vítima;

III – que encontraram o ofendido lesionado;

IV – que o ofendido queriam que lhe ajudassem a encontrar as pessoas que lhe agrediram e levaram a sua mochila;

V – que colocaram o ofendido na viatura, para, juntos, identificarem os autores do fato;

VI – que localizaram o acusado, que foi de logo reconhecido pelo ofendido, pois teria sido ele quem o agrediu com um chute no rosto;

VI – que com o acusado encontraram alguns pertences do ofendido;

VII – que o acusado estava de posse da mochila do ofendido; e

VIII – que o acusado disse que fez um favor em bater no ofendido, que era homossexual.

08.00. De se destacar, ademais, o depoimento de B.e R. da S., o qual, ainda que não estivesse no local da ocorrência, disse ter ouvido do ofendido que K. tinha sido uma das pessoas que lhe agrediram e subtraíram a sua mochila, com o que nela continha (fls.113).

09.00. O ofendido foi ouvido em sede judicial, de cujo depoimento, às fls. 127/128, destaco os seguintes fragmentos:

I – que, no dia do fato, próximo ao monumento do pescador, na Av Litorânea, foi abordados por cincos desconhecidos, dentre os quais o acusado;

II – que o acusado e seus companheiros começaram logo a lhe espancar;

III – que, em seguida, o acusado pegou a sua mochila e saiu correndo;

IV –que, acionada a Policia, localizaram a sua mochila e uma camisa preta; e

V – que o acusado e seus companheiros se limitaram a praticar violência física, sem a utilização de arma.

10.00. Da mesma sede avulta o depoimento de A. C. P., às fls. 129, de cujo depoimento releva destacar os seguintes:

I – que, a volta da parada gay, observou uma briga envolvendo um casal de homossexuais, um dos quais era o ofendido;

II – que, logo depois, um grupo de pessoas passou a agredir Rafael;

III – que K. apenas tentou apartar a briga;

IV – que, durante a briga, a bolsa da vítima caiu;

V – que Kelvin pegou a mochila da vítima e colocou nas costas;

VI – que, com a bolsa nas costas, K. saiu em direção à parada;

VII – que reafirma que Kelvin apenas tentou separar os contendores.

11.00. E. P. W., que estava em companhia do acusado no dia do fato, informou, às fls. 131, o seguinte:

I – que retornava da parada gay, realizada na Av. Litorânea, quando observou uma briga entre homossexuais, sendo um deles R.;

II – que não sabe informar de que forma K. se apoderou da bolsa do ofendido.

III – que, de fato, K. estava com uma bolsa nas costas;

IV – que a bolsa da vítima caiu durante a briga que teve com o outro homossexual; e

V – que aredita que R. tenha corrido e deixado a bolsa cair porque estava temendo alguma coisa, em face das lesões que produziu em seu companheiro.

12.00. As demais testemunhas – G. S. A. (fls. 115) , G. da S. R. (fls.116) , C. M.S. S. (fls. 117) e J. da S. M. (fls. 133) – na souberam acerca do fato criminoso.

13.00. Finalmente, encerrando a instrução, foi interrogado o acusado, às fls. 135/136, de cujo depoimento importa destacar os seguintes fragmentos:

I – que, no dia do fato, observou duas pessoas brigando próximo ao monumento do pescador, na Av. Litorânea;

II – que, com a ajuda de outras pessoas, conseguiu apartar a briga, tendo Rafael saído do local;

III – que, após a briga, as pessoas deixaram o local, deixando uma bolsa tipo mochila;

IV – que pegou a mochila e deixou o local;

V – que, depois, seguiu pela av. Dos Holandeses, com as testemunhas Emerson e André;

VI – que foram abordados por uma viatura da PM, onde se encontrava Rafael;

VII – que, em seguida, depois de agredido pela vítima, foi preso;

VIII – que a bolsa foi abandonada pela vítima, por isso dela se apoderar; e

IX – que não deu chute no rosto da vítima.

14.00. Depois de analisada o patrimônio probatório consolidados nas duas fases da persecução criminal – sedes administrativa e judicial – concluo, sem a mais mínima dúvida, que o acusado, com sua ação, malferiu, sim, o preceito primário do artigo 157 do CP.

15.00. Do mesmo almanaque probatório concluo, ademais, que o crime restou qualificado, em face do concurso de pessoas (§2º, II, do artigo 157, do CP), pois que restou evidenciado que o acusado, com os seus comparsas, para consolidação do projeto criminoso, se uniram e despenderam esforços comuns na mesma direção.

16.00. É de se concluir, finalmente, que o crime restou consumado, não só em face do tempo em que a res mobilis ficou em poder do acusado – fora, portanto, da esfera de disponibilidade do ofendido – , mas também porque parte dela não foi recuperada e, de consequência, reincorporada ao patrimônio da vítima.

17.00. Nos autos sub examine, deve-se reconhecer, há duas versões:

I – a do acusado e das testemunhas a ele vinculadas– A. C. P. ( fls. 129/120) e E. P. W. (fls. 131) – ,

e

II – a apresentada pela vítima e pela testemunha L. T. C., cujo depoimento é mais do que contundente no sentido de demonstrar que, além de ter roubado o ofendido, o acusado ainda mostrou-se intolerante com as preferências sexuais dele (ofendido)(cf. fls. 104/106 e 135/136).

