A obstinação e a gastrite do Comissário Mattos.

Tenho dedicado parte da minha vida à magistratura do meu Estado. A exemplo de Mattos, tenho suportado as incompreensões de muitos. Tenho sido etiquetado, por pura maldade, de arrogante e prepotente. Numa das últimas tentativas que fiz para ser promovido, ouvi de vários Desembargadores que meu nome era rejeitado à alegação de que, além de arrogante e prepotente, eu era um incendiário e doido, pese não declinassem um só ato onde teria se materializado a arrogância impeditiva de minha promoção ou insanidade de minha atuação.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
A crônica que publico a seguir trata da obstinação com que me entrego às  coisas  que faço.
Antecipo alguns fragmentos.
  1. A história do comissário Mattos se parece um pouco com a minha história. Sou, também, um obstinado. Fui Promotor de Justiça e, nessa condição, senti-me sem perspectiva de contribuir para que a lei preponderasse nas relações entre os homens; dentre outros motivos porque, à época, o Ministério Público não tinha a dimensão que passou a ter com a Carta Política vigente. Diante desse quadro, diante da minha impotência e dos limites de minha atuação, ao invés de desistir, lutei para ingressar na magistratura, sonhando que pudesse dar minha contribuição para construção de uma sociedade menos injusta, menos discriminatória. Nessa condição, tenho lutado, com denodo, para fazer Justiça. A minha luta, entretanto, tem sido quase em vão. Pese os dissabores, os contratempos, as ameaças, as injustiças, as incompreensões, as perseguições, a falta de condições de trabalho, as ameaças e tudo o mais que assoma em detrimento de minha atuação, vou continuar lutando, como fez o comissário Mattos, na esperança de que as futuras gerações colham os frutos de minha luta.
  2. Tenho dedicado parte da minha vida à magistratura do meu Estado. A exemplo de Mattos, tenho suportado as incompreensões de muitos. Tenho sido etiquetado, por pura maldade, de arrogante e prepotente. Numa das últimas tentativas que fiz para ser promovido, ouvi de vários Desembargadores que meu nome era rejeitado à alegação de que, além de arrogante e prepotente, eu era um incendiário e doido, pese não declinassem um só ato onde teria se materializado a arrogância impeditiva de minha promoção ou insanidade de minha atuação. Diante dessas aleivosias, nenhuma voz, ao que saiba, se levantou para apontar as minhas virtudes. Nenhuma voz se ergueu para dizer do meu tempo de dedicação à magistratura, da minha retidão de caráter, da minha honorabilidade, na minha estatura moral. Não! O que prevaleceu foi, definitivamente, a “arrogância” e “prepotência”, com que desempenho o meu trabalho, como se fossem razões objetivas a legitimar a rejeição de um magistrado à promoção.

A seguir, a crônica por inteiro.