18.00. Nesse contexto, compreendo que a palavra do ofendido e da policial L. T. C. devem ser sublimados, por óbvias razões.

18.01. A palavra do ofendido, com efeito, em crimes desse matiz, tem especial relevância, máxime se, como ocorreu no caso presente, a vítima não tinha nenhuma razão de ordem pessoal para prejudicar o acusado e também porque a palavra do ofendido não restou insulada no conjunto probatório.

19.00. Todos sabemos que, em crimes de jaez, cuidando-se de um dos chamados crimes clandestinos, a pedra de toque para definição da autoria é a palavra do ofendido, muitas vezes a principal – quando não a única – testemunha ocular do crime.

20.00. A verdade, sobranceira e indene de dúvidas, é que, ao que entrevejo da palavra do ofendido, o acusado, com seus parceiros, ao vê-lo ( o ofendido), decidiram não só subtraírem-lhes os bens, mediante violência, mas deixar claro que não concordavam com as suas preferências sexuais.

21.00. A vítima, por se tratar – ao que se informa os autos – de um homossexual – mostrou-se, aos olhos do acusado e dos seus comparsas, presa fácil para se vilipendiar o patrimônio – e humilhar.

22.00. De relevo que se anote, com a necessária veemência, que a vítima, sem a mais mínima dúvida, apontou o acusado como um dos seus algozes, destacando-o como aquele que se apoderou de sua mochila, depois de protagonizar cenas de violência e selvageria.

23.00. Reitero, nessa linha de argumentação, que o ofendido disse, nesta sede, dentre outras coisas, que, no dia do fato, próximo ao monumento do pescador, na Av Litorânea, foi abordado por cincos desconhecidos, dentre os quais o acusado.

24.00. O ofendido disse, noutro excerto, que o acusado e seus companheiros começaram logo a lhe espancar e que, em seguida, o acusado pegou a sua mochila e saiu correndo.

25.00. Mais adiante, em outro fragmento relevante, o ofendido disse que acionada a Policia, localizaram a sua mochila em poder do acusado.

26.00. Noutro excerto, a ratificar a tipificação do crime de roubo e a qualificadora decorrente do concurso de pessoas, o ofendido disse que o acusado e seus companheiros se limitaram a praticar violência física, sem a utilização de arma.

27.00. Não se perca de vista, de mais a mais, que o ofendido, em sede extrajudicial – aqui chamado apenas para fortalecer o quadro probatório –, disse que, já sem a sua mochila, foi jogado no solo, onde recebeu chutes e pontapés desferidos pelo acusado e pelo seu bando (cf. fls. 11)

28.00. A propósito da consumação do crime sob retina, importa gizar que do ofendido foi subtraída uma mochila, na qual continha, além documentos pessoais, cartões C&A, Credicar, Banco do Brasil, R$ 20,00 (vinte reais). (ibidem)

28.01. Todavia, segundo entrevejo do auto de apresentação e apreensão (fls. 14), R$ 20,00 (vinte reais), por exemplo, não foram recuperados, daí a certeza da consumação do crime sob retina.

29.00. O acusado, agora, em face de sua ação, deverá receber do Estado a correspondente sanção penal, preconizada no preceito secundário do artigo antes mencionado, traduzidas em penas privativa de liberdade e multa.

30.00. O acusado, com sua ação, atentou contra o patrimônio do ofendido, bem jurídico protegido pelo Direito Positivo brasileiro.

30.01. É que, mediante violência física, que impossibilitou o ofendido de esboçar qualquer reação em defesa do seu patrimônio, o acusado – e comparsas – subtraiu coisa alheia móvel, o fazendo com a clara intenção de incorporá-la a seu patrimônio, diminuindo, de conseqüência, o patrimônio do ofendido.

31.00. O acusado e seu bando, é forçoso reconhecer, não permitiram à vitima qualquer possibilidade de reação na defesa de seu patrimônio, pois que agiram com violência física, traduzidas em socos, chutes e pontapés.

32.00. O objetivo do acusado – e comparsas –, ao que dimana das provas consolidadas, era apoderar-se, injustamente, dos bens do ofendido, sendo irrelevante, nessa perspectiva, os motivos do crime e a intenção de locupletamento.

33.00. Em adição aos argumentos acima lançados, a propósito do concurso de pessoas, anoto, a par do quadro de provas, que os comparsas do acusado tiveram participação efetiva na execução material do crime, desferindo contra o ofendido socos e pontapés, a inviabilizarem, reafirmo, qualquer reação em defesa do seu patrimônio.

34.00. Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de consequencia,

condenar K. H. S. S., brasileiro, solteiro, estudante, residente à Rua de Santaninha, nº 246, Centro, por incidência comportamental no artigo 157 do CP, cujas penas-base fixo em 4(quatro) anos de reclusão e 15 (quinze)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3,em face da causa especial de aumento de pena prevista no item II, §2º, do artigo 157, do DP, totalizando, definitivamente, 05(cinco) anos e 04(quatro)meses de reclusão e 13(treze)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

P.R.I.C.

Custas, na forma da lei.

Com o trânsito em julgado, extrai-se carta de sentença.

Lance-se, antes, no nome no réu no rol dos culpados.

Arquivem-se, em seguida, com a baixa em nossos registros.

São Luis, 24 de agosto de 2009.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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