Aproveitei o período de carnaval para reler dois maravilhosos romances – A Dama das Camélias e Agosto, este de Rubem Fonseca; aquele de Alexandre Dumas filho. Aquele, cuidando do amor sem limites, do amor verdadeiro, incondicional; este, descrevendo – numa mistura de ficção e realidade – um período agitado de nossa história recente, com destaque para o atentado a Carlos Lacerda, na Rua Tonelero, que culminou com a morte do major Rubem Vaz, da Aeronáutica, e o suicídio de Getúlio Vargas.
A Dama das Camélias, ao retratar o amor incondicional de um jovem estudante de Direito, Armand Duval, por uma cortesã, me fez refletir o que o amor é capaz de fazer na vida de um homem, do quanto vale à pena amar, de como o amor pode modificar a nossa vida e do que somos capazes de fazer pela pessoa que amamos; o romance Agosto, porque decorrente de uma minuciosa reconstituição histórica, permeada de dados ficcionais igualmente relevantes, me fez refletir o quanto tem sido nociva para o nosso país a ação dos maus políticos .
Conquanto reconheça a importância e a magnitude do amor que envolveu o estudante Armand Duval e a cortesã Marquerite Gautier, conquanto reconheça a importância dos fatos históricos albergados no romance Agosto, o que me compeliu, definitivamente, a escrever essas reflexões, o que, efetivamente, me fez refletir, pois que se assemelha com a minha vida, com a minha sede de Justiça, foi o personagem Mattos, do romance Agosto.
O Comissário de Polícia Mattos, que, na minissérie da rede Globo, foi interpretado José Mayer, era um obstinado. Para ele a lei valia para todos, independentemente de classe social, de credo, de cor, de raça, de cargo, de sexo, etc. No desempenho de suas atividades, o investigado recebia do comissário o mesmo tratamento, quer fosse um bicheiro ou um político influente, quer se tratasse de um cidadão comum ou de uma prostituta. Para ele todos eram iguais perante a lei, efetivamente. Para o comissário Mattos, valia o Estado de Direito. Não se curvava diante do poderoso. Não tergiversava, não fazia concessões. Ninguém ousava lhe intimidar. Essa obstinação lhe deu de presente uma gastrite que lhe consumia o bom humor. A gastrite trouxe a reboque uma ameaça de morte. Ainda assim, com parcos recursos materiais e com a saúde em pandarecos, sob ameaça, ele continuava lutando, com tenacidade, para fazer valer o império da Lei. Ao tempo em que lutava contra tudo e contra todos – contra seus pares, inclusive -, Mattos estudava, também com embirrância, para se submeter a concurso público para o cargo de Juiz, onde, imaginava, pudesse fazer Justiça.
A história do comissário Mattos se parece um pouco com a minha história. Sou, também, um obstinado. Fui Promotor de Justiça e, nessa condição, senti-me sem perspectiva de contribuir para que a lei preponderasse nas relações entre os homens; dentre outros motivos porque, à época, o Ministério Público não tinha a dimensão que passou a ter com a Carta Política vigente. Diante desse quadro, diante da minha impotência e dos limites de minha atuação, ao invés de desistir, lutei para ingressar na magistratura, sonhando que pudesse dar minha contribuição para construção de uma sociedade menos injusta, menos discriminatória. Nessa condição, tenho lutado, com denodo, para fazer Justiça. A minha luta, entretanto, tem sido quase em vão. Pese os dissabores, os contratempos, as ameaças, as injustiças, as incompreensões, as perseguições, a falta de condições de trabalho, as ameaças e tudo o mais que assoma em detrimento de minha atuação, vou continuar lutando, como fez o comissário Mattos, na esperança de que as futuras gerações colham os frutos de minha luta.
Tenho dedicado parte da minha vida à magistratura do meu Estado. A exemplo de Mattos, tenho suportado as incompreensões de muitos. Tenho sido etiquetado, por pura maldade, de arrogante e prepotente. Numa das últimas tentativas que fiz para ser promovido, ouvi de vários Desembargadores que meu nome era rejeitado à alegação de que, além de arrogante e prepotente, eu era um incendiário e doido, pese não declinassem um só ato onde teria se materializado a arrogância impeditiva de minha promoção ou insanidade de minha atuação. Diante dessas aleivosias, nenhuma voz, ao que saiba, se levantou para apontar as minhas virtudes. Nenhuma voz se ergueu para dizer do meu tempo de dedicação à magistratura, da minha retidão de caráter, da minha honorabilidade, na minha estatura moral. Não! O que prevaleceu foi, definitivamente, a “arrogância” e “prepotência”, com que desempenho o meu trabalho, como se fossem razões objetivas a legitimar a rejeição de um magistrado à promoção.
Pese o exposto, pese não conte com a simpatia de muitos dos que têm o poder de voto, por ser “arrogante” e “prepotente”, não me sinto desestimulado para continuar trabalhando. Como o comissário Mattos, vou continuar lutando por uma Justiça mais eficaz e mais qualificada, ainda que seja alijado das próximas promoções. A promoção não é um fim em si mesma. Ser promovido, ou não, é uma contingência natural. Se condicionasse a minha atuação a eventual promoção, seguramente eu não seria digno do cargo que exerço.
Deixo anotado que esse tema – promoção – não faz parte de minha agenda, do meu dia-a-dia. Sinto-me compelido a, vez por outra, voltar ao tema, em face das constantes indagações dos advogados e dos que estão à minha volta acerca de eventual promoção. Eventual promoção, portanto, não foi o tema que me moveu a escrever essas linhas. O que me estimulou à reflexão, a par da tenacidade do Comissário Mattos, foi a constatação do quanto sofrem os corretos em uma sociedade onde prevalece a esperteza, o ardil, a empulhação, o embuste, a falcatrua, a pantomima, a tapeação.

 

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